Rio Grande do Sul

POVOS ORIGINÁRIOS

'Nosso direito à terra é ancestral': Indígenas protestam contra o marco temporal em Porto Alegre

O ministro Cristiano Zanin votou contra o marco temporal e placar do julgamento fica em três a dois

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Expectativa dos ativista é que se afaste a tese do marco temporal e que prevaleça o voto do ministro relator Edson Fachin - Foto: Lucas Kolesny

Ativistas das lutas dos povos originários e comunidades tradicionais se mobilizaram em Porto Alegre, na tarde desta quarta-feira (30), contra o marco temporal na demarcação de terras. A movimentação é nacional e ocorre em decorrência da retomada do julgamento da tese no Supremo Tribunal Federal (STF). Indígenas também bloquearam duas rodovias no Norte do RS, em protesto contra o marco temporal. Houve paralisações registradas na BR-386, em Iraí, e na RS-135, em Erebango.

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"Nosso direito à terra é ancestral, não temporal, por isso estamos nas ruas de todo o Brasil para acompanhar o julgamento no STF", explica o vice-cacique Kaingang de São Leopoldo, José Vergueiro, presente no ato na capital gaúcha. "O marco temporal agride os nossos direitos por uma terra que é nossa”, complementa.

“Nós queremos preservar a natureza, a água, a mata, a Terra. As terras das nossas aldeias são utilizadas para a nossa sobrevivência, eles querem tirar a nossa terra para dar para pessoas que na verdade nem precisam, que apenas querem a terra para queimar e devastar as vidas que existem ali”, aponta José. O lobby da soja é uma das principais forças operando em Brasília a favor do chamado “marco temporal” para terras indígenas e quilombolas.

Além das comunidades Kaingang, Mbya Guarani e Xokleng, do Morro do Osso, 02 da Lomba do Pinheiro, São Leopoldo, Canela, São Francisco de Paula,  Capela de Santana, Maquiné, Itapuã, Cantagalo, Estiva e Lami, se somaram ao ato comunidades quilombolas de Porto Alegre. Também estiveram presentes representantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), da Fundação Luterana de Diaconia-Conselho de Missão entre Povos Indígenas (FLD-COMIN) e outros movimentos, apoiadores e apoiadoras das lutas dos Povos Originários e Comunidades Tradicionais.

“Não ao marco temporal”, uma luta dos povos originários

Na mesma data, há dez anos, foi realizada a primeira Assembleia dos Povos Originários em Porto Alegre, na qual indígenas e quilombolas apresentaram uma pauta comum para resolver os conflitos que ocorrem sobre os territórios. A ação reuniu cerca de 300 representantes de diversas aldeias indígenas Guarani e Kaingang do Rio Grande do Sul, representantes do movimento quilombola e do assentamento Madre Terra, de São Gabriel (RS), que ergueram suas barracas de lona na Praça da Matriz, no centro de Porto Alegre.

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Apesar da ação civil pública que está sendo discutida agora no STF envolver a Terra Indígena Xokleng Ibirama Laklaño, dos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, em Santa Catarina, a decisão terá repercussão em outros territórios. “Envolve justamente a questão do indigenato, da presença, dos direitos dos povos originários e isso se aproxima muito dos territórios étnicos em geral do país, entre eles da presença quilombola”, afirma o advogado militante da Frente Quilombola do Rio Grande do Sul, Onir Araújo. 


A teoria do indigenato consiste no fato de que os povos indígenas têm direito aos seus territórios tradicionalmente ocupados, conforme expresso no artigo 231 da Constituição brasileira / Foto: Lucas Kolesny

A teoria do indigenato consiste no fato de que os povos indígenas têm direito aos seus territórios tradicionalmente ocupados, conforme expresso no artigo 231 da Constituição brasileira, não podendo haver nenhuma limitação a este direito, devendo o poder público federal demarcar e proteger todas as terras. Essa tese remonta ao período colonial, quando as leis que foram editadas e respeitaram a posse dos povos originários, como senhores naturais de suas terras, antes ao próprio Estado.

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Conforme o advogado, em sua atuação profissional na defesa dos territórios, há o enfrentamento do marco temporal enquanto argumento em várias ações. "Recentemente numa ação rescisória envolvendo o Quilombo da Família Lemos que está em região próxima do Estádio Beira-Rio desde a década de 60, antes mesmo da construção do estádio, foi determinada a reintegração de posse solicitada pelo Asilo Padre Cacique. Um dos argumentos foi justamente o marco temporal, pois para eles como a sentença ocorreu antes da certificação da Fundação Cultural Palmares, o marco de surgimento do Quilombo seria a data da certificação em 2018, ou seja, feito após o pedido de reintegração de posse. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul somente anulou a decisão pois não era o fórum competente para tomar tal decisão, como trata-se de um território quilombola a posse da área é competência da Justiça Federal", explica.

Julgamento retomado

A sessão de julgamento no STF foi interrompida pela presidenta, Rosa Weber, logo após a revelação do voto de André Mendonça, que se manifestou a favor da tese do marco temporal. Esse é o segundo posicionamento nesse sentido: o primeiro foi manifestado por Nunes Marques. O relator, Edson Fachin, e Alexandre de Moraes se colocaram contra a ideia de que as comunidades tradicionais só têm direito a terras que já estivessem ocupando ou disputando desde antes da Constituição Federal de 1988. 

Com o voto do ministro Cristiano Zanin contra o marco temporal, o placar do julgamento fica em três a dois contra a tese jurídica defendida por ruralistas. Zanin disse que a Constituição reconhece que os direitos indígenas à terra são “mais antigos” do que quaisquer outros”. "Diante disso não se pode validar a tese do marco temporal das terras indígenas, o que representaria ignorar essa populações", declarou.

Outros sete magistrados ainda devem revelar seu voto. O julgamento foi retomado nesta quinta-feira (31) com o voto do ministro Cristiano Zanin.


Edição: Marcelo Ferreira