Rio Grande do Sul

Coluna

O amor é revolucionário

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O trabalho das cozinhas solidárias do MST em apoio ao enfrentamento da maior tragédia climática já ocorrida no RS é um belo exemplo de solidariedade - Foto: Victor A. Frainer
Precisaremos retomar a noção de solidariedade e recuperar a força e a dignidade que dali emergem

A crise climática global está instalada, e embora o nível de vida e as práticas de consumo/desperdício estabelecidas em favor dos mais ricos respondam pela totalidade dos problemas, os mais pobres, que são e sempre serão os mais afetados, estão sendo chamados a ajudar a encontrar caminhos e soluções.

Esperamos isso se traduza em políticas públicas coerentes com os reclamos da sociedade e que esta, uma vez convocada, compareça e contribua para a realização de reformulação no modelo de vida que nos ameaça a todos.

Afinal, bem sabemos que as possibilidades de cooptação são grandes e que qualquer expectativa em relação a atitudes revolucionárias, por parte dos ricos e do sistema que assegura a manutenção de seus privilégios, tende a esfarelar como enganosa e insuficiente, ilusória e equivocada.

Mas, como lembra Pedro Munhoz, o amor é fonte de energia. É nossa maior riqueza. E exige a superação de desigualdades e injustiças que estão na raiz de todos os problemas. A assimetria de acesso a tudo, entre homens e mulheres, brancos e pretos, povos do sul e do norte, salta aos olhos e se reflete tanto nas esquinas das menores vilas como nas agências internacionais. Lula está certo ao afirmar que precisamos mudar nossos comportamentos e projetos de vida, assim como precisamos de mudanças radicais na própria ONU. Sem isso, as implicações de tudo aquilo que atribuímos ao aquecimento global tenderá a se agravar de forma dramática trazendo novas pandemias, guerras, ecocidios e genocídios na toada de movimentos fascistas.

A alternativa exige mudanças em todos os lugares. Entre nós, mais do que desmascarar e punir militares golpistas, religiosos oportunistas e cientistas de cativeiro, precisaremos de ativismo consciente, na linha do fazer para crer, demonstrando com ações, que somos o que queremos ser.

Não há como ignorar que a ganância irresponsável de alguns vem acelerando desequilíbrios ecossistêmicos globais, com patamares crescentes de uma neocolonização predatória que só se mantém em função de nossa passividade. Com isso já vemos a tragédia das enchentes em paralelo ao desaparecimento de aguadas, rios e riachos. Agrava-se a redução na disponibilidade de alimentos, com repercussões sobre a carestia e a desnutrição, as migrações, a xenofobia e a violência. Como controlar esta espécie de câncer em metástese? Agindo! Fazendo acontecer mais uma daquelas longas jornadas que iniciam no primeiro passo.

Em palavras simples: podar os excessos, onde eles existem. Responsabilizar e punir os que semeiam cizânias. E, principalmente, premiar, estimular aqueles e aquelas que se dispõem a contribuir para a construção do novo. Dentre o vasto universo de medidas iniciais, necessárias, é possível elencar alguns exemplos simplórios. Com certeza serão insuficientes, mas ajudarão a ilustrar o fundamental: precisamos de um novo objetivo, um novo projeto de vida em coletividade. Algo tão diferente do que aí está, que permita abranger mais do que os direitos e necessidades humanas.

Precisamos de uma aliança em defesa da vida.

Para ilustrar: veículos particulares, viagens de avião, sistemas de ar-condicionado permanente, passeios de lancha/helicóptero e coisas deste tipo terão que ser negados aos que deles fazem uso por luxo ou prazer. Mas também toda forma de usura e concentração precisará ser eliminada dos espaços agrários, rurais e urbanos. O uso de energias fósseis e o consumo de carnes obtidas à custa de pecuárias dependentes de rações produzidas em monocultivos gigantescos de soja transgênica, viciados em agrotóxicos, ou a expansão de pastagens sobre áreas florestadas, ou os confinamentos intensivos de animais submetidos ao inferno em vida... estas e outras sandices deverão ser eliminadas. Serão necessários sacrifícios, sim. E este é o preço da consciência.

Para fechar este texto olhando apenas uma dimensão, aquela relacionada ao combate da fome, precisaremos de maturidade que sustente políticas e programas de reforma agrária, estimulados sob orientação dos princípios da agroecologia, visando redesenho de agroecossistemas interligados por corredores e santuários ecológicos.

Para isso, as instituições de crédito, ensino pesquisa e extensão rural deverão ser reorientadas e capacitadas a estabelecer conexões entre uma ciência digna, do tipo formal, e sabedorias populares, e formas de trabalho/conhecimentos ancestrais acumulados entre as populações historicamente adaptadas a cada ambiente. O protagonismo comunitário deverá ser estimulado em escalas territoriais desenhadas pelos divisores de água, assegurando (em todos os níveis) maior relevância a elementos de natureza ecosocial do que a conveniências e clientelismos políticos.

Enfim, precisaremos retomar a noção de solidariedade e recuperar a força e a dignidade que dali emergem, quando o respeito ao outro e a proteção coletiva aos bens comuns se consolida como forma de vida. Exemplos não nos faltam.

Veja o relato de Cedenir de Oliveira, no Programa Arte, Ciência e Ética num Brasil de Fato, sobre o trabalho das cozinhas solidárias do MST em apoio ao enfrentamento da maior tragédia climática já ocorrida no RS.

Também escute com atenção o poema musicado de Pedro Munhoz.

 

Por fim, o Marco Temporal é ecocida, genocida e inconstitucional. Esperamos que Lula vete este absurdo que nos envergonha, ofende a humanidade e ameaça a vida. Participe, assine e ajude a divulgar esta campanha: http://www.marcotemporalnao.org.br

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko