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A responsabilização dos generais pela tentativa golpista de 23 encerrará, finalmente, o ciclo de 64

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"As evidências já enredavam na trama os altos oficiais que ocupavam cargos de governo, de dimensão eminentemente política, como os generais do Exército Augusto Heleno, Braga Neto, Hamilton Mourão, Eduardo Villas Bôas, Eduardo Pazuello, Fernando Azevedo Silva e o almirante da Marinha Bento Albuquerque" - Geraldo Magela/Agência Senado
O fantasma da ditadura nunca deixou de assombrar o país

Dois oficiais generais das forças armadas brasileiras tiveram seus nomes envolvidos nas investigações da intentona golpista de 8 de janeiro de 2023. O primeiro deles é o almirante Almir Garnier, comandante da Marinha do Brasil no final do governo de Jair Bolsonaro.

Segundo a imprensa, o tenente-coronel Mauro Cid afirmou, em sua delação premiada feita à Polícia Federal que, logo após a derrota no segundo turno, Bolsonaro convocou uma reunião com os três comandantes das forças armadas para consultá-los sobre o apoio militar à uma tentativa de golpe contra o presidente eleito. Segundo o delator, Garnier manifestou sua disposição de apoiar militarmente a operação conspiratória

Em outra investigação, o general do Exército Ridauto Lúcio Fernandes prestou depoimento à Polícia Federal, no processo da Operação Lesa Pátria, após autorização judicial para cumprimento de mandatos de busca e apreensão em sua casa. O general está sendo investigado pela suspeita “de que teria sido um dos responsáveis por idealizar os protestos e até, supostamente ter auxiliado a orientar alguns manifestantes devido a sua expertise”.

Outras evidências legitimam várias especulações que mais oficiais generais tenham, objetivamente, apoiado a abrilada bolsonarista. Hoje se sabe que os comandantes regionais do Exército não somente silenciaram sobre os acampamentos de golpistas nos entornos de quartéis e bases militares como, efetivamente, os protegeram e sustentaram. Vários desses acampamentos receberam apoio material das forças armadas, através de “gatos de luz”, água, barracas, colchões e, até mesmo, segurança física e proteção contra a polícia.

O fato relevante nesta conjuntura é que começam a aparecer certas iniciativas de que demonstram disposição de levar adiante o devido processo legal e a investigação policial sobre oficiais generais que tiveram liderança sobre o amotinamento golpista. As evidências já enredavam na trama os altos oficiais que ocupavam cargos de governo, de dimensão eminentemente política, como os generais do Exército Augusto Heleno, Braga Neto, Hamilton Mourão, Eduardo Villas Bôas, Eduardo Pazuello, Fernando Azevedo Silva e o almirante da Marinha Bento Albuquerque.

As primeiras revelações de que oficiais generais na ativa se envolveram na conspiração já são públicas, como os casos de Garnier e Fernandes. Vão além, as investigações apontam uma possível participação de tropas do efetivo profissional das forças especiais – baseadas em Goiânia – que estariam sob liderança de Ridauto Fernandes, executando operações de sabotagem e desordem, dando curso às invasões aos prédios da República.

Esta pode vir a ser uma muito importante distinção histórica em relação a não responsabilização de militares, em especial os comandantes, em relação ao golpe de 1964 e todas suas consequências e crimes contra os direitos humanos e a democracia derrotada. A transição pelo alto que deu por encerrado o período autoritário de 64 foi incapaz de efetivamente encerrar este ciclo. Os protagonistas e a política que deram base para o golpe e a ditadura que se seguiu, restaram intactos e protegidos pelo modelo de transição efetivado. Seus crimes foram escondidos e suas responsabilidades apagadas a não ser pelos esforços dos movimentos por direitos humanos e pelos pesquisadores.

Essa transição pelo alto, certamente, contribuiu de maneira decisiva para que se criasse na cultura política da sociedade brasileira espaço de difusão e aceitação à ideias autoritárias, reacionárias e neofascistas. O fantasma da ditadura nunca deixou de assombrar o país.

Os processos judiciais que tratam da intentona de 8 de janeiro de 2023 poderão legar ao país o que a forma de transição da ditadura para a democracia negou. A responsabilização dos líderes do golpe contra as constituições, contra a democracia e a decisão popular. Com isso, estabelecer uma negação objetiva do autoritarismo e da impunidade dos que agridem a Constituição e a democracia.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko