Rio Grande do Sul

Coluna

Um novo modelo de urbanização para prevenir desastres ‘naturais’

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Inundação no centro de Lajeado/RS. Rio Taquari e Estrela/RS ao fundo da foto - Fonte: Maurício Tonetto/Secom-RS
Precisamos de um novo modelo de urbanização que vise mais o bem-estar e menos o lucro ou a renda

Nos últimos meses o estado do Rio Grande do Sul vem sendo atingido por uma série de eventos naturais extremos, os quais estão impactando as áreas urbanas, afetando diretamente populações, especialmente os mais pobres, causando graves prejuízos econômicos e sociais e, o mais importante, impactando vidas.

O Rio Grande do Sul, localizado na zona subtropical, situa-se em uma área de encontro de massas de ar (Polar e Atlântica) e, portanto, de grande instabilidade atmosférica. As mudanças ambientais globais têm aumentado os eventos extremos, especialmente em áreas de transição de massas de ar, como é o nosso caso. Nesse contexto, estamos significativamente mais suscetíveis aos eventos de inundação, enxurrada e escorregamento, entre outros, tornando-se urgente um planejamento ambiental integrado frente a intensificação dos desastres socioambientais.

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Apesar da causa destes eventos estarem relacionadas com o processo mais amplo de mudanças climáticas, seus impactos estão diretamente relacionados com um modelo de urbanização que pouco respeitou o ambiente natural, interferindo e modificando fortemente os sítios naturais onde se implantaram as cidades, bem como um modelo de ocupação e aproveitamento das zonas rurais, ainda que em pequenas propriedades, que também tem impactado no ambiente, com a eliminação da mata nativa para expansão de atividades intensivas ligadas ao modelo agroexportador (suinocultura e avicultura).

Os municípios mais atingidos pelas chuvas recentes se situam no Vale do Rio Taquari, inserido na bacia hidrográfica do Taquari-Antas. As nascentes dos principais afluentes encontram-se no Planalto Meridional (altitude média de 600m) e descem por vales com declividades acentuadas até as áreas mais baixas das planícies fluviais do rio Taquari (altitude média 50m). Os municípios de Muçum e Roca Sales, entre outros atingidos pelos eventos extremos, estão em áreas baixas e planas de um compartimento de planície fluvial na confluência entre os rios Taquari e Guaporé e o Arroio Conventos, respectivamente. Em áreas de confluência ou quando um afluente desemboca no rio principal, tem-se o aumento do volume de água, represadas pelo estrangulamento que ocorre no encontro de diferentes leitos fluviais.


Imagem de satélite da cidade de Muçum após inundações. Disponível em: https://disasterscharter.org/web/guest/activations/-/article/flood-flash-in-brazil-activation-837- / Fonte: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), 2023

Esses municípios se situam no baixo curso do rio Taquari, onde predominam os processos de deposição fluvial devido à baixa declividade do terreno. Essa localização geográfica reúne fatores de grande fragilidade ambiental frente aos processos evidenciados: enxurrada e inundação. Os grandes volumes de precipitação convergiram através de vales com alta declividade (enxurrada) para uma área plana, mais baixa, pertencente à planície fluvial (várzea) do rio principal em confluência com seus afluentes (inundação).

A cobertura vegetal e o uso da terra na área da bacia hidrográfica são fatores importantes na análise do evento. Na área observa-se a substituição da cobertura vegetal nativa por áreas agrícolas e granjas de produção intensiva de suínos e aves, com uma mata ciliar extremamente reduzida. Tais condições aumentam os processos erosivos e disponibilizam sedimentos que serão depositados nos fundos dos vales, diminuindo a profundidade das águas dos rios e tornando-os ainda mais expostos aos eventos de inundação.

Nesse sentido, os núcleos urbanos da região estão situados em áreas suscetíveis à inundação, as quais são potencializadas por consequência de uma série de alterações antrópicas que ampliam a magnitude do evento. Entre as alterações podemos destacar o desmatamento e a eliminação das matas ciliares, que ocorre por toda a área da bacia hidrográfica. Mais especificamente no núcleo urbano, observamos a impermeabilização do solo, a alteração dos cursos naturais dos rios e projetos ineficazes de captação e escoamento da água da chuva, entre outros.

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Em geral, a expansão urbana vinculada à especulação imobiliária jogou os mais pobres e vulneráveis para áreas de risco socioambiental. A urbanização orientada pelas forças de mercado subjugou o planejamento urbano, que se faz ao sabor dos interesses dominantes nas cidades (proprietários fundiários, promotores imobiliários, construtores), que consideram o solo urbano uma fonte de rendas acima de sua função social. 

Mais recentemente temos uma grande produção de habitações, impulsionada pelo mercado e pela financeirização, a qual expande as áreas urbanas muito além do necessário. Nos setores de classe média e alta temos a produção de “bairros planejados” de baixa densidade, segregados da malha urbana consolidada, mas com infraestrutura e acessibilidade garantidas. No caso da produção para baixa renda, os conjuntos habitacionais periféricos, verticais ou horizontais, que ocupam os piores, mais distantes e menos acessíveis terrenos disponíveis para a urbanização.

Nas áreas urbanas consolidadas, muitas prefeituras em nome de aumentar a densidade (ver o artigo sobre densidade urbana em Porto Alegre) estão promovendo a liberalização da verticalização, a qual tem densificado a construção, impermeabilizado áreas e destruído a vegetação urbana, ampliando as condições para os desastres ambientais.

Na Região Metropolitana de Porto Alegre os efeitos dos eventos extremos também são observados, com diferenças de intensidade, mas igualmente danosos para a população, especialmente os mais pobres. A RMPA localiza-se na confluência do grande sistema hídrico do estado (Jacuí, Taquari, Caí, Sinos, Gravataí), o que produz efeitos mesmo que esta não seja atingida por grandes volumes de chuvas. A diferença aqui é que os problemas exigem soluções muito mais integradas, pois elas não afetam apenas um município isoladamente, mas um conjunto deles.

No caso específico de Porto Alegre, com 142 áreas de risco e mais de 84 mil pessoas nelas residindo, segundo levantamento da CPRM, para a PMPA temos duas situações a considerar: as ilhas e terrenos baixos e as encostas dos morros, ambas áreas concentrando populações vulneráveis socialmente, e cada uma sofrendo diferentes impactos e exigindo tratamento e soluções diferenciadas, mas integradas.   

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O planejamento e gestão das cidades passa por diferentes níveis de abrangência frente às mudanças ambientais que exigem uma ação ao nível internacional que efetivamente diminuam o aquecimento global. É necessário atentar para as especificidades do RS como região de recorrência de eventos extremos e priorizar a atenção nos municípios localizados em áreas suscetíveis de inundação, enxurradas e escorregamentos.

Nas cidades, precisamos de um novo modelo de urbanização que vise mais o bem-estar e menos o lucro ou a renda, norteado para a criação de espaços urbanos com moradias dignas e com menos desigualdades socioambientais. As soluções democráticas e participativas, baseadas na ciência e com perspectiva social, são o melhor caminho para esta gestão. 

* Paulo Roberto Rodrigues Soares, professor do Departamento de Geografia da Ufrgs e pesquisador do Observatório das Metrópoles, Nina Simone Vilaverde Moura, professora do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-graduação em Geografia da Ufrgs, Felipe Casanova, licenciado em Geografia e Mestrando no Programa de Pós-graduação em Geografia da Ufrgs.

* Este é um artigo de opinião. A visão da autora e dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko