Rio Grande do Sul

Coluna

A cultura enquanto estratégia política efetiva ou o empreendedorismo artístico fake

Imagem de perfil do Colunistaesd
"Temos que fazer uma reflexão sobre a discussão mais ampliada acerca de uma plataforma enquanto plano nacional de cultura" - Divulgação
É preciso pensar uma política nacional de cultura que inclua os historicamente excluídos

A reunião mais recente do Conselho Estadual de Cultura do RS, realizada no final de agosto de 2023, em Porto Alegre, trouxe à tona a necessidade de reflexão sobre a discussão mais ampliada acerca de uma plataforma enquanto plano nacional de cultura. Isso indica ainda a necessidade de uma estratégia unificada de ação a ser pautada pelo campo democrático das esquerdas para que possa ser fortalecida pela política pública ao inverso da lógica da meritocracia envolvida atualmente nos editais. 

Óbvio que não se está negando a importância dos editais, porém restringir a política cultural nacional a essa dimensão pode efetivar certo reducionismo perigoso. Sabido é que a política pública em cultura é essencial, mas é recorrente em diferentes lugares e épocas uma espécie de dependência da classe artística à verba pública da cultura.

Penso nisso filosoficamente entendendo a complexidade da reflexão, porém imagino que assim como o controle social ergueu o SUS, do mesmo modo a ausência de acesso amplo a terra ergueu o MST e mais recentemente a exclusão a moradia digna ergueu o movimento de luta pela moradia, do mesmo modo, o que o setor cultural erguerá como plataforma central de luta, ampla e coletiva porque unificadora não só da classe artística, mas que faça parte de um projeto de país? Qual a pauta central nacional na área da cultura? Enfim, não há uma resposta, pois são vários brasis também com suas demandas e especificidades geopolíticas distintas. Cabe, todavia, a reflexão, portanto em frente, em frente!

Inegável reconhecer o funcionamento de modo auto gestionado e desatrelado do investimento direto via política pública de uma série de ações espalhadas Brasil afora. Mas isso ainda restringe a discussão a uma lógica da meritocracia porque na maior parte das vezes individualista e atrelada a interesses de mercado.

O desejo por hora é pensar na atual realidade no Brasil no que se refere a cultura e que isso ainda que aparentemente utópico possa auxiliar a construção de proposições objetivas enquanto plataforma nacional de cultura. Não que tais instituições e eventuais iniciativas espontâneas porque eventualmente orgânicas não necessitem de aporte financeiro público. Mas sim, enquanto necessidade do setor cultural pautar isso de forma propositiva junto ao Ministério da Cultura para que reconheça um pensamento estruturante que fortaleça ações que funcionam permanentemente mesmo sem apoio do poder público seja municipal, estadual ou federal ou até mesmo investimento internacional.

A política pública, paradoxalmente, também pode gerar estagnação no setor cultural quando parte do mecanismo de funcionamento da cultura fica exclusivamente atrelado a tal aporte de recursos via editais. Uma possível pauta nacional de cultura penso que antes de ser implementada precisa ser discutida pelo espectro político da esquerda brasileira para só então haver impulsionamento e fortalecimento via política pública.

Podem se pensar também em pontos de cultura que sobreviveram à tentativa de desmantelamento nos dois governos recentes de Temer/Bolsonaro, mas indispensável contextualizar tal iniciativa como um rescaldo positivo do Programa Cultura Viva antes posto em prática desde a primeira década do século vigente nos governos Lula e Dilma. 

Acho que tal reflexão é urgente e isso não só pode como deve apontar indicativos relevantes para se pensar uma política nacional de cultura que reflita ainda de forma mais aprofundada sobre o artigo 17 da Lei Paulo Gustavo. Ali estão as ações afirmativas que podem contemplar numa ação específica os historicamente excluídos das políticas públicas da cultura no Brasil. Assim demonstra-se a importância da coletividade enquanto participação social orgânica junto às políticas culturais gerando inclusão.


Projeto Restinga Falante / Divulgação

 

Confira também o Podcast Gira Negra Gaúcha #05

Locução: Richard Serraria e André de Jesus

Gravação e edição no Centro Cultural Lunar do Sopapo: Richard Serraria

Trilhas: Os Tincoãs, Gira deixa gira girar (remix Millemond Music)

Depoimento de Dinorá Araújo

Trilha incidental:
Sopapo gravado por Richard Serraria

Sampler de Mercedes Sosa, Sudamericano en Nueva York (trecho de Pachamama Revolução, canção de Richard Serraria)

Trecho de Duke e Nego Preto, vinheta da Bataclã FC 2002 com Sampler da Ultramen "Terrorismo Sonoro"

* André de Jesus, Ator/Ponteiro de Cultura, Locutor, ArteAtivista e Produtor Cultural.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato. 

Edição: Katia Marko