A missão de cuidar da Casa Comum é decisiva neste momento histórico e conjuntura
Chorei muito nos últimos dias. Chorei demais na última semana, diante de tudo que aconteceu e ainda está acontecendo no Rio Grande Sul. Sim, chorei as perdas de muitas vidas, as águas invadindo tudo, as casas no chão, as lojas, bancos, mercados, igrejas, tudo destruído tudo fechado.
Vale do Taquari, região de Passo Fundo, Sul do Rio Grande, as Ilhas em Porto Alegre, quase 100 municípios diretamente atingidos, inclusive minha Venâncio Aires, banhada pelo Rio Taquari, na região de Vila Mariante e arredores. Pessoas e animais em cima dos telhados das casas, protegendo a vida.
As comunidades ficaram uma semana, ou mais, sem energia, sem água, sem comunicação, com lama por todos os lados, animais mortos, numa região de colonização alemã e italiana de muita agricultura familiar, de comunidades organizadas e atuantes, de grande produção de alimentos. Muita tristeza, muita dor, muito sofrimento, muito luto.
É inevitável e fundamental a pergunta. Que desenvolvimento produzimos? Onde estão os cuidados com a Casa Comum? O que acontecerá nas próximas e no futuro com nossas vidas e nossas comunidades?
O Grito das Excluídas e dos Excluídos Continental promoveu Oficina de Participação Cidadã, rumo à Conferência Nacional Popular pela Democracia, Paz, Desenvolvimento com Justiça Social e Justiça Ambiental, CNPDPD, a realizar-se possivelmente nos primeiros meses de 2024. O convidado foi o Pe. Dário Bossi, missionário comboniano, assessor das Pastorais Sociais da CNBB nacional e defensor dos direitos sociais e ambientais. O tema abordado pelo Pe. Dário foi o tipo de desenvolvimento e o cuidado com a Casa Comum.
Há uma evidente crise ambiental hoje no Brasil e no mundo e crise do modelo de desenvolvimento, segundo Pe. Dário. Por isso, segundo ele, com minha integral concordância, é preciso ir do desenvolvimento ao envolvimento, com entrelaçamento da vida humana com as demais criaturas. Há um chamado a envolver a dignidade da vida, a animar relações humanas e ambientais.
Não basta só o meu envolvimento, individual. É necessário e urgente um envolvimento global e comunitário, com base num modelo dos territórios, um desenvolvimento com protagonismo das comunidades. Faz-se necessária uma transição ecossocial, na energia, com alimentação agroecológica, na produção e consumo através de economias solidárias locais e uma rede de cuidados solidários, com ressociabilidades anticapitalistas e reflexão sobre a infraestrutura: rodovias, ferrovias, tipos de habitações, etc.
As culturas exigem novos princípios, como, por exemplo, o ecofeminismo. A Economia de Francisco e Clara indica a urgência de criar comunhão, circularidade, enraizamento territorial, na linha do que anuncia o Papa Francisco em suas Encíclicas LAUDATO SÌ, sobre a ecologia integral, e a FRATELLI TUTTI, sobre a política como caridade máxima. Não há mais tempo a perder. O tempo urge e ruge.
A missão de cuidar da Casa Comum é decisiva neste momento histórico e conjuntura. Só assim pode-se sonhar com um planeta onde todas e todos possam viver com dignidade, com vida plena. Há urgência de enfrentar as desigualdades socioeconômicas, as consequências das mudanças climáticas, as injustiças sociais, a violência, especialmente contra o povo negro, as mulheres, as juventudes e os mais pobres entre os pobres nas periferias do campo e da cidade.
No Rio Grande do Sul, em meio às mortes, ao luto, à destruição geral, felizmente a fé, a solidariedade, o ´ninguém solta a mão de ninguém´ tornaram vivo e presente, nestes últimos dias, o Esperançar de Paulo Freire. O Grito das Excluídas e Excluídos, acontecido em São Leopoldo no dia 7 de setembro, a Cozinha Comunitária do MST e a do MAB, instaladas nas comunidades do Vale do Taquari, em meio a muitos outros apoios, iniciativas e ações de movimentos sociais, Pastorais, da Cáritas gaúcha, da Diocese de Santa Cruz do Sul, e em todas as regiões do Rio Grande do Sul onde aconteceram ciclones, tempestades e seus estragos, fazem surgir e renascer, não só a paz e a convivência fraternas, mas o encanto da Casa Comum e a certeza de ´um outro mundo possível´, urgente e necessário.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko