“É uma violência muito grande não ter dito uma resposta ao longo destes dez anos. São dez anos de uma espera muito ativa. A gente não ficou sentado esperando, pelo contrário, a gente precisou se mover muito e seguimos nos movendo em busca da justiça”, afirma Gabriel Rovadoschi, 28 anos, um dos mais de 600 sobreviventes do incêndio que matou 242 pessoas na boate Kiss, em Santa Maria, na madrugada do dia 26 para 27 de janeiro de 2013.
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Nesta terça-feira (5), a tragédia ganha mais um episódio quando será retomado o julgamento do recurso contra a anulação do júri da boate Kiss, suspenso no dia 13 de junho com apenas um voto proferido. As deliberações acontecerão no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília (DF), com a presença de familiares de vítimas, sobreviventes e do procurador-geral do Ministério Público gaúcho, Alexandre Saltz.
Julgamento anulado
O incêndio da boate aconteceu em razão do uso de um artefato pirotécnico durante o show da banda Gurizada Fandangueira que gerou fumaça tóxica e resultou na tragédia. Os sócios da boate Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann; o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos; e o auxiliar Luciano Bonilha Leão foram acusados de homicídio pelo Ministério Público do Estado. Foram condenados à prisão em dezembro de 2021, mas, em agosto do ano passado, o julgamento foi anulado e eles ficaram livres, após a defesa dos condenados recorrerem ao Tribunal de Justiça alegando irregularidades no processo.
:: Tribunal de Justiça anula o julgamento da boate Kiss ::
Entre as ilegalidades apontadas pelos advogados estão a realização de uma reunião reservada entre o juiz e o conselho de sentença, sem a presença do Ministério Público e das defesas, e o sorteio de jurados fora do prazo legal. Os desembargadores anularam o júri ao concordar com parte das alegações. O Ministério Público recorreu contra a anulação.
Dez anos sem desfecho
Psicólogo e presidente da Associação dos Familiares das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria, Gabriel pontua que esses dez anos foram marcados por um esforço que demanda muita energia, muita entrega no movimento, o que acaba por adoecer as pessoas. “Ao longo desses dez anos tivemos perdas de familiares, de vítimas, perdas de sobreviventes que acabaram falecendo sem ver um desfecho do que aconteceu. Sem a responsabilização devida é como se a história nunca tivesse acontecido. O que é extremamente grave, não somente para nós, vítimas diretas, mas para todo mundo que é lançado à insegurança de não ter garantia nenhuma de que isso não vá acontecer de novo”, desabafa.
Conforme frisa o presidente, é por essa falta de resposta que familiares e sobreviventes foram até Brasília para acompanhar de perto a retomada do julgamento. "Montamos uma vigília em frente ao STJ para acompanhar o julgamento. Em Santa Maria também foi montada uma tenda, lá na praça Saldanha Marinho, onde tem um telão e cadeiras para o pessoal se acomodar e acompanhar a transmissão", expõe.
Retomada do julgamento
O caso começou a ser julgado em junho, mas foi interrompido após o ministro Rogério Schietti votar pela prisão imediata dos quatro condenados. A análise do caso será retomada com o voto do ministro Antonio Saldanha, que pediu vista (mais tempo para analisar o processo).
A Sexta Turma do STJ analisa recurso do Ministério Público do Rio do Grande do Sul (MPRS) contra a decisão que anulou o resultado do júri e determinou a soltura dos acusados. Cinco ministros compõem turma. Se a maioria acompanhar o voto do relator, as condenações seriam retomadas com emissão de mandados de prisão para os quatro envolvidos.
Segundo o advogado da associação de familiares, Pedro Barcellos Jr., também é possível que votem por revalidar a decisão do júri, mas sem determinar a detenção imediata dos condenados – já que o processo retornaria para o Tribunal de Justiça gaúcho para apreciação de outras apelações apresentadas pelos defensores, como questionamentos à dosagem das penas.
Se o júri permanecer anulado, os réus seguiriam em liberdade, à espera de um eventual novo recurso da acusação ou da marcação de um novo julgamento.
“Nossa expectativa é que os demais ministros acompanhem o voto do relator para que haja essa reversão da anulação e que seja mantido o júri popular que aconteceu em 2021 condenando os quatro réus. Essa condenação é muito importante porque ela registra primeiramente na história as devidas responsabilidades pelo que aconteceu. O Estado precisa dar tutela sobre o que aconteceu para que na história não fique marcado como algo que nunca tenha acontecido. É só a partir da responsabilização que a gente consegue construir as garantias para que não aconteça mais. De qualquer modo, é uma decisão que seja qual for, vem muito tarde e isso nos fere muito mais”, conclui Gabriel.
A sessão da Sexta Turma nesta terça-feira terá início às 13h. O trabalho será presencial, com transmissão ao vivo pelo canal do STJ no YouTube.
*Com informações da Agência Brasil e GZH.
Edição: Marcelo Ferreira