A casa do meu pai lembra vida, fluxo de pessoas, conspirações em meio a uma neblina densa de cigarros, bebida forte e o debate sobre o poder. Traz também lembranças gostosas da infância, o “tac-tac” passando na rua, animação e realização comendo a casquinha em formato de cone sentado na escada. Solidão. E entre o medo e a esperança, a ousadia. O espaço que estava à venda, agora permanece como ponto de memória e resistência com muita cultura e solidariedade.
:: 50 anos do golpe no Chile na casa de Diógenes Oliveira ::
Diógenes, personagem histórico que dá nome à Casa, ficou conhecido publicamente como um homem da luta armada, da política. Mas, os tantos amigos que com ele conviveram na intimidade sabem que mais do que da política, ou tanto quanto, Diógenes era um homem da cultura. Um poeta, trovador. Ainda hoje, seus colegas de seminário guardam na memória e coração o poema que Diógenes compôs aos 16 anos sobre a despedida da “mansão querida” (no final do artigo).
Em entrevista para obra sobre o personagem que dá nome a Casa, Ismael Souza lembrou de Diógenes, em 1969, no presídio Tiradentes, ambos presos políticos. “Eram uns 40 caras na cela, um buraco no chão para as necessidades básicas e o Diógenes andava com um livro de poesias do Fernando Pessoa. Se formava uma roda na volta dele que declamava os poemas do português.”
Mesmo nos cenários de maior adversidade, como também na velhice, com o corpo já cansado e baleado pelas inúmeras sessões de radioterapia, Diógenes mantinha a chama da cultura acesa. Nos últimos anos de vida, organizou em sua casa saraus culturais com vizinhos, amigos e parentes.
:: Diógenes Carvalho de Oliveira, parte um lutador do povo ::
Na última segunda-feira (11), toda essa turma que meu pai, um homem que viveu a vida intensamente, conviveu voltou para o seu rancho na Cidade Baixa. Com as portas abertas, do jeito que ele gostava quando era dia de evento. Era tanta gente animada com essa memória gostosa, compartilhada do fazer política com poesia que faltou espaço e ocupar a rua foi a solução. Nasceu assim, com gente cantando, dançando, compartilhando o pão e o vinho, a Casa Diógenes Oliveira. Aberta com a ousadia e pretensão de ser um espaço de relevância para o campo progressista de Porto Alegre.
A partir da abertura, ocorrerão almoços mensais com apresentações musicais de peso. É o Flor del Pago que tem sua próxima edição no feriado farroupilha, dia 20 de setembro, a partir das 11h, na Casa (Rua Lopo Gonçalves, 495). Show com Ciro Ferreira, Clarissa Ferreira e Emily Borghetti. O número de ingressos (20 pila), referente ao couvert artístico, são limitados (30 pessoas). Para maiores informações, acessem o perfil da casa no Instagram @casa.diogenesoliveira ou pelo WhatsApp 51-98621.3070 (Guilherme).
Despedida do seminário (meu primeiro soneto)
Diógenes Carvalho de Oliveira
Com voz triste e em prantos requebrada,
Nesta hora infeliz de minha vida,
Despeço-me de ti, mansão querida.
Adeus, seminário, minha casa amada!
Minha lira a bordo está pendida,
Minha voz soluça desolada.
Adeus, amigos, não vos deixo nada
Mais que a cruel e triste despedida.
Esquecei-vos de mim, perdoai-me tudo,
Que tudo vos perdoo e ainda vos digo:
Prosseguí na piedade e no estudo.
Se eu vos deixo e convosco não prossigo
É porque fui com deus um tanto mudo
E da virgem senhora pouco amigo.
Confira os registros da memória
Edição: Katia Marko