A reforma da tributação da renda deve colocar os ricos no IR para reduzir as desigualdades sociais
O Poder Executivo deverá encaminhar ao Congresso Nacional projeto de Lei para reformar a tributação da renda, em até 180 dias da promulgação da PEC 45/2019, em tramitação no Senado.
Dizer que é preciso voltar a tributar lucros e dividendos, acabar com os juros sobre o capital próprio e que as rendas do capital devem ser tributadas, no mínimo, no mesmo nível das rendas do trabalho já é lugar-comum nos debates sobre a reforma tributária. Para além disso, é importante perceber que o deslocamento do peso da tributação para os mais pobres, não ocorre apenas na tributação do consumo, mas também no Imposto de Renda e é reflexo direto do alívio fiscal concedido aos mais ricos. Neste debate, portanto, há credores, que pagam mais do que poderiam, e devedores, que pagam menos do que deveriam.
Entre 2007 e 2020, os contribuintes com rendimentos de até 3 salários-mínimos mensais tiveram mais de 520% de aumento na sua alíquota efetiva de Imposto de Renda. Para quem estava na faixa entre 3 e 5 salários-mínimos, esse aumento foi ainda maior, ultrapassando a 1500%. Isso é o que demonstram os números das Declarações de Imposto de Renda disponíveis em “Publicações”, no site da Receita Federal. Para as altas rendas, ocorreu o contrário. Quem ganhava mais de 320 salários-mínimos foi tributado, em 2020, com uma alíquota efetiva quase 20% menor do que em 2007, e quem tinha renda entre 80 e 320 salários-mínimos teve alíquota efetiva, 2020, cerca de 40% menor que em 2007.
Em valores atualizados pelo IPCA, são R$ 32,8 bilhões a mais de imposto, pago entre 2007 e 2020 por quem ganhava até 5 salários-mínimos mensais, ou seja R$ 5.225,00 (O valor do salário-mínimo em 2020 era de R$ 1.045,00), enquanto os contribuintes com rendimentos superiores a 320 salários-mínimos, que correspondia a R$ 334.400,00 por mês, tiveram redução de aproximadamente R$ 26,1 bilhões, neste período.
Quando comparamos os contribuintes com rendas mensais de até 7 salários-mínimos com aqueles com rendimentos superiores a 80 salários-mínimos por mês, percebemos que os primeiros pagaram R$ 125 bilhões a mais de imposto contra R$ 117 bilhões a menos pagos pelos segundos.
Essas diferenças foram calculadas apenas em relação à variação das alíquotas efetivas, sem considerar a variação na quantidade total de contribuintes. A Figura 1 mostra como a distância entre as alíquotas efetivas destas duas faixas de renda diminui de forma muito expressiva no período analisado.
Figura 1 – Evolução das alíquotas efetivas do IRPF, entre 2007 e 2020, para rendas de até 7 salários-mínimos e de mais de 80 salários-mínimos.
Se essas alíquotas efetivas tivessem se mantido nos níveis de 2007, os contribuintes de menores rendas teriam economizado aproximadamente o mesmo valor que os contribuintes mais ricos deixaram de pagar durante esse período.
Os dados das declarações deixam evidente que os contribuintes de rendas menores passaram a pagar cada vez mais imposto proporcionalmente a sua renda para compensar as perdas de arrecadação que decorreram da desoneração dos mais ricos. O que explica esse movimento ascendente das alíquotas efetivas das baixas rendas foi o congelamento da tabela, que fez com que uma mesma renda, de um ano para o outro, passasse a ser submetida a uma alíquota efetiva cada vez maior. Em relação às altas rendas, a redução da alíquota efetiva se deu basicamente por efeito da isenção dos lucros e dividendos distribuídos, que representam mais de 60% do rendimento total dos contribuintes nas faixas de renda superior a 80 salários-mínimos mensais. Entre 2007 e 2020, a parcela tributável da renda total deste grupo de contribuintes reduziu 35%, ou seja, sua parcela de renda isenta cresceu na mesma proporção.
A Figura 2 mostra o comportamento regressivo das alíquotas efetivas a partir das rendas mais elevadas, em três momentos distintos durante o período de 2007 e 2020.
Figura 2 – Alíquotas Efetivas entre 2007 e 2020, nos anos de 2007, 2014 e 2020
Percebe-se que o crescimento das alíquotas efetivas das rendas mais baixas e a sua redução para rendas maiores. Além disso, fica claro também que a alíquota média mais elevada diminuiu no período e se deslocou para rendas mais baixas. Em 2007, era de 12,38% e incidia na faixa entre 40 e 60 salários-mínimos. Já em 2020, passou para 10,58%, incidindo na faixa entre 20 e 30 salários-mínimos. Tomando 2007 como referência e considerando que as rendas mensais superiores a 60 salários-mínimos tivessem sido submetidas à alíquota efetiva máxima de 12,38%, esses contribuintes, que eram 318 mil, em 2007, e 290 mil, em 2020, deveriam ter pago cerca de R$ 357 bilhões a mais de Imposto de Renda do que efetivamente pagaram.
A reforma da tributação da renda precisa inverter esse processo contínuo de transferência do peso para os mais pobres, aliviando os ricos, e iniciar um movimento no sentido oposto, tributando mais as altas rendas e desonerando os mais pobres. Para que isso ocorra, é fundamental que os setores de baixas rendas, que vêm sendo tributados a alíquotas efetivas cada vez maiores, participem efetivamente dos debates e se mobilizem para que a reforma da tributação da renda seja de fato para colocar os ricos no Imposto de Renda e para reduzir as desigualdades sociais.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko