Em 1985, com a vitória de Tancredo Neves no “Colégio Eleitoral” – criado para perpetuar a ditadura militar –, os militares tiveram que sair de cena, mas conservaram importantes parcelas de poder.
Com a morte de Tancredo Neves, quem assumiu a presidência da República foi José Sarney, ex-presidente da Arena, que – impulsionado pela Campanha das Diretas Já – havia aderido à luta pela redemocratização do país.
As eleições por ele convocadas em 1986 para a Assembleia Nacional Constituinte, apesar de ocorrerem após o fim do regime militar, ainda tiveram muitas limitações, na maior parte herdadas da legislação ditatorial, como o diferente peso do voto entre os pequenos e os grandes estados, o privilégio dos grandes partidos quanto aos tempos de rádio e TV, etc. A isso tudo, somou-se o peso avassalador do poder econômico e midiático das elites dominantes.
Isso refletiu-se na composição da Assembleia Constituinte que, segundo pesquisa da época, tinha 22,5% de parlamentares de esquerda, 32,5% de centro e 27,6% de direita.
Apesar dessa correlação de forças desfavorável, a Constituição de 1988 teve em geral um caráter progressista, o que teve muito a ver com as grandes mobilizações pelas Diretas Já e pela redemocratização do país. Nesse processo, foram decisivas a amplitude e a unidade entre o PCdoB, PT, PDT, PSB, PCB e a esquerda do PMDB, independente de diferenças em certas questões.
Os comunistas, que no processo eleitoral já haviam divulgado suas “Propostas do PCdoB à Constituinte”, distribuídas em 16 subitens, apresentaram 1.003 emendas através de seus cinco deputados constituintes (Haroldo Lima, Aldo Arantes, Edmilson Valentim, Eduardo Bomfim e Lídice da Mata), com a participação direta de João Amazonas. Destas, 204 foram aprovadas.
Por emendas próprias ou através da fusão de emendas, o PCdoB contribuiu para a aprovação de importantes dispositivos constitucionais. Como a definição da moradia como asilo inviolável do cidadão, o piso salarial, a jornada de seis horas nos turnos ininterruptos de trabalho, o direito de greve dos trabalhadores privados e públicos, a liberdade e a unicidade sindicais, a revisão da remuneração dos servidores civis e militares na mesma ocasião e com os mesmos índices, o direito ao voto a partir dos 16 anos, o direito de qualquer cidadão propor ações populares, normas para a Reforma Urbana, o conceito de empresa brasileira de capital nacional, etc.
É preciso destacar, também, as 122 emendas populares, subscritas por quase 12,3 milhões de brasileiros, nas quais os comunistas tiveram um importante protagonismo. Igualmente foram decisivas, no enfrentamento da articulação direitista do “Centrão”, as grandes mobilizações populares em torno das questões prioritárias e mais polêmicas.
Assim, apesar da correlação de forças extremamente desfavorável, foi possível, com realismo e muito diálogo, aprovar uma Constituição no essencial progressista – ainda que com lacunas e pontos negativos. Por isso, o PCdoB – reservando-se ao direito de críticas pontuais – votou a favor do projeto final e assinou a Constituição aprovada.
Salvo raras exceções, as emendas posteriores à “Constituição Cidadã” de 1988 só vieram a piorá-la, justificando a sua defesa, frente à ofensiva neoliberal e reacionária para desfigurá-la.
Ao comemorarmos os 35 anos da sua promulgação, concluo este texto transcrevendo trechos do discurso de Ulisses Guimarães no momento de sua promulgação:
“A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria! Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério! Temos ódio à ditadura! Ódio e nojo!”
Continuemos a nossa luta por um Brasil Soberano, Democrático e mais Justo, um dia Socialista!
* Ex-deputado estadual do RS e historiador
** Este é um texto de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Marcelo Ferreira