Marcha das Mulheres Indígenas retomou mensagem de que luta pela mãe terra é a mãe de todas as lutas
De 11 a 13 setembro, por volta de 6 mil mulheres indígenas marcharam em Brasília pelo fim da violência contra elas e pela demarcação de seus territórios. Na 3ª edição da Marcha das Mulheres Indígenas, denominada “Mulheres biomas em defesa da biodiversidade e pelas raízes ancestrais”, elas marcaram presença com seus cocares, maracás, diversidades, cores, formas de ser, exigindo a justiça e igualdade.
Foram três dias intensos de atividades que mostraram como as mulheres indígenas vêm sendo silenciadas e marginalizadas ao longo da história. A violência contra as áreas de retomada, a falta de atenção à saúde e o avanço do garimpo ilegal foram temas levantados no Tribunal da Ancestralidade.
Em resposta ao diagnóstico, a deputada Célia Xakriabá apresentou o Projeto de Lei (PL) nº 4381/2023, que prevê procedimentos a serem adotados pelas delegacias e policiais no atendimento às mulheres indígenas vítimas de violência. O Ministério das Mulheres também se comprometeu com a acolhida na Casa da Mulher Brasileira nos estados com maiores índices de violência contra as mulheres indígenas, como na cidade de Dourados, no Mato Grosso do Sul. E, ainda, a criação das Casas das Mulheres Indígenas por cada bioma.
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Como aponta a ministra Sônia Guajajara, do Ministério dos Povos Indígenas, a violência contra as mulheres indígenas envolve a destruição ambiental. Em audiência no Congresso Nacional, na abertura das atividades da marcha, declarou: “Estamos num estado de emergência, e não tem mais como negar essa emergência climática. Não há mais espaço para negacionismo. E nós, povos indígenas, nós, mulheres indígenas, embora sejamos as maiores guardiãs da mãe terra, somos as primeiras e as mais impactadas. Nós somos as primeiras afetadas pelas mudanças climáticas”.
Por isso, na marcha, as mulheres indígenas foram tão enfáticas na necessidade de proteção dos biomas, destacando os problemas do avanço da fronteira agrícola sobre o Cerrado e o garimpo ilegal. Nesse sentido, o encontro retomou a mensagem política “a luta pela mãe terra é a mãe de todas as lutas”.
A participação das mulheres indígenas na política também foi um tema ressaltado no encontro. Na atividade da Bancada do Cocar, as mulheres discutiram sobre a construção de mais candidaturas indígenas, que pudessem construir políticas públicas que refletiam as necessidades das comunidades.
Nas últimas eleições, 17 candidaturas indígenas, e a eleição de Sônia Guajajara e de Célia Xakriabá, animaram os debates. Nos últimos anos, lideranças de mulheres indígenas reivindicam a mensagem política “nunca mais um Brasil sem nós”, demarcando sua luta por acesso ao poder e participação.
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A demarcação das terras e a superação do marco temporal
O acesso e permanência das mulheres indígenas em seus territórios originários é o que confere proteção à vida e ao meio ambiente, que assegura suas formas de ser, saber e viver. Assim, a demarcação das Terras Indígenas, tal como promessa constitucional de 1988, precisa ser assegurada. De acordo com dados da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), existem 736 terras indígenas nos registros, sendo que apenas 477 foram regularizadas, havendo ainda 490 reivindicações dos povos indígenas em análise pelo órgão.
Um dos empecilhos criados pelo agronegócio para impedir a demarcação das Terras Indígenas foi a tese do marco temporal. A tese defende que os indígenas têm direito de ocupar as terras onde estiveram em 5 de outubro de 1988 (marco temporal), data da promulgação.
Tal tese foi suscitada no caso do Povo Xokleng, no qual decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4ª) considerou pedido para retirada dos indígenas da terra, alegando não ocuparem na data da promulgação da Constituição. O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que o julgamento do caso produziria o efeito de repercussão geral, e dessa forma, impactaria em muitos outros territórios que estão em conflito.
Na 5ª feira, 21 de setembro, o plenário do STF decidiu, por 9 x 2, pela improcedência da tese do marco temporal, representando uma vitória dos povos indígenas. Sabemos que os povos indígenas não saíram de seus territórios por vontade própria, mas vêm sendo alvo de uma violência expropriatória há mais de 523 anos.
O ministro Edson Fachin defendeu em seu voto que o direito dos povos indígenas ao seu território é um direito fundamental assegurado na Constituição, não cabendo a aplicação da tese. Outros oito ministros seguiram o voto de Fachin, o relator. Apenas André Mendonça e Nunes Marques, ministros indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), votaram a favor do marco temporal, alegando a insegurança jurídica aos produtores rurais.
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Em meio à vitória obtida com a derrota do marco temporal, resta saber sobre a modulação das indenizações aos produtores rurais. A maioria dos ministros defende a possibilidade de indenizações de boa-fé. Resta saber a conclusão dos votos. Um bom momento para recordar a memória e pensar em uma justiça para com os povos indígenas por anos de exploração, dominação e genocídio.
A força da ancestralidade das mulheres indígenas e a presença de diversas lideranças indígenas durante o julgamento no STF colocaram fim a esse processo que se iniciou em agosto de 2021. O marco temporal está definitivamente enterrado na Justiça. Ainda faltará sua derrota no Congresso, onde a bancada ruralista certamente moverá suas forças de discórdia racista.
* Amigas da Terra (ATBr) é uma organização que atua na construção da luta por justiça ambiental. Quinzenalmente às segundas-feiras, a entidade publica, no Brasil de Fato, artigos sobre justiça econômica e climática, soberania alimentar, biodiversidade, solidariedade internacionalista e contra as opressões.
** Este é um texto de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko e Rodrigo Chagas