Representantes do movimento negro se reuniram, na tarde desta quinta-feira (24), em ato político e cultural pelo fim da violência racista, na Esquina Democrática, no Centro de Porto Alegre. A atividade fez parte da “Jornada Nacional de Luta pelas Vidas Negras”, mobilização que pretende reagir a uma série de casos de violência policial e chacinas em diversos estados, com ações mensais previstas até 20 de novembro, Dia da Consciência Negra.
Embora as chacinas tenham dado maior visibilidade às ações frequentemente ilegais das polícias militares, a verdade é que esses contingentes policiais agem historicamente de modo extremamente violento e racista. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, organizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que traz dados relativos a 2022, indica que negros(as) somam 83% das vítimas de intervenções policiais.
Em Porto Alegre, uma pesquisa realizada pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), após um levantamento sobre a abordagem policial em seis territórios da região Metropolitana, aponta que o racismo estrutural marca a ação de agentes da Segurança Pública. Esta identificou que ser negro, jovem e ter tatuagem são as três principais características que levam uma pessoa a ser considerada suspeita.
"Gatilho está na mão do governador"
Presidente do Movimento Negro Unificado (MNU) no estado, o comissário de polícia aposentado Luiz Felipe Teixeira defende que a luta dos movimentos sociais negros está na causa do racismo estrutural que envolve as polícias, o Ministério Público, o Judiciário, como também a educação e o senso comum da sociedade.
"Essa é uma tarefa que está no cerne do MNU desde sua fundação em 1978, onde uma das causas já era o assassinato de trabalhadores negros. Nos últimos anos essa nossa luta ficou ainda mais difícil com a ascensão do facismo no Brasil, entendendo que o facista está de mãos dadas com o racista", aponta.
Para Felipe, essa não é apenas uma questão da polícia, "pois quando um policial comete uma violência na periferia alguém já apertou o gatilho muito tempo antes". Segundo a liderança, "esse gatilho está na mão do governador do estado que controla as polícias e são sustentadas pelo Ministério Público".
Ele exemplifica recordando do caso de Gustavo Amaral, engenheiro negro morto em uma ação policial no Norte do estado, ao ser confudido com um crimonoso. "O Ministério Público pediu o arquivamento do processo contra o policiais militares envolvidos quando o róprio Tribunal de Justiça Militar do Estado, ou seja, a própria Polícia Militar, indiciou os soldados", pontua Felipe.
Justiça pelo assassinato de Mãe Bernadete
Uma das reinvidicações do ato, também, foi justiça diante da morte de Mãe Maria Bernadete Pacífico, assassinada a tiros no último dia 17, liderança quilombola que lutava pelo direito à terra e por justiça ao assassinato de seu filho Binho, morto de forma semelhante em 2017.
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O coordenador da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro), Baba Diba de Iyemonja, afirma que "ápice da mortalidade dos corpos negros chega quando uma ialorixá é assinada com mais de 20 tiros, sendo doze apenas no rosto, em seu Território Tradiconal na Bahia, o estado que tem o maior número de negros e negras". Para ele, a morte de Mãe Bernadete evidencia o quanto o racismo é estruturante na retirada do povo preto da cena pública e política.
"Nós precisamos de uma ação efetiva que possa barrar a mortalidade do nosso povo e acho que isso deve passar por um debate muito sério sobre segurança pública no Brasil. A sociedade precisa entender que toda essa violência tem cor, ela tem uma direção que é o nosso povo preto e só com políticas públicas efetivas promoveremos a mudança nesses números alrmantes de mortes que temos visto em todo o país", defende Baba Diba.
Estavam presentes no ato representantes do Fórum Ecumênico ACT – Brasil, da Frente Negra Gaúcha, do Coletivo de Polícias Antiracista, a Rede Sapata, entre outras entidades de vário segmentos sociais. Parlamentares como a deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS), as deputadas estaduais Laura Sito (PT) e Bruna Rodrigues (PCdoB) e o deputado estadual Matheus Gomes (PSOL) também acompanharam a manifestação.
O ato foi organizado por representantes da Coalizão Negra por Direitos, do Movimento Negro Unificado (MNU), Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro), da União de Negros pela Igualdade (Unegro) e do Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (Fonsanpotma).
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Edição: Marcelo Ferreira