Rio Grande do Sul

Luta por direitos

Há 10 anos sem aumento, servidores de nível fundamental e médio da Saúde do RS relatam 'situação desesperadora'

Trabalhadores e oposição cobram governo Leite em audiência pública realizada nesta quinta-feira (3) na Assembleia gaúcha

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"As pessoas estão passando fome, as pessoas estão passando necessidade. O salário não dá conta para uma alimentação adequada", expôs dirigente sindical - Foto: Celso Bender/ALRS

O baixo valor dos salários e benefícios de servidoras e servidores de nível fundamental e médio da Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul (SES-RS) foi tema de audiência pública, nesta quinta-feira (3), na Comissão de Segurança, Serviços Públicos e Modernização do Estado (CSSP) da Assembleia Legislativa do RS. Mais de 80 trabalhadores de todas as partes do estado lotaram a sala Maurício Cardoso, no 4º andar do Palácio Farroupilha, e apresentaram suas demandas e situação dramática no evento articulado pelo deputado estadual Matheus Gomes (PSOL).

Ouviram a exposição das servidoras servidores, na mesa da audiência, além de Matheus Gomes, a deputada e presidente da CSSP, Stela Farias (PT), e o deputado Pepe Vargas (PT). Também compareceram o presidente do Conselho Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul (CES-RS), Cláudio Augustin, o vice-presidente do Sindicato dos Servidores Públicos do Rio Grande do Sul (SindsepeRS), Rogério Viana, e a integrante da Comissão de Representantes dos Servidores de Nível Médio e Fundamental da Secretaria de Saúde, Cristina Veríssimo.

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O governo do estado participou de maneira remota na figura do diretor da Divisão de Gestão de Pessoas da Secretaria Estudual de Saúde, Marco Weber. O fato que gerou indignação aos servidores presentes que consideraram um descaso do governo de Eduardo Leite (PSDB) com a categoria. 

Dez anos sem reposição salarial

Entre as principais reivindicações das servidoras e servidores está a defasagem do salário da categoria. De acordo com representantes dos trabalhadores, há mais de uma década os servidores não recebem reposição salarial justa. Hoje, 690 funcionários recebem salário base abaixo do mínimo constitucional e não têm garantida a paridade salarial quando se aposentarem. 

Atualmente, o salário base da categoria encontra-se em torno de R$ 900, o torna necessário uma política de complemento mínimo por parte do governo estadual, para contornar a inconstitucionalidade da remuneração prevista. A Medida Provisória 1172/23 reajustou o salário mínimo para R$ 1.320 a partir de 1º de maio de 2023. O mínimo regional no Rio Grande do Sul tem cinco faixas salariais que atualmente variam de R$ 1.443,94 a R$ 1.829,87.

Conforme relataram os servidores, os valores de vale-transporte e vale-refeição não cobrem nem metade dos seus gastos mensais, levando inúmeros trabalhadores a se encontrarem em situação de insegurança alimentar. Na remuneração de um servidor ativo, desde 1995, com carga horária de 30 horas semanais, o valor mensal do auxílio transporte é de R$ 67 e o vale refeição é de R$ 85. 

De acordo com dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), divulgados em julho deste ano, Porto Alegre registrou a segunda cesta-básica mais cara do país, no valor de R$ 773,56.

Situações desesperadoras

“A situação é real, as pessoas estão passando fome, as pessoas estão passando necessidade. O salário não dá conta para uma alimentação adequada. Essa é uma triste realidade que o governo nos impõe e não abre diálogo de forma alguma para que a gente sente e converse”, apontou Viana.

Para o dirigente do SindsepeRS, a reestruturação do quadro da saúde é uma maneira de fazer uma correção histórica dos trabalhadores. “Somos quem dedica sua vida e sua própria saúde em prol da população”, defendeu.

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A servidora Cristina Veríssimo se emocionou ao compartilhar o relato de uma colega que pediu auxílio para alimentar o esposo acamado e seu filho. Segundo Cristina, “essas situações são desesperadoras, mas o Governo Leite não parece se importar”. Ainda segundo ela, tem sido impossível viver com um salário inferior ao salário mínimo.

“É inadmissível que profissionais da saúde que se dedicam a essa secretaria há tantos anos, profissionais que enfrentaram a pandemia, levando para casa a morte, que estão endividados, recebam essa quantia insignifacante que não cobre nosso sustento. O servidor não tem outra saída a não ser fazer empréstimo”, expôs.


"É inadmissível que profissionais da saúde que se dedicam a essa secretaria há tantos anos, recebam essa quantia insignificante que não cobre nosso sustento" / Foto: Celso Bender/ALRS

Por sua vez, Claudio Augustin pontuou que é preciso retomar a discussão que está presente na Constituição de 88 que prevê a isonomia dos diversos cargos do estado. Ele recorda que cargos, por exemplo, na fazenda, no Judiciário, Assembleia, Tribunal de Contas e procuradorias "têm um salário bem acima dos demais se motivo nenhum".

"Não há ninguém que consegue dizer que o trabalho da saúde não é fundamental para vida”, afirmou, destacando o trabalho feito pelos profissionais da saúde durante a pandemia. Também frisou que não existe crise financeira no estado do RS. “A desculpa são sempre os servidores”, complementou. 

Representante do Executivo, Marco Weber disse que a SES-RS tem conhecimento há mais de um ano sobre a situação e que a questão passa por estudo na Secretaria. “O básico é de 30 horas semanais, podendo reduzir para 20 horas, e temos a dedicação exclusiva. Entendemos que devemos arrumar, porque na dedicação exclusiva há gratificação de até 100%, mas há a carga horária de 40 horas quando o básico continua como 30 horas”, expôs Weber, afirmando que isso resultaria num ganho de salário para os trabalhadores.

Oposição critica justificativas do governo Leite

O deputado Pepe Vargas iniciou sua intervenção pontuando que o governo do estado sempre usa a falta de dinheiro como justificativa. “Não é só o problema do salário que não tem reajuste se quer da inflação, não é só o problema que tem um salário base que não chega no salário mínimo. Temos que lembrar que houve mudança na legislação previdenciária e agora, com o IPE Saúde, também vai reduzir o salário. Além de não repor a inflação, além de manter essa situação absurda de ter o completivo para chegar no valor do salário mínimo, tem a espera pela reunião sobre o reajuste do piso regional que nunca acontece”, destacou.

O parlamentar lembrou que vem sendo reproduzido por uma parte da população o discurso de que "o estado é muito grande, que tem muito funcionários, e que esses funcionários ganham salários muito elevados" Para ele, esse é um discurso neoliberal que leva as pessias a acharem "que todo funcionário público é um marajá". "Temos que enfrenta esse discurso”, defendeu.

Matheus Gomes questionou a falta de ações e posicionamento por parte do governo: “O que o senhor governador Leite pensa diante dos relatos dramáticos de pessoas que não tem como manter de maneira digna suas famílias com o que ganham?”, questionou. Também problematizou a falta de transparência do governo sobre a real situação financeira do Rio Grande do Sul. “Nós queremos fazer a discussão de forma aberta com a população, o governo tem ocultado dados como o caso da privatização da Corsan”, pontuou.

O deputado também cobrou celeridade e respeito por parte do governo Leite com a situação urgente que os servidores da saúde enfrentam. “Não há desculpas para que minutas e projetos fiquem paralisados”, ressaltou o parlamentar.  


"Não há desculpas para que minutas e projetos fiquem paralisados”, disse o deputado Matheus Gomes / Foto: Celso Bender/ALRS

Encaminhamentos

Entre os encaminhamentos definidos na audiência está a realização de reunião no Conselho de Saúde, onde a presença da Casa Civil e Secretaria de Saúde se torna obrigatória. Ajustar os termos e referências do PROA de 2022, que propõe a alteração na Lei nº 13.417/2010, que rege o quadro de servidores da saúde e está em fase estudo na Secretaria da Fazenda. Também a realização de uma nova reunião da CSSP com a Casa Civil, a Secretaria da Fazenda e a Secretaria do Planejamento.

Ainda nesta quinta-feira, a Associação dos Técnicos Administrativos Públicos do Rio Grande do Sul (Astap) realizou uma ação denunciando a falta de ações do governo estadual para resolver a situação de insegurança alimentar enfrentada por servidores públicos de nível médio. 

No protesto, realizado no Centro Administrativo Fernando Ferrari (CAFF), os manifestantes apresentaram um contracheque “gigante” para expor a situação de penúria da categoria. Cerca de 60 trabalhadores participaram do ato, que também contou com a presença da deputada Luciana Genro (PSOL) e do deputado Jefferson Fernandes (PT).


Protesto no CAFF / Foto: Divulgação


Edição: Marcelo Ferreira