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Pai(xão): entre lembranças, aprendizados e sonhos

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"Somos seres moldados pela linguagem, construídos a partir de histórias. Nem mesmo tínhamos nascido e nossos cuidadores já sonhavam conosco, projetando o que seríamos" - Foto: Reprodução da obra A familia | Tarsila do Amaral
As palavras dos pais tecem um manto de desejos que nos protege, mas também podem nos aprisionar

Nada melhor do que um final de semana ao lado do meu pai para lembrar que “eu não sou filho de chocadeira”. Essa frase é engraçada e frequentemente pronunciada no Interior. Geralmente, os pais dizem isso quando querem lembrar os filhos de que não estão sozinhos no mundo, e foi exatamente isso que aconteceu nos últimos dias. 

Saí de casa há mais de uma década e, desde então, temos convivido pouco. A maioria das lembranças que tenho são das idealizações que eu tinha quando criança, onde via no meu pai um verdadeiro super-herói. Também recordo das inspirações durante a adolescência que me impulsionaram a construir um lugar próprio no mundo. Ambas são lembranças revisitadas ao longo do meu extenso processo de análise.

Os momentos que vivenciamos recentemente foram tão significativos, justamente porque me permitiram perceber que somos mais semelhantes do que eu imaginava. E não me refiro apenas à recusa pelo insosso sabor do cheddar ou da desagradável cebola crua no hambúrguer; penso também na força que ele me transmitiu para enfrentar os desafios inerentes ao existir. Enquanto atravesso o desfiladeiro do circo da vida, caminho na corda bamba do “ser como o pai” e “não ser como o pai”.

Nos últimos dias, vi em meu pai um homem mais forte do que eu lembrava. Senti como se tivesse recebido um abraço - um abraço de palavras. Uma narrativa de apoio aos meus sonhos. Como as palavras dos pais produzem eco, não é mesmo?! E é crucial que eles compreendam o impacto que seus dizeres causam em um filho. Tanto positivo quanto negativo.

Somos seres moldados pela linguagem, construídos a partir de histórias. Nem mesmo tínhamos nascido e nossos cuidadores já sonhavam conosco, projetando o que seríamos, em que área trabalharíamos e como alcançaríamos os objetivos que eles próprios não puderam concretizar.

As palavras dos pais tecem um manto de desejos que nos protege, aquece e oferece conforto, mas também podem nos aprisionar. O desejo deles é como uma vestimenta justa que, aos poucos, conseguimos afrouxar um botão, ajustar as mangas ou fazer a barra. O cerne desta metáfora reside na presença dessa roupa, aquela que nos vestiram desde o nascimento, que nos envolvem com as suas próprias aspirações. No entanto, os ajustes posteriores serão por nossa conta, claro.

E quanto à (pai)xão, tão repleta de sentimentos intensos e profundos. Ela carrega uma ambivalência que pode gerar culpa, um impulso que nos conduz a conquistar novos territórios, a inscrição de uma falta que nos coloca à caminhar. “Eu não vou te proporcionar tudo que você deseja; precisará descobrir isso no mundo”. E assim, continuamos a traçar nossos próprios caminhos. Pai, que possamos viver compartilhando sonhos por muitos anos, e quando essa possibilidade, infelizmente, não estiver mais ao alcance, que suas histórias e desejos ecoem em mim.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko