Quando o golpe contra o governo Salvador Allende completa 50 anos, um livro vai contar como os então exilados brasileiros no Chile viveram o terror do dia 11 de setembro de 1973, quando o palácio de La Moneda, sede do Executivo, foi bombardeado pelos generais golpistas. Vai narrar como conseguiram chegar até uma embaixada em Santiago ou sair do país por uma fronteira menos vigiada.
O livro-reportagem é do jornalista gaúcho Paulo de Tarso Riccordi, com passagem por muitas redações e, também, professor universitário.
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“É um amplo painel sobre como viveram – suas casas, trabalho, estudo, amizades, futebol, música, solidariedade e voluntariado em favelas e assentamentos, separações, novos amores e nascimentos de filhos num clima de felicidade para a maioria. Ainda que breve”, descreve Riccordi.
Um número não preciso de brasileiros e brasileiras, mas acima de quatro mil, buscaram exílio no Chile no decênio 1964-1974. Seis deles lá foram mortos pelas forças golpistas e mais dois, assassinados na Argentina.
Oito vítimas brasileiras
Os mortos no Chile são o estudante secundarista gaúcho Nilton Rosa da Silva, de Cachoeira do Sul, o catarinense Wânio José de Mattos, ex-capitão da PM paulista, o professor de inglês paulista Nelson de Souza Kohl, o também professor Luis Carlos de Almeida (não há informações sobre data e local de nascimento), o engenheiro Tulio Roberto Cardoso Quintiliano, alagoano de Maceió, e a mato-grossense de Cáceres Jane Vanini, estudante de Ciências Sociais.
Os dois exilados que conseguiram escapar para a Argentina foram rastreados em Buenos Aires pela polícia política. São a paulista Maria Regina Marcondes Pinto, estudante de Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP), e o gaúcho Jorge Alberto Basso, aluno de História na Universidade do Chile.
“Voos da Morte”
Seus corpos estão desaparecidos, possivelmente tenham sido jogados de aviões em alto mar nos chamados “Voos da Morte”, modo de eliminação adotado pela Operação Condor, como foi batizado o acordo entre as ditaduras do Cone Sul para perseguir e executar dissidentes.
Riccordi lembra que, após o golpe civil militar de 1964, centenas de brasileiros cassados do Legislativo e de cargos públicos no Executivo, Judiciário e universidades buscaram a liberdade no Chile, então governado pelo democrata cristão de centro direita Eduardo Frei.
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Depois da decretação do Ato Institucional 5 – o golpe dentro do golpe como foi denominado – mais gente acuada, políticos, professores, estudantes lá se refugiaram. “A eles seguiram os esmagados em 1969-70 por sua opção pela luta armada contra a ditadura”, repara.
“Foram 1.042 excitantes dias”
Com a vitória eleitoral do socialista Allende, em 4 de setembro de 1970, juntou-se uma nova motivação à necessidade de fugir da repressão no Brasil. “Todas as gerações e tendências políticas de esquerda quiseram conhecer pessoalmente o ‘caminho chileno para o socialismo’”, comenta.
“Foram 1.042 excitantes dias nos quais a maioria dos exilados brasileiros (com média de 25 anos de idade), pela primeira vez desde a infância, conheceu democracia e liberdade”, narra. “E também viveu a inclemente sabotagem da CIA e do Departamento de Estado norte-americano, mais militares, empresários e imprensa chilenos através do desabastecimento de remédios, comida, combustível, inflação artificialmente provocada e cerco do Congresso que virtualmente inviabilizaram o governo da Unidade Popular”, diz.
“Eu quis mostrar como esses jovens brasileiros viveram aqueles excitantes e esperançosos dias com Allende”, conta. Para produzir o livro, Riccordi pesquisou em 44 fontes. Entrevistou diretamente antigos exilados, recolheu memórias de outros em seus próprios livros e em entrevistas a terceiros, além de depoimentos prestados às Comissões da Verdade e Justiça e ao Congresso. Ele pretende lançar o volume, ainda sem título, até o final do ano.
Edição: Katia Marko