Após ser derrotada duas vezes na 10ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, a Gam3 Parks, concessionária administradora do Parque Harmonia, encaminhou nesta quarta-feira (2) um novo recurso diretamente à presidência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. No documento de 18 páginas a empresa defende a retomada das obras e diz que as imagens mostrando o cenário de devastação foram manipuladas e que a juíza Gabriela Dantas Bobsin foi ludibriada.
O novo recurso movido pela concessionária diz respeito à ação popular impetrada por Vera Moema Behs, Montserrat Antônio de Vasconcellos Martins, Marcelo Sgarbossa, Lígia Maria de Faria Miranda, Karin Potter, João Telmo de Oliveira Filho, Jefferson Magueta Trevisan, Helena Barreto dos Santos, Guilherme Valls Darisbo e Alda Terezinha Lopes Miller.
Na ação os autores sustentam a ocorrência de diversos danos ambientais, paisagísticos e ao patrimônio cultural perpetrados pela concessionária ré no Parque Harmonia, bem como a omissão do município de Porto Alegre em fiscalizar. Alegam que as obras realizadas no local extrapolam o Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) aprovado pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA).
Neste domingo (30), a 10ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Porto Alegre deferiu uma liminar para suspensão das obras em andamento no Parque Harmonia. Na decisão a magistrada Gabriela Dantas Bobsin afirma que os fatos noticiados pelos autores são gravíssimos e estão amparados por evidências de que a iniciativa privada, com a permissão do município, promove verdadeira devastação em área do conhecido Parque da Harmonia, que conservava até então substancial número de espécies arbóreas e fauna que igualmente necessita ser alvo de proteção.
:: Justiça defere liminar para suspensão imediata das obras no Parque Harmonia ::
A Gam3 Parks recorreu e, na terça-feira (1º), a juíza Leticia Michelon, indeferiu, o pedido de reconsideração apresentado pela empresa para a revogação da liminar.
Recurso negado
Nesta quinta-feira (3), em novo pedido de reconsideração, desta vez formulado pelo Município de Porto Alegre, a juíza de Direito Letícia Michelon, da 10ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, manteve suspensas as obras no Parque Harmonia.
No novo pedido, o Município de Porto Alegre alegou não haver o perigo de dano alegado, mas sim um periculum in mora (perigo da demora) inverso, decorrente da suspensão das obras. Alegou o cumprimento do seu dever de fiscalização enquanto poder concedente. E requereu, ao final, que fosse reconsiderada a determinação de suspensão dos trabalhos no local.
Por sua vez a magistrada considerou que os fundamentos da decisão visam à integridade do meio ambiente, bem de uso comum do povo e protegido pelo artigo 225 da Constituição Federal, "porquanto presentes a probabilidade do direito e o perigo de danos irreversíveis - artigo 300 do Código de Processo Civil - para concessão da medida liminar".
A magistrada considerou que alguns dos documentos juntados são posteriores ao início das obras no parque (considerando, como marco temporal, a data de 9 de dezemreo de 2022, quando da emissão da Autorização Especial de Remoção Vegetal). E que a documentação, na sua quase totalidade, foi produzida pela empresa concessionária. "São, no geral, relatórios sucintos e, para este momento processual, no qual a cognição é necessariamente sumária, inaptos a convencer este juízo quanto à necessidade de alterar a decisão liminar", afirmou.
Empresa alega que ação foi feita sem estudo ou prova fidedigna
No documento encaminhado à presidência do TJRS, a empresa aponta que "a decisão fundamenta que se estaria a promover verdadeira ‘devastação’ da vegetação do Parque e que as ‘fotografias apresentadas demonstram que onde existia vegetação foi aberta uma clareira’. Essa interpretação certamente resultou de uma edição fotográfica constante da inicial, espelhando duas áreas distintas, e por isso distorcendo a realidade, bastando a observação atenta das imagens a seguir para esclarecer a impressão equivocada a que foi induzida".
:: Juíza nega pedido de reconsideração sobre revogação das obras no Parque Harmonia ::
Autor das fotos aéreas, o Instinto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá), em nota, criticou acusação e diz que prepara uma ação judicial. “O InGá se sente atingido, pois obteve a maior parte das imagens de drone relativas à área e estamos preparando uma interpelação judicial, a ser apreciada conjuntamente também pelos autores da ação, contra a difamação da empresa perante a juíza responsável pelo caso.”
A empresa alega que a ação popular "veio instruída com nenhum documento, estudo ou prova fidedigna das alegações iniciais, pois apenas juntadas fotografias e matérias jornalísticas reverberando manifestações e opiniões a respeito. Prova, entrementes, nenhuma’. E de que a liminar que suspende as obras ‘foi tomada sem oitiva das partes adversas, invertendo, data vênia, a lógica de que os Atos Administrativos gozam de presunção de legalidade e legitimidade, que só com prova robusta cedem em contrário".
:: Entidades protestam contra corte de mais de 400 árvores no Parque Harmonia, em Porto Alegre ::
Sobre o impacto ambiental correspondente à supressão de parte da flora rasteira e arbórea, a empresa afirma que é requisito para a implantação das intervenções estabelecidas no Contrato de Concessão, previstas genericamente no EVU e detalhado nos projetos aprovados. “A retirada de parte da cobertura vegetal rasteira e de árvores, especialmente durante a execução da etapa de decapamento, pode impressionar pelo visual negativo. Afinal, há ostensiva movimentação de terra para nivelamento e implantação de sistema de drenagem, passagem de canos e dutos, construção de passeios e calçadas etc. É a pior fase, do ponto de vista estético, e está próxima do final. 13. Após as obras, a área será recoberta com vegetação com plantio de no mínimo 5 árvores nativas cada 1 unidade arbórea suprimida – e as árvores existentes permanecem vigiadas e protegidas. A CONCESSIONÁRIA tem o máximo interesse na manutenção das árvores e da vegetação, inclusive prevendo uma área de preservação permanente, já denominada 'reservinha'”, diz.
Eventos no parque
A empresa destaca também que os eventos programados no local estão sendo comprometidos citando, especialmente o acampamento Farroupilha. “Sem a montagem da infraestrutura nos próximos (10) dias – que engloba montagem dos piquetes, finalização da rede elétrica subterrânea e ligação, rede de esgoto e drenagem, melhoria do acesso para ambulâncias e bombeiros – o evento é inviável.”
Em manifesto, entidades que fazem parte do Movimento Salve o Harmonia destacam que, !ao contrário do que tem sido dito, nada há contrário ao Acampamento farroupilha". Dizem ser "uma torpe estratégia de pressão política que tenta jogar a opinião pública contra a suspensão das obras. Primeiro, porque há espaço ali para a instalação dessa tradicional reunião de povo que cultiva nossas tradições; segundo, porque o próprio prefeito do Município já garantiu que, haja o que houver, o acampamento vai se realizar esse ano, independentemente do que for decidido, em definitivo, na ação que suspendeu as referidas obras”.
O documento assinado por 59 entidade ressalta que a suspenção as obras do Parque Harmonia está reconhecendo que está sendo desconsiderada a prioridade do direito à cidade, dando preferência aos “direitos das mercadorias”, com grande prejuízo, esse sim, aos “direitos da natureza”. “Está havendo descumprimento expresso de disposições contratuais da concessão que determinam que toda implantação e operação devem acontecer com o menor impacto possível ao meio ambiente, de acordo com os princípios jurídicos de prevenção e precaução”. Confira o manifesto na íntegra no final desta matéria.
A Associação do Pessoal da Caixa Econômica Federal no Rio Grande do Sul (APCEF/RS) realizou um debate virtual sobre o tema com o presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Heverton Lacerda, e a arquiteta responsável pelo projeto original das obras no Parque Harmonia, Eliana Castilhos.
Roda de conversa neste domingo
O Movimento Salve o Harmonia realiza, neste domingo (6), às 16h, uma mateada com roda de conversa junto à Rótula das Cuias, na Orla do Guaíba. O coletivo formado por mais de 70 entidades, vem alertando a comunidade e questionando os poderes constituídos sobre a gravidade da concessão da licença da obra.
Cobra, ainda, um estudo de impacto ambiental, em especial à fauna, onde viviam 85 espécies de aves, incluindo o pássaro símbolo do Rio Grande do Sul, quero-quero, diante de um projeto de tamanha intervenção. Também diz defender a realização da Semana Farroupilha no Parque Harmonia. Mas, alerta que, da forma como estão acontecendo as obras, o próprio evento será descaracterizado.
Abaixo o manifesto completo
O Parque Harmonia e o direito à cidade de Porto Alegre
As entidades/movimentos submetem à crítica de todas as cidadãs e cidadãos de Porto Alegre, pelo compromisso que inspira sua responsabilidade pela defesa da nossa cidade e sua gente, o seguinte manifesto:
A divisão de opiniões em torno da área urbana do Parque Harmonia, submetido atualmente a um extenso processo predatório da natureza, necessita ter suas causas e efeitos bem mais esclarecidos do que, até aqui, tem sido publicado. A realidade é que o executivo Municipal quer a entrega de bens públicos a particulares que vão procurar, claro, a viabilidade dentro da visão do que entendem do que é economia. As praças públicas, em especial o Harmonia, a Redenção, e outras, são áreas para fruição da população, para descanso, para convivência, eventualmente para esportes e eventos, para sentirem a Natureza, para ouvirem os pássaros, para verem o pôr-do-sol. Direito à cidade, sua terra, sua natureza, seu meio ambiente, que a própria Constituição Federal confere ao povo. Lá não se delega, seja ao Município, seja a uma empresa privada, o poder exclusivo de decidir a respeito. Nem ele, nem ela são donos de Porto Alegre para agirem como estão agindo no Parque Harmonia.
A justiça que suspendeu as obras do Parque Harmonia está reconhecendo que está sendo desconsiderada a prioridade do direito à cidade, dando preferência aos “direitos das mercadorias”, com grande prejuízo, esse sim, aos “direitos da natureza”.
Está havendo descumprimento expresso de disposições contratuais da concessão que determinam que toda implantação e operação devem acontecer com o menor impacto possível ao meio ambiente, de acordo com os princípios jurídicos de prevenção e precaução.
Em vez de direitos financeiros a serem reparados, o que devem à cidade e ao seu povo, é a indenização pelo prejuízo que já causaram a uma e outro. Por isso, há de ser valorizada e empoderada toda necessária, oportuna e conveniente decisão judicial de suspensão daquelas obras, no mais elementar direito à vida próprio da proteção e defesa da natureza, impõe como prioridade.
Não por acaso, a cidadania tem a mesma raiz de cidade. Essa não é só um bem individual, é comum (como diz o art. 225, capítulo VI, da Constituição Federal), isto é, de todas e todos. As pessoas que ajuizaram a ação popular têm todo o direito de respirar o mesmo ar, gozar da mesma paisagem, da mesma flora e da mesma fauna presentes em lugares do seu lazer. Aqui ele vive, mora, trabalha e circula.
O chamado “interesse difuso” dá legitimidade a cada porto-alegrense para celebrar, com toda a razão, a tutela judicial que suspendeu a obra e espera-se que seja tornada definitiva, a ameaça que continua pesando sobre tais direitos.
Ao contrário do que tem sido dito, nada há contrário ao Acampamento farroupilha. É uma torpe estratégia de pressão política que tenta jogar a opinião pública contra a suspensão das obras. Primeiro, porque há espaço ali para a instalação dessa tradicional reunião de povo que cultiva nossas tradições; segundo, porque o próprio prefeito do Município já garantiu que, haja o que houver, o acampamento vai se realizar esse ano, independentemente do que for decidido, em definitivo, na ação que suspendeu as referidas obras.
Por todas essas razões, o povo todo da nossa querida cidade, deve mobilizar sua massiva e aguerrida resiliência a toda a tentativa que a atual Administração pública de Porto Alegre vem fazendo, para barrar uma participação ativa na terra urbana onde vive, servindo de exemplo à revisão do Plano diretor da cidade, para que não sejamos pautados pelo fato consumado como está acontecendo agora nas obras do Parque Harmonia.
Isso pode ser feito, inclusive, seja pela presença de qualquer do povo que queira ingressar na ação judicial onde o direito à cidade já prevaleceu (processo 5145927-44.2023.8.21.0001/RS), como cidadão, seja como amicus curiae, empoderando a decisão que suspendeu as obras, ou pela formação e mobilização de grupos organizados em redes sociais que se encarreguem de manter o povo bem-informado de tudo que está sendo feito.
Essa batalha não é apenas local, como provam todos os sinais de guerra que a natureza e o meio ambiente vêm sustentando em defesa da mãe Terra e sua gente no mundo todo, sob ameaça de matá-la e, com ela, a nossa própria condição indispensável de vida. E uma forma certa de antecipar nossa derrota é a de não entrarmos nessa briga.
Não ao fato consumado!
Assinam este manifesto:
1. Acesso Cidadania e Direitos Humanos
2. Afronte
3. Amigas da Terra Brasil
4. Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD)
5. Associação de Juristas pela Democracia – AJURD
6. Associação do Pessoal da Caixa Econômica Federal do Rio Grande do Sul -APCEF/RS
7. Associação dos Técnicos de Nível Superior do Município de Porto Alegre - ASTEC
8. Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan)
9. Associação Mães e Pais pela Democracia
10. Associação para Grandeza e União de Palmas - AGrUPa
11. Associação Representativa Cultural dos Comerciantes do Viaduto Otávio Rocha
12. AtuaPoa - Coletivo em Defesa do Direito à Cidade
13. CDES Direitos Humanos
14. Centro Comunitário de Desenv. Tristeza, Pedra Redonda, Vilas Conceição e Assunção
15. Centro de Assessoria Multiprofissional
16. Coletivo Cais Cultural Já
17. Coletivo Feminino Plural
18. Coletivo Preserva Marinha
19. Coletivo Preserva Redenção
20. Comitê Popular ESPERANÇAR
21. Confederação Nacional das Associações de Moradores
22. Eco pelo Clima
23. Federação Gaúcha Uniões Ass. de Moradores e Ent. Comunitárias
24. Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro/RS
25. Fórum Hip Hop
26. Fórum Justiça no RS
27. Grifo-jornal de humor
28. Grupo de Voluntários do Greenpeace Porto Alegre
29. Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico – IBDU-RS
30. Instituto de Assessoria às Comunidades Remanescentes de Quilombos
31. Instituto dos Arquitetos do Brasil – IAB/RS
32. Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá)
33. Instituto Preservar
34. KsaRosa Centro Cultural dos Catadores RS
35. Laboratório de Políticas Públicas e Sociais - LAPUS
36. Movimento dos Trabalhadores e trabalhadoras Sem Teto – MTST
37. Movimento Laudato Si RS
38. Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH
39. Movimento Nacional de Luta pela Moradia – MNLM
40. Nuances
41. ONG Resistência Participativa – Despertar Coletivo
42. Pastoral da Ecologia Integral CNBB Sul3
43. Pastoral Ecumênica, Igreja Anglicana
44. Preserva Zona Sul
45. Prosperarte
46. Querela Jornalistas Feministas
47. Região de Planejamento 1 - RGP1
48. Ser Ação
49. Serviço de Paz – SERPAZ
50. Sindicato dos arquitetos (SAERGS)
51. Sindicato dos Municipários de Porto Alegre
52. Sociedade de Economia do Rio Grande do Sul (SOCECON-RS)
53. Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos
54. TransLAB.URB
55. Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz
56. União das Associações de. Moradores de Porto Alegre/RS
57. União Nacional por Moradia Popular – UNMP
58. União Pela Preservação do Rio Camaquã - UPP Camaquã
59. União Pela Vida
* Com informações do Sul 21 e TJRS
Edição: Marcelo Ferreira