Na Marcha das Margaridas, as mulheres estavam animadas, motivadas a reconstruir o país
"Olha Brasília está florida, estão chegando as decididas.
Olha Brasília está florida, é o querer,
o querer das Margaridas"
Canto das Margaridas - Loucas de Pedra Lilás
Em agosto de 2019, centenas de mulheres, entre as presentes na sexta edição da Marcha das Margaridas e I Marcha das Mulheres Indígenas, tiveram a ousadia de se contrapor ao ódio do governo Bolsonaro. Seguindo o legado de Margarida Alves, que dizia "E vocês fiquem certos de que não fugimos da luta. É mais fácil saber que tombamos do que dizer que nós corremos"; "É melhor morrer na luta do que morrer de fome", as margaridas marcharam em protesto. Não houve um governo para recebê-las. Sem políticas públicas que anunciar para a categoria.
Mas neste ano, a história mudou. As cerca de 100 mil mulheres presentes na 7ª edição da Marcha das Margaridas contaram com a presença do presidente Lula na abertura. Vários ministros compuseram as mesas de debate. As ministras Cida Gonçalves e Anielle Franco, deputadas, a primeira-dama, todas marcharam com as margaridas.
O clima era outro. As mulheres estavam animadas, com seus chapéus coloridos, motivadas a reconstruir o país. Dos seus roçados, cochichos, foram definindo suas prioridades, demandas. Algumas em Brasília há algum tempo, articulando as demandas. A marcha era uma festa, de um Brasil que voltou a enxergar e reconhecer as suas Margaridas. Até no Congresso Nacional, as Margaridas receberam uma homenagem pela sua história.
E que história! É importante lembrar que a luta das Margaridas assegura muitas conquistas à população do campo brasileiro. Em 2011, a 4ª Marcha das Margaridas reivindicou uma maior importância ao desenvolvimento de um plano nacional de ação no campo da agroecologia, inspiradas na construção de diversas organizações. No documento base da 4ª Marcha, apresentava-se: "Demanda/Proposta 1811: criar grupo permanente de estudos e pesquisas, com a participação de representantes da sociedade civil, para discutir o modelo agrícola na perspectiva de promover a mudança da matriz de alto insumo energético (fertilizantes, agrotóxicos) e de simplificação ecológica, para a matriz de baixo insumo energético e de diversidade ecológica, bem como apoiar fontes alternativas de energia, como energia solar e eólica". E com essa luta, agregadas à Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e às várias resistências da agroecologia, nasceu a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica.
Na edição deste ano, não foi diferente. O número de anúncio de conquistas das Margaridas ocupa mais de uma página: decreto Quintais Produtivos para as mulheres rurais, com a previsão de instalação de 90 mil quintais produtivos; decreto Seleção de Famílias para Reforma Agrária, estabelecendo pontuação diferenciada para famílias chefiadas por mulheres; decreto que institui a Comissão Nacional de Enfrentamento à violência no campo; Decreto que institui GT Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural; decreto que institui Programa Nacional de Cidadania e Bem Viver da Mulher Rural (Novo PNDTR); decreto institui Pacto Nacional de Prevenção ao Feminicídio; decreto retoma Política Nacional ao Trabalhador Rural Empregado; decreto retoma Bolsa Verde; Programa Emergencial de Reforma Agrária, com previsão de atender: 5.700 famílias e 40 mil famílias regularizadas; R$ 300 milhões de crédito instalação; Assistência Técnica e Extensão Rural nos Assentamentos; R$ 100 milhões em leite a ser comprado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). As Margaridas levaram para suas casas a esperança de um país em reconstrução. Diferente de 2019, tiveram a atenção do Estado, que firmou com elas uma série de compromissos.
Não menos importante, as Margaridas agregaram a sua demanda o "bem-viver". A história de resistência das mulheres camponesas lhes ensinou a importância do acesso e permanência na terra e no território. As mulheres afirmam sua relevância na preservação da biodiversidade e na conservação dos biomas, identificando-se como guardiãs dos saberes populares. Por um feminismo que valoriza a vida, a defesa da agroecologia, dos territórios e dos bens comuns.
:: Por que Margarida Alves não foge da luta? Legado histórico segue em Marcha há 40 anos ::
A Marcha das Margaridas inspirou e estimulou a organização popular para a reconstrução do país. Os anúncios de políticas públicas trazem esperança para aqueles que lutam em defesa de outro modelo de produção agrícola. O comprometimento do governo com as reformas e o reconhecimento das mulheres do campo sinalizam para avanços progressistas em meio a um governo de frente ampla.
Abrindo alas no primeiro ano de governo, as Margaridas semearam as políticas para o crescimento da agroecologia, do acesso e permanência nas terras e nos territórios. Trazendo condições concretas à vida das mulheres no campo, inspiram o semear de outros valores de um projeto político de nação.
Cabe mencionar ainda, neste artigo, a perda da Mãe Bernadete Pacífico, líder da Comunidade Remanescente de Quilombo Pitanga de Palmares, integrante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). A defensora foi assassinada no dia 17 de agosto, um dia depois da Marcha das Margaridas. Mãe Bernadete é semente, e se somou à Margarida Alves, na memória das nossas heroínas.
* Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Thalita Pires e Katia Marko