Rio Grande do Sul

CLIMA DE INSEGURANÇA

Escolas municipais reabrem gradativamente após onda de violência no Mario Quintana

Decisão preocupa a comunidade escolar do bairro da zona Norte de Porto Alegre, que registra série de crimes violentos

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"Nós não temos pra onde correr, não sabemos como ir e como voltar da escola", informa uma funcionária que não quis se identificar por medo de represálias - Foto: Divulgação Facebook

Escolas municipais do bairro Mario Quintana tentam retomar gradativamente as aulas. A medida busca garantir a segurança da comunidade escolar. O motivo não é a crise climática que atinge todo o Rio Grande do Sul, mas sim os confrontos entre facções rivais por disputas de pontos de tráfico e operações da polícia. Uma rotina dos moradores da comunidade e outras regiões da zona Norte de Porto Alegre nas últimas semanas.

Conforme o comandante do 20º BPM, tenente-coronel Rafael Tiaraju de Oliveira, operações na zona Norte resultaram, nos últimos dez dias, na prisão de 75 pessoas e na apreensão de 62 armas. Segundo informações da Polícia Civil, as disputas têm sido fomentadas pelo líder de uma facção que, no dia 21 de setembro, anunciou que passaria a integrar um grupo rival.

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Já são 27 mortes decorrentes desse conflito, que continuam sendo investigadas. E o número só aumenta. Na noite desta quinta-feira (5), às 21h, um ataque a tiros deixou uma mulher morta no bairro, ainda sem confirmação do motivo por parte das forças de segurança.

Sensação de insegurança preocupa comunidade escolar

As comunidades escolares em situação vulnerável frente à onda de violência desencadeada no território são as EMEFs Chico Mendes e Deputado Victor Issler e a EMEI Valneri Antunes. Na manhã desta terça-feira (3), foi realizada uma reunião, entre o poder público e representações das escolas, para debater as possíveis ações diante da situação de violência que ainda persiste no bairro.

Participaram da reunião os diretores do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), Cindi Sandri e Assis Olegário, e da Associação dos Trabalhadores/as em Educação do Município de Porto Alegre (Atempa), Camila dos Reis, Rosele Bruno de Souza, Luciane Pereira [Cuca] e Isabel Letícia Medeiros; os secretários municipais de Educação (Smed), José Paulo da Rosa, e de Segurança (SMSEG), Alexandre Aragon; e o comandante do 20º BPM, Rafael Tiaraju de Oliveira. Representantes dos equipamentos da Fasc e da Saúde no bairro também acompanharam a atividade.


Escolas do bairro Mario Quintana reivindicam manutenção do reforço na segurança / Foto: Simpa

A orientação dada aos representantes das comunidades escolares era optar pelo retorno das aulas, mas em alerta diante de qualquer mudança no cenário, mesmo com a manifestação de professores, pais e funcionários preocupados com a insegurança instalada. "Foi um momento importante de diálogo e, principalmente de escuta à comunidade, que passou por uma situação de instabilidade social no território, mas que está retomando a normalização das atividades essenciais, como o funcionamento das escolas, com segurança e todo acolhimento necessário", afirma o secretário de Educação, José Paulo da Rosa. 

A comunidade escolar, ainda, reivindicou a manutenção do reforço na segurança. "Intensificamos a ação da Guarda Municipal nas escolas e trabalhamos de forma integrada com a Brigada Militar. Estamos articulando ainda outras ações para reforçar a sensação de segurança da comunidade", disse o secretário de Segurança, Alexandre Aragon.

Tiroteios no entorno da escola

Mas, para a comunidade escolar, a situação está apenas aparentemente segura, como informa uma professora da EMEF Deputado Victor Issler. “Os tiroteios estão acontecendo no entorno da escola, uma quadra de distância, a sensação de insegurança é permanente, ela não melhorou, as pessoas são surpreendidas por barulhos de tiros em qualquer hora do dia e nós não temos orientação nenhuma, apenas a ordem para ir trabalhar de maneira presencial”, informa a professora que não quis se identificar com medo de represálias. “É uma situação de violência que continua e quem se responsabiliza se acontecer algo conosco durante o trajeto”, questiona.

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Uma funcionária que mora na comunidade informou para redação que as rajadas de tiros e mensagens com toques de recolher circulam em grupos da comunidade. “Eles deram um aviso que bala perdida só pega quem está na rua, sem respeitar a comunidade. Eles trocaram tiros aqui próximo da escola, tivemos que correr para colocar as crianças que estavam no pátio para dentro, todo mundo no alvoroço, pois foram muitos tiros e em seguida um helicóptero começou a sobrevoar a escola”, comenta.

Ainda segundo a trabalhadora, apesar do policiamento na frente da escola, é preocupante o deslocamento dentro do bairro. “Eu saí para ir trabalhar às 6h, no meio de um tiroteio, mas isso não foi noticiado. Nós não temos pra onde correr, não sabemos como ir e como voltar da escola, o toque de recolher é marcado para os comércios fecharem às 18h, as pessoas andam pelas ruas desesperadas para não ficarem nas ruas vazias”, informa.


A Secretaria Municipal de Segurança (SMSEG) reforçou o patrulhamento na região, por meio da Guarda Municipal, mas a sensação de insegurança permanece / Foto: SMSEG

Conforme informações da SMSEG, todas as escolas municipais contam com vigilantes 24 horas e monitoramento por câmeras integradas ao Centro Integrado de Coordenação de Serviços de Porto Alegre (CEIC-POA). A orientação, em casos emergenciais, como tiroteios próximos ou dentro do ambiente escolar, é que seja acionado o sistema de botão de emergência para intervenção instantânea das forças de segurança.

Política de prevenção à violência na escola

Para Aline Kerber, especialista em Prevenção da Violência na Escola, Presidente do Conselho Municipal de Educação (CME/POA), as comunidades escolares localizadas nas zonas de tensão precisam ter um plano de contingência que seja estudado com a participação da sociedade civil. “É muito importante a criação de uma política pública municipal nas escolas que traga dados, que constantemente vá registrando e identificando as situações de violência nas escolas”, afirma Aline.

Ainda, conforme a especialista, é necessária a criação de núcleos de prevenção de violências em cada escola da rede municipal, que deve ser formado pela comunidade escolar e pelo poder público. “A partir dessa gestão da informação deve-se construir indicadores que as comunidades como um todo, de cada território, tenham um espaço para debater."

Aline aponta que este não é um tema fácil, pois envolve muitas camadas da segurança pública. "Mas tem que ser profundamente transversal para qualificar a gestão das informações”, finaliza.


Edição: Marcelo Ferreira