Rio Grande do Sul

MOBILIZAÇÃO POPULAR

Grito dos Excluídos e Excluídas denuncia 'fomes e sedes' dos mais vulneráveis em São Leopoldo

Justiça social, dignidade e direitos foram algumas das bandeiras levantadas; vítimas das enchentes foram lembradas

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Devido às chuvas, a mobilização foi transferida das ruas da periferia de São Leopoldo (RS) para o salão da Paróquia Santo Inácio de Loyola - Foto: Katia Marko

Com o lema “Você tem fome, tem sede de quê?”, na luta por dignidade, justiça social e direitos fundamentais a toda a população, o Grito dos Excluídos e Excluídas de 2023 mobilizou ações em 26 estados brasileiros neste feriado de 7 de setembro. Na região Metropolitana de Porto Alegre, esta foi uma edição atípica. Devido ao temporal que atingiu o Rio Grande do Sul no início da semana e deixou dezenas de mortos e destruição, o Grito que percorreria as ruas da periferia de São Leopoldo foi transferido para a Paróquia Santo Inácio de Loyola.

:: Grito dos Excluídos e das Excluídas tem atos em todas as regiões do país neste 7 de setembro; veja imagens ::

A mudança, contudo, não afetou a força da mobilização popular, que reuniu cerca de 500 pessoas, movimentos sociais e religiosos, sindicatos, indígenas, juventude, caravanas da periferia, entre outros. Com muita mística, diversas representações denunciaram o histórico descaso com a população em situação de injustiça e vulnerabilidade social, fome, miséria, desemprego, violência de gênero, ataques à democracia e aos povos originários.

A mística de abertura contou com a participação do movimento hip hop de São Leopoldo. Após foi feito um resgate do histórico do Grito dos Excluídos e Excluídas, que surgiu em 1995, em contraponto ao Grito da Independência, durante a 2ª Semana Social Brasileira, a partir de uma reflexão sobre o Brasil, as alternativas possíveis e seus/suas protagonistas.


"Você tem fome e sede de quê?", questiona o Grito que ocorreu em todos os estados do país neste 7 de setembro / Foto: Jorge Leão

Segundo Roseli Pereira Dias, representante da Cáritas no Fórum Nacional do Grito dos Excluídos e das Excluídas, a ideia inicial era estar na rua e um dos motivos do ato ter sido pensado para terminar na ocupação Steigleder era justamente o fato da comunidade ter sofrido anteriormente com alagamentos.

"Nós tínhamos muito claro o que queríamos refletir. Além de todos os outros gritos que persistem entre nós, como o grito por trabalho, pela questão de ser mulher na sociedade, da questão da juventude, e todos os outros gritos, nós tínhamos muita clareza que tínhamos que enfrentar e focar nas catástrofes ambientais que estão nos agredindo tanto e com mais frequência e com mais intensidade”, afirma.

Conforme ela, o tema escolhido para esta 29ª edição é por conta da insegurança alimentar, o que se agravou durante a pandemia, após o golpe que o país sofreu em 2016. “O retrocesso nas políticas públicas fez com que o Brasil voltasse para o Mapa da Fome, então esse tema da fome vem vindo desde lá. Junto com isso a sede, que liga-se aos eventos climáticos também, estiagem por um lado e enchente por outro, além da privatização do saneamento público que também estamos enfrentando.”

Gritos de “fome e sede”

Na sequência, iniciaram os nove gritos destacando as principais “fomes e sedes” de variados grupos sociais, intercalados por intervenções artísticas. No primeiro grito, pelo Levante Popular da Juventude, foram apontadas necessidades da juventude, como educação, cultura, lazer e segurança. Também foi ressaltada a importância das cotas.

No segundo grito, foi a vez do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras por Direito (MTD) lembrar da fome e da sede por trabalho digno, pelo direito à renda e pela economia popular e solidária. O terceiro evidenciou a sede e a defesa dos direitos públicos, em especial a defesa do SUS.


Defesa dos direitos é marca do Grito dos Excluídos e Excluídas / Foto: Jorge Leão

“Temos fome de democracia, porque democracia é direito, é inclusão, é saúde, é trabalho, é uma escola boa, é respeito ao povo, é constituição de renda, por isso estamos fazendo a luta contra o juro alto, por políticas públicas fortes na área da cultura, valorizando o trabalho solidário, valorizando quem quer buscar uma renda, valorizando o trabalho pra quem tem carteira assinada”, resume o presidente da CUT-RS, professor Amarildo Cenci. “Esse é um dia para celebrar a vida, celebrar os direitos, celebrar a democracia, até a vitória porque juntos com a democracia que iremos vencer”, complementa.

Aconteceu também o grito das populações originárias. A comunidade indígena Kaingang de São Leopoldo representou o ritual de preparação para a guerra, significando também a resistência dos povos indígenas. Destaque para a luta contra o marco temporal. 


Indígenas da etnia Kaingang de São Leopoldo participaram do ato / Foto: Katia Marko

“A importância do Grito para nós indígenas é que nós venhamos trazer as nossas necessidades para que comunidade e políticos possam entender que nós também existimos no município de São Leopoldo”, afirma o vice-cacique Kaingang de São Leopoldo, José Vergueiro. “Estamos aqui reivindicando os direitos de termos as nossas terras que aos poucos estão se esgotando, os governos estão tirando de nós com essa PEC 490, o marco temporal, que tira o direito da demarcação das nossas terras”, explica.


Diversidade de gênero presente / Foto: Jorge Leão

O Grito também celebrou a diversidade de gênero. “Nós temos aqui gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, não tanto. Nós temos nosso coletivo Anglicanes que é da Pastoral da Diversidade da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, temos também representantes do Coletivo Abrigo, porque as pessoas LGBTQIA+ estão por todos os lugares, estão nos sindicatos, estão nas escolas, estão nas igrejas, às vezes quietinhos dentro do armário, mas estão lá. E nós estamos aqui para dar o nosso grito”, afirma o postulante da Igreja Anglicana e do Movimento Unidos pela Diversidade Ivan Pereira, lembrando que somente em 2022 foram mais de 160 pessoas trans e travestis mortas no país.

Homenagem à solidariedade do MST

O MST foi homenageado por suas doações às comunidades da periferia, que chegaram a 900 toneladas de alimentos durante a pandemia. O movimento também promoveu nova ação solidária no ato, doando 1 mil kg de arroz, mil litros sucos, 300 kg de feijão e 300 litros leites para os indígenas kaingangs de São Leopoldo e famílias da ocupação Steigleder desabrigadas. Também foi anunciada a instalação de uma cozinha comunitária em Encantado, para distribuir marmitas às famílias vítimas das enchentes no RS. 


MST fez doações de alimentos e recebeu homenagem por seu espírito de solidariedade / Foto: Jorge Leão

Campanha de arrecadação

Durante o Grito, foi feito o lançamento da Missão Sementes de Solidariedade Emergência. A campanha mobiliza organizações aliadas no campo social e religioso para a aquisição de sementes e ações de auxílio ao replantio das lavouras de pequenos agricultores e agricultoras de matriz camponesa e familiar atingidos pelas enchentes no Vale do Taquari. Foram recolhidos R$ 600,00 somente entre os participantes do ato.

:: Organizações se reúnem para socorrer pequenos agricultores atingidos pelas enchentes no RS ::

Segundo Jacira Teresinha Dias Ruiz, da Cáritas, a campanha está sendo puxada pelo Instituto Cultural Padre Josimo (ICPJ), o  Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Instituto Koinós e a Cáritas. "A campanha é aberta e quem quiser contribuir pode ajudar com qualquer valor”, convida. As doações devem ser destinadas à conta da Cáritas Brasileira, na chave Pix CNPJ 33654419001007 ou depósito bancário para: Conta Corrente: 55.450-2 / Agência 1248-3 (Banco do Brasil).


Cozinheiras que prepararam o almoço do Grito / Foto: Katia Marko

No encerramento do ato, ocorreu uma celebração ecumênica com representantes de diversas religiões. Também foram formadas várias rodas juntando cidade e campo e o MST fez um doação simbólica de sua produção e de comida no prato, lembrando também da "fome por reforma agrária". Na sequência, foi servido um almoço feito pela cozinha comunitária da Vila Brás.


Edição: Katia Marko