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EDUCAÇÃO NO RS

Municipalização do ensino: ‘Fomos orientadas a desapegar da escola, foi horrível’, diz diretora

Comunidade escolar do Belém Velho tenta entender processo enquanto busca reverter decisão tomada pelo governo Leite

Sul 21 |
Em "reunião surpresa" com a Seduc, diretoras foram informadas da decisão de municipalização - Foto: Joana Berwanger/Sul21

A municipalização deve ser a marca da gestão de Raquel Teixeira à frente da Secretaria Estadual de Educação (Seduc). A titular da pasta realizou uma reunião, em agosto, com a direção de oito escolas da rede estadual para comunicar que elas seriam as primeiras a passar pelo processo. A decisão foi uma surpresa para as comunidades escolares, que esperavam boas notícias do encontro com a secretária.

“A gente ficou num estado quase vegetativo. Quando veio o convite para uma reunião com a secretária, no gabinete, a primeira coisa que a gente imaginou era que iam colocar a turma em turno integral, mas, quando explicaram o que ia acontecer, houve um silêncio ensurdecedor naquela sala, se não fosse por uma das diretoras que chorava copiosamente”, lembra Laura Vey, diretora da Escola Estadual de Ensino Fundamental (EEEF) Anita Garibaldi.

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Desde a reunião, a comunidade escolar da instituição localizada no bairro Belém Velho, na zona sul de Porto Alegre, que atende 213 alunos, vem se apropriando do significado da municipalização. O processo consiste na migração da responsabilidade das escolas para as redes municipais. O Estado implanta o modelo gradualmente, priorizando, no momento, os anos iniciais de ensino.


Escola atende 213 alunos dos anos iniciais do ensino fundamental / Foto: Joana Berwanger/Sul21

Ainda no encontro com a Seduc, a vice-diretora Estela Pizarro relata que foram orientadas a “desapegar” da escola. “Foi a coisa mais horrível que eu poderia ter ouvido naquela reunião. A gente saiu meio chocada e a Laura trouxe que é como ter um filho, não tem como desapegar. Estar à frente da escola ou estar dentro da sala de aula, se tu não tem apego, se tu não tem amor, tu não tem crescimento”, diz.

“No momento que nós temos 213 alunos, nós temos 213 famílias que dependem do nosso trabalho, da nossa dedicação, como é que tu desapega disso? Como é que tu desapega desses vínculos, de toda uma estrutura pedagógica que é formada? Nós temos um grupo pequeno de professores que via de regra acabam falando uma mesma linguagem. Cada uma com suas características, mas é todo mundo na mesma corrente, como é que tu desapega disso? Não existe essa possibilidade”, completa.

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De acordo com o governo, a movimentação para a municipalização é uma tentativa de adequar o Estado à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), dividindo as competências do ensino fundamental entre as esferas. De fato, o 211º artigo da Constituição Federal define as competências quanto à educação da União, dos estados e municípios. Sendo que os últimos devem atuar prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil e os estados no ensino fundamental e médio, com o fundamental em regime de “colaboração”.

Em nota, a Seduc ressaltou que o processo de transição deve ocorrer em até dois anos. “No primeiro ano de municipalização, o Estado pagará a remuneração mensal dos professores efetivos, entretanto, a partir do segundo ano, a remuneração será de responsabilidade do município, com quadro próprio”, explica a nota. Além disso, no segundo ano, os recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), oriundos do governo federal, devem ser redirecionados para o município.

Para a direção da escola Anita Garibaldi, a decisão pela municipalização foi “unilateral”. “Nós fizemos as reuniões e a maioria se colocou a favor da mantença da escola dentro do Estado. Se eles ouvirem a comunidade, que é o que diz o CEEd, eles não podem fazer nada”, afirma a diretora. “Não foi uma surpresa a comunidade, na sua maioria, optar pela mantença do Estado. A gente tem opiniões variadas e respeitamos isso, e por isso a cautela em fazer a coisa da maneira correta”, completa.


A diretora da escola Anita Garibaldi, Laura Vey, afirma que decisão foi unilateral / Foto: Joana Berwanger/Sul21

Barreiras para a municipalização

O parecer nº 867/2007 do Conselho Estadual de Educação (CEEd) define que o processo de transferência da mantença das escolas só pode acontecer se houver um acordo entre a comunidade escolar, o Estado e o Município. É necessária, inclusive, a apresentação da Ata de reunião do Conselho Escolar em que conste a manifestação da comunidade.7

A diretora explica que assim que chegaram ao consenso, buscaram orientações da deputada Sofia Cavedon (PT), presidente da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa do estado. A parlamentar orientou a elaboração de um documento contendo a história da instituição, sua identidade e importância, em conjunto a um abaixo-assinado construído pela comunidade.

Além dos documentos, a deputada reforça a necessidade de que integrantes das escolas ameaçadas e do Cpers-Sindicato estejam presentes na Conferência Municipal de Educação de Porto Alegre, que acontece em outubro, para dialogar com as direções das escolas municipais e investir num modelo colaborativo entre as redes, sem ceder parte do ensino para uma ou outra.

“Às vezes, a mudança de mantença chega ao Conselho de Educação um ano depois, por isso orientei a elaboração do documento. Tem que reforçar se a sociedade concorda ou não. Os governantes têm a mania de achar que eles estão acima da sociedade, que eles entendem mais do que o conjunto”, diz Cavedon.


Escola atende a comunidade do bairro Belém Velho, na zona sul da Capital / Foto: Joana Berwanger/Sul21

Outro obstáculo para a concretização do projeto é o artigo 216 da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul, que define que “todo estabelecimento escolar a ser criado na zona urbana deverá ministrar ensino fundamental completo”. Isso significa que não poderiam existir escolas que ofertam somente as etapas iniciais ou finais.

A presidente do CEEd, Fátima Ehlert, afirma que o Estado deve rever esse artigo para adequar o projeto. “O que está acontecendo hoje é um termo de colaboração em que o Estado pode utilizar parte da escola. Esses termos de parcerias e colaborações são regulamentados mas não são propriamente a municipalização”, afirma.

Falta de transparência

A vice-diretora lembra que, na reunião, a Seduc informou que uma visita da Secretaria Municipal de Educação (Smed) de Porto Alegre à escola seria agendada, mas não foi o que aconteceu. “Um belo dia tinha algumas pessoas às 10h da manhã no pátio e era o pessoal da Smed, que estava com dois representantes da Seduc, tirando fotos de pátio. A gente não foi comunicado. Eles entraram, fizeram uma vistoria em toda a escola, fizeram críticas e quando foram embora um engenheiro perguntou se eu tinha alguma pergunta, eu disse ‘várias’. Ele me cortou rapidamente: ‘estou falando em relação à estrutura porque eu sou engenheiro’”, relata.

A direção pontua que não é uma discussão sobre ser a favor ou contra o projeto, mas sim de diálogo com as comunidades. “Nós não temos muitas novidades da Secretaria porque as coisas estão muito silenciosas, a gente tem a mídia, que que coloca as questões que vão aparecendo, os eventos com o Cpers. O que a gente quer nesse momento é que a Seduc possa ouvir a comunidade”, explica a diretora.

“Nós somos apenas representantes dessa comunidade, então, se for de vontade da comunidade que a escola seja municipalizada, nós vamos ser as primeiras a assinar embaixo. Desta forma como as coisas vêm acontecendo, não é justo, não é correto, não é o que consta em parecer. A gente só quer que se faça valer o que está em parecer.”


Comunidade escolar e Cpers temem a ruptura nos processos pedagógicos / Foto: Joana Berwanger/Sul21

O Cpers-Sindicato argumenta que, antes da municipalização, a administração pública deve investir na infraestrutura de escolas, na valorização dos professores e funcionários, assim como aposentados, além de respeitar a gestão democrática das instituições de ensino. “A municipalização representa muito mais do que uma troca de gestão, ela acarreta a descontinuidade do processo pedagógico, rompe vínculos e desestimula estudantes, contribuindo para a evasão escolar”, afirma a entidade.

Em nota, Smed afirmou que nada será imposto e tudo será articulado com as comunidades. “O regime de colaboração de escolas entre o Estado e o Município ainda está em fase de análise técnica e econômica. Foram oferecidas algumas escolas estaduais para a Smed poder ampliar o atendimento de Educação Infantil. Se as tratativas evoluírem, serão necessários investimentos em adequações nos prédios, além da organização de quadros de recursos humanos para atendimento das novas turmas. Teremos até a segunda quinzena de outubro para avaliar a viabilidade. Cabe ressaltar que qualquer movimentação será articulada com muito diálogo com as comunidades escolares e todo processo será construído por adesão dos diretores”, diz a nota.

Edição: Sul 21