“Há sete anos que moro aqui, convivendo com problemas de água, luz, barro para cá, barro para lá, enchente. Mas não dá para desistir. Agora com o projeto Minha Casa Minha Vida vai ser um sonho para todos que moram aqui. Imagina sofrer sete anos abaixo da água, luz fraca... é um sonho de ter uma casa própria com luz, água boa, encanamento”, afirma Carlos Dirani de Paula, morador da Ocupação Steigleder em São Leopoldo (RS), que foi recentemente escolhida para tocar projeto do Minha Casa, Minha Vida.
:: São Leopoldo sedia 1º Congresso do Movimento Nacional de Luta pela Moradia ::
Situada no Bairro Santos Dumont, a ocupação está localizada junto ao dique, que fica à margem esquerda do Rio dos Sinos. O dique foi construído em 1974 como parte do projeto de contenção das cheias do Rio dos Sinos. A ocupação tem em média 15 hectares de terras constituídas por: área de Preservação Permanente, área do Serviço Municipal de Água e Esgotos (Semae) e área privada de propriedade Steigleder. Ali moram em média 200 famílias, que vivem basicamente de reciclagem e programas de transferência de renda. As ruas da ocupação são todas de chão batido e marcadas pela ausência de saneamento.
Em abril de 2022, a prefeitura de São Leopoldo assinou o decreto de desapropriação por interesse social da área. A comunidade conta com o apoio do Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM). De acordo com o dirigente nacional do movimento Cristiano Schumacher, a historia da Ocupação Steigleder passou por diversos momentos.
Ele cita, como exemplo, a luta permanente contra o despejo, inclusive participando de todas as ações da Campanha Despejo Zero. “Posteriormente com o fim da vigência da suspensão dos despejos, retomaram a mobilização pela terra e garantiram a desapropriação da terra pelo município. Ao longo desta caminhada a comunidade e a coordenação do MNLM em São Leopoldo foram estimulando e a organização das cooperativas e associações. Assim reorganizaram e assumiram a direção da cooperativa e se prepararam para participar da seleção do Conselho Municipal de Habitação (CMH). Isso é a demonstração da capacidade da organização popular em lutar para a construção de politicas publicas que garantam direitos”, afirma Cristiano.
O dirigente informa que serão construídas 80 moradias, além de um conjunto de obras no entorno de responsabilidade do município dentro de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para a toda a região.
Criada há 10 anos, a Cooperativa Nova Geração irá tocar o projeto. Presidente da entidade e líder municipal do MNLM, Aldair Jose da Silva afirma que a conquista de tocar o projeto foi da nova geração da ocupação, assim como da luta por moradia. “É um reflexo da luta que é muito árdua, desgastante, sofrida. Mas quando a gente tem essas pequenas vitórias, são símbolos que nos mantém acesos para continuar a caminhada”, diz.
"Não só aqui, mas que aconteça em todo lugar”
Aldair conta que a ocupação conseguiu driblar situações que vinham desafiando, como problemas com água, luz, e tantos outros. "Conseguimos passo a passo ir vencendo elas e através de uma luta coletiva junto com o movimento trazer a pauta da moradia para dentro da ocupação."
Segundo ele, agora será uma nova fase da ocupação. "Estamos todos felizes pela conquista de ter ganhado esse projeto para fazer na ocupação o Minha Casa Minha Vida. Tivemos tantas histórias tristes na ocupação e essa é uma história feliz, uma história alegre, uma história de conquista tão sonhada pelos moradores, tão sonhada pelo movimento. Hoje a gente não mede esforços para que isso venha a ter um bom desempenho, não mede esforço para que não aconteça só aqui, mas aconteça em todo lugar”, ressalta.
Para Cristiano, a escolha da cooperativa representa o reconhecimento pelo poder Executivo da capacidade de organização das comunidades e do cooperativismo habitacional.
“Essa é uma das áreas que conquistamos o objetivo, mas ainda temos mais duas áreas dentro da ocupação. Uma fica em um certo espaço que do Semae de São Leopoldo e outra área que é Área de Preservação Permanente. Estamos em negociação com o governo municipal e Ministério Público para uma solução para o resto desses moradores, recolando em outra área e também com um projeto de moradias para eles”, complementa Aldair.
Vulnerabilidade territorial
Integrante do MNLM e uma das lideranças e moradora do local, Jaqueline dos Santos Rodrigues comenta que 80 famílias foram contempladas através de uma articulação entre o movimento junto com a Secretaria Municipal de Habitação (Semhab). Ela explica que foi feito um levantamento de todas as famílias que moram naquela área, assim como uma topografia, e posteriormente um cadastro com todos os moradores.
Ao falar sobre a situação das famílias, Jaqueline as descreve como verdadeiramente pobres, com bastante dificuldade. “Todas trabalham com reciclagem. Geralmente, em todas elas, existem uma, duas, três crianças. São famílias que vieram de outros lugares. Outras vieram de casas de parentes”, expõe.
Acadêmica de Serviço Social pela Unisinos e militante da Rede Solidária de São Leopoldo, Karen Peres Carcamo, que atuará ao lado da comunidade no projeto, conheceu a ocupação em 2021. “Jamais poderia imaginar que há menos de um quilometro do centro o Município de São Leopoldo teria uma comunidade vivendo em território sem as mínimas condições de dignidade, com alimentação insuficiente, sem saneamento básico, com acesso a água e energia precarizados, não podendo utilizar de espaços apropriados para as crianças e adolescentes garantirem seu desenvolvimento pela cultura, esporte e lazer. Durante meu período de aprendizagem prática do curso de serviço social, iniciei o trabalho conhecendo as diversas vulnerabilidades e famílias inteiras (sobre)vivendo abaixo da linha da pobreza”, recorda.
Karen comenta que em 2019, com a Missão pela Moradia Digna em São Leopoldo, a Prefeitura de São Leopoldo informou ter conhecimento de que no município teriam em média 10 mil famílias sem moradia e/ou com moradias precarizadas.
“Essa articulação foi feita a partir da ameaça de despejo das mais 2.500 famílias moradoras da Ocupação Justo de São Leopoldo, onde ocuparam área privada sem viabilização da sua função social. Essas famílias viviam em áreas irregulares, sem água e energia elétrica, sem saneamento básico, apenas com estruturas mínimas de moradia”, conta.
A Rede Solidária, explica Karen, surgiu em 2020, pensada entre líderes comunitários, pessoas e organizações sociais interessadas em localizar e implementar respostas a tais questões. Neste contexto, uma das comunidades com atuação da Rede Solidária São Léo foi a Ocupação Steigleder.
Retorno da Minha Casa Minha Vida
De acordo com a secretária municipal de Habitação, Karina Camillo Rodrigues, o retorno do Programa Minha Casa Minha Vida Entidades tornou possível que a Secretaria pudesse amparar as famílias residentes em ocupações precárias, com necessidade de produção de unidades habitacionais urbanas.
“A escolha da Cooperativa Nova Geração como entidade organizadora, responsável por apresentar proposta de projeto habitacional pra a Caixa Econômica Federal, deu-se, sobretudo, por esta entidade ser formada por moradores da própria comunidade Steigleder”, afirma.
Conforme explica a secretária, o Programa MCMV - Entidades estimula a organização popular, colocando a população residente no local como protagonista na solução dos problemas habitacionais. A oficialização da Cooperativa Nova Geração foi realizada no dia primeiro de setembro, em reunião do Conselho Municipal de Habitação de São Leopoldo. Neste evento compareceram seis entidades sem fins lucrativos, convidadas por publicação no Diário Oficial do município, que retiraram a sua candidatura por entenderem que a comunidade escolhida já se encontrava melhor organizada.
Karina destaca que há possibilidades de outras ocupações serem contempladas pelo Programa Minha Casa Minha Vida Entidades. A Secretaria Municipal de Habitação realiza, internamente, estudos das ocupações urbanas, identificando as áreas com possibilidade de se enquadrarem no Programa, se preparando para o lançamento dos próximos editais.
A expectativa é que a construção das casas comece no início de 2024.
Déficit Habitacional
A fim de apresentar um diagnóstico mais preciso do déficit habitacional de São Leopoldo, será realizado o cadastramento das famílias interessadas nos Programas Habitacionais e a atualização do Plano Local de Habitação de Interesse Social (PHLIS). O cadastro possibilitará que o município obtenha informações mais precisas sobre a quantidade de possíveis beneficiários dos programas de moradia e de regularização fundiária. O PLHIS, por sua vez, equacionará as necessidades habitacionais do município de São Leopoldo, apontando um conjunto de diretrizes, ações, metas que auxiliem o planejamento e a gestão habitacional.
Edição: Marcelo Ferreira