Rio Grande do Sul

Meio Ambiente

Após liberação das obras, manifestantes voltam a fazer ato em defesa do Parque Harmonia

Ação aconteceu dois dias após desembargador derrubar a liminar que determinava a suspensão das obras

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Manifestantes questionam corte de árvores em obra no Parque Harmonia, em Porto Alegre - Foto: InGá /Divulgação

Ambientalistas e diversas entidades da sociedade civil uniram forças em um ato de protesto em defesa do Parque do Harmonia, neste domingo (6), na Rótula das Cuias, na Orla do Guaíba, em Porto Alegre. Ação aconteceu dois dias após o desembargador Marcelo Bandeira Pereira, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), derrubar a liminar que determinava a suspensão das obras do empreendimento que está sendo construído pela concessionária Gam3 Parks no local. 

:: Justiça defere liminar para suspensão imediata das obras no Parque Harmonia ::

“Parque Harmonia uma matemática simples do absurdo. 35 anos de concessão a contar a partir de 2021. Quantos anos tu vai ter em 2056? Algumas árvores cortadas levam 40 anos para crescer, você tem até 2063 para esperar?”, questionava um dos cartazes que circularam pela manifestação. 

Com um calor atípico para o mês de agosto, os manifestantes ressaltaram que a luta para preservar o Parque do Harmonia é uma questão de interesse público que vai além da simples conservação de um espaço verde. “É uma luta pela nossa cultura, história e, sobretudo, pelo direito de todas as gerações ao acesso e fruição desse patrimônio”, afirma o presidente da Associação Mães e Pais pela Democracia, Júlio Sá . 


"Não é feito nenhum plebiscito para saber qual a opinião do povo de Porto Alegre", destaca técnico / Foto: InGá /Divulgação

Conforme aponta o técnico em meio ambiente e integrante do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá), Émerson Vieira Prates, a mobilização visou chamar a atenção da população para a importância de se exigir políticas públicas para mitigar efeitos das mudanças climáticas. E também destacar a importância das barreiras naturais na beira dos rios e cursos de águas contra as mudanças climáticas. 

Como exemplo ele cita os ciclones extratropicais que recentemente chegaram ao estado. “Esses eventos já não são mais exceção, e vão se tornar mais frequentes. Então é muito importante que a gente mantenha essas barreirais naturais em pé. A função das árvores ali é que amorteça a velocidade do vento para que não chegue em áreas urbanas com toda aquela velocidade onde vai derrubar casas, danificar edificações. Essa é a função das nossas árvores ali, além de contribuir também com os ciclos das chuvas, regulando o microclima urbano das cidades”, exemplifica.  

Avaliar compensações

O técnico recorda que já há um certo dano no entorno causado pela revitalização da orla, onde foram arrancados muitas árvores e que não se sabe se as que foram plantadas irão vingar. “Algumas árvores de compensação ambiental pelas que foram cortadas na orla ainda estão pequenas, não cumprem o seu papel. Seria muito importante um estudo ambiental para esses empreendimentos, coisas que não tem, eles vão tocando tudo a toque de caixa, tudo por negócios mesmo. E não estão interessados nem na fauna, nem na flora e nem em mudanças climáticas”, ressalta. 

A concessionária Gam3 Parks alega que, após as obras, a área será recoberta com vegetação, com plantio de no mínimo cinco árvores nativas cada uma unidade arbórea suprimida – e as árvores existentes permanecem vigiadas e protegidas. Estima-se que mais de 400 árvores serão suprimidas com a obra, sendo que até o momento foram 103. 

“Essas compensações que eles falam de cinco árvores para cada espécie suprimida não condiz com a verdade. Eles vão compensar em um local que a gente não sabe. Dizem eles que é na orla, mas a gente sabe que na orla tem mais construção por vir, mais devastação. E a população fica sem saber. E acho também que é há falta de técnicos para avaliar essas compensações, onde elas seriam viáveis. A compensação deveria ser na área que foi arrasada, mas fisicamente é impossível plantar mil e quinhentas árvores ali porque não vai ter espaço com tanto concreto e edificações, roda gigante enfim”, aponta Émerson. 

O técnico chama atenção que, além do Harmonia, também o Parque Marinha que também está sob ataque "da mesma política que quer devastar aquilo que é público, aquilo que o povo tem acesso, que é curtir a natureza, que é chegar ali a pé, sem carro". Segundo avalia, há em curso uma tentativa de "transformar tudo isso num grande negócio, praticamente um certo apartheid social, quem tem dinheiro entra quem não tem não", o que não contemplam toda a população de Porto Alegre. "Não é feito nenhum plebiscito para saber qual a opinião do povo de Porto Alegre", pontua.

"É contra essas políticas que a gente está lutando e que a gente fez esse encontro, e que vamos dar continuidade, até mesmo de fazer uma frente ampla para estar mais fortalecido quando vier outros ataques em outros parques de Porto Alegre. E exigir estudos ambientais, exigir que parem com esse negacionismo ambiental dentro da prefeitura de Porto Alegre. É impossível a gente estar vivendo esse momento aqui, parece que um projeto político vigente no Brasil terminou o ano passado e aqui no sul do Brasil não terminou, continua o mesmo, um governo que é negacionista”, conclui.


Presente ao ato, a deputada estadual Sofia Cavedon (PT) destacou a destruição do verde que vem acontecendo na cidade. “Nossa fauna que aqui se abrigava, esse ambiente que é um ambiente histórico onde por 40 anos aconteceu o Acampamento Farroupilha sem tirar uma árvore de repente vira um espaço de negócio. A prefeitura autoriza mais de 400 cortes e a Justiça que deu amparo no início agora liberou. A população de Porto Alegre precisa saber a nossa cidade está sendo destruída em sua ambiência. Olha o calor que nós estamos em pleno agosto a terra está quente, fervendo. Cada árvore que nós colocamos abaixo, condena nossa vida”, frisou. 

"Defesa do Parque do Harmonia é defesa da cidade"

Para o Júlio Sá, a manifestação serviu para demonstrar a resistência da comunidade, que não aceitará resignadamente a destruição das áreas verdes da cidade. “A união da sociedade para proteger o Parque do Harmonia sublinha a compreensão coletiva de que nossos espaços públicos são cruciais para a saúde, bem-estar e sustentabilidade do nosso ambiente urbano. A mobilização deve continuar. A continuidade desta mobilização é crucial para garantir que a voz da comunidade seja ouvida e que nossos espaços naturais sejam protegidos para as futuras gerações. A defesa do Parque do Harmonia é uma defesa da nossa cidade, do nosso meio ambiente e do nosso futuro”, ressaltou o presidente da Associação Mães e Pais pela Democracia. 

De acordo com ele, a  decisão do TJRS que revogou a liminar que havia determinado a suspensão das obras no Parque da Harmonia tem caráter provisório. "Acreditamos que, ao aprofundar o exame da matéria, o Tribunal gaúcho reveja sua posição e não permita que centenas de árvores sejam derrubadas, prejudicando todo o bioma local, descaracterizando completamente o parque”, acredita.

Enquanto a mobilização acontecia do lado de fora, dentro do parque era montado o palco para o show da banda sorriso maroto. Na avenida Augusto de Carvalho, filas de carros se formavam do lado de fora para acessar o estacionamento, onde o valor cobrado era de R$ 50,00 por automóvel. A poluição sonora que pode surgir no local com os eventos é outra das criticas dos manifestantes, o que aconteceu no show deste domingo, quando moradores reclamara pelo volume alto do evento. A prefeitura disse que notificará concessionária. 

Queda de braço na Justiça 

No final de julho, a 10ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Porto Alegre deferiu uma liminar para suspensão das obras em andamento no Parque Harmonia, objeto da concessão da Prefeitura de Porto Alegre à empresa Gam3 Parks SPE S.A. Assinado pela juíza Gabriela Dantas Bobsin, a decisão é resultado de ação popular impetrada por Vera Moema Behs, Montserrat Antônio de Vasconcellos Martins, Marcelo Sgarbossa, Lígia Maria de Faria Miranda, Karin Potter, João Telmo de Oliveira Filho, Jefferson Magueta Trevisan, Helena Barreto dos Santos, Guilherme Valls Darisbo e Alda Terezinha Lopes Miller.

:: Gam3 Parks encaminha novo recurso na tentativa de retomar obras suspensas no Parque Harmonia ::

Após ser derrotada duas vezes na 10ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, a Gam3 Parks encaminhou, na quarta-feira (2), um novo recurso diretamente à presidência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. No documento de 18 páginas a empresa defende a retomada das obras e diz que as imagens mostrando o cenário de devastação foram manipuladas e que a juíza Gabriela Dantas Bobsin foi ludibriada. 


"Essas compensações que eles falam de cinco árvores para cada espécie suprimida não condiz com a verdade. Eles vão compensar em um local que a gente não sabe" / Foto: InGá /Divulgação

Na decisão emitida na sexta-feira (4), o desembargador Marcelo Bandeira Pereira, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), apontou que eventuais danos causados pela alteração no projeto original aprovado pela Prefeitura, como o aumento da altura da roda gigante a ser instalada no local, não justificam a paralisação total das obras. “Uma edificação de 25 metros não se ergue do dia para a noite, tampouco será a roda gigante de 72 m instalada imediatamente”. 

Ainda de acordo com o magistrado, eventuais alterações no projeto em desacordo com o que foi aprovado poderiam justificar a suspensão de parte das obras, não de todo o empreendimento. “De todos os elementos constantes nos autos, o que se verifica é a existência de prejuízo em caso de paralisação das obras, considerando, especialmente, que a supressão vegetal e a terraplanagem estão praticamente concluídas, restando agora justamente os arremates que trarão os benefícios inicialmente propostos”, diz a decisão do desembargador.

Em nota, a Gam3 Parks afirmou que a retomada marca “um novo capítulo para o projeto”. “Nosso objetivo permanece inabalável: transformar o Parque Harmonia em um local que reúna lazer, cultura e natureza para toda a comunidade”. Afirmou ainda que a retomada será “com elevado empenho para recuperar o atraso” e que as obras são feitas com “os padrões mais elevados de qualidade e ética. 

Por sua vez, o prefeito Sebastião Melo (MDB) disse que a decisão do desembargador foi “uma vitória da cidade”. “Estamos colocando drenagem do parque, algo que os acampados reivindicaram a vida inteira. Acompanho há 30 anos e a única certeza é que haverá chuva na época do evento. O modelo de cidade que ganhou a eleição é o da parceria. Eles (ambientalistas) querem rediscutir a eleição, sendo que isto tem que ocorrer na próxima”, afirmou. 

Parlamentares se manifestam pelas redes sociais

"Tá na hora do povo reagir e do governo escutar a população. Se querem gastar os milhões de reais que estão parados no caixa da prefeitura, que gastem com algo que realmente vá fazer bem para a população. Falta saneamento, asfalto, obras nas escolas, tudo isso está parado. Prioridade é saúde e educação, lazer é depois, Melo!", escreveu o vereador Jonas Reis (PT).

"O dinheiro falou mais alto que o meio ambiente 💸 Quais são os reais interesses por trás das obras?", indagou a vereadora Karen Santos (PSOL). 


*Com informações do Sul 21 e Correio do Povo


Edição: Marcelo Ferreira