Um novo álbum musical e visual com canções inéditas e tradicionais de autoria indígena está na praça. Será lançado nesta quarta-feira (26) em Porto Alegre com apresentação e conversa com pajés na Cinemateca Capitólio, em Porto Alegre, às 19 horas e com entrada franca. No mesmo dia chegará às plataformas digitais Spotify e YouTube.
Goj tej e goj ror é o seu título, ou seja, “As águas são nossas irmãs”. Trata das águas desde a cosmologia Kaingang (*). O projeto foi desenvolvido pela produtora gaúcha Tela Indígena através de laboratórios artísticos e estúdios de gravação nas comunidades indígenas Kaingang de Nonoai, no Noroeste gaúcho, e Canela, no Nordeste do estado.
Em defesa dos rios e lagoas
A temática vem da crise hídrica brasileira e da importância de preservar e valorizar a água, além dos territórios e cultura Kaingang. A concepção, indicação e seleção das 19 faixas foi realizada pelos Kaingang em cada um dos territórios e os laboratórios artísticos e interdisciplinares reuniram kujá (pajés), músicos, artistas visuais e produtores culturais não indígenas, nos territórios Konhún Mag, em Canela, e Nürvenh, em Nonoai, entre outubro de 2022 e janeiro de 2023.
Seu repertório inclui músicas inéditas criadas para o próprio álbum durante o período de laboratório. Também traz outras canções tradicionais, passadas de geração em geração, que remetem ao gufã (tempo antigo e mítico, geralmente tendo a ver com flora, rios, território, alimentos e animais presentes nas histórias).
Entre os instrumentos utilizados estão o violão taquara, chocalho, flauta de bambu e apito.
“Um convite para outras formas de entender o mundo”
"Nasci neste rio lindo que vem tentando sobreviver e a música que canto conheci com meu avô", diz Iracema Gah Teh, 59 anos, líder indígena e kujá envolvida em toda realização do álbum. Em cada faixa estão presentes os sons das águas de rios, lagos e cachoeiras pelo fato dos indígenas se sentirem mais inspirados a cantar sobre a água estando perto ou dentro dela.
De acordo com os produtores de Tela Indígena, a valorização precisa acontecer dentro e fora dos territórios indígenas. "O álbum é um convite para outras formas de entender o mundo e as relações com as águas, florestas e ambiente. Tem um caráter criativo e formativo no qual os artistas indígenas conhecem, participam e conduzem todas as etapas", explica Geórgia Macedo, antropóloga e uma das integrantes da produtora.
Lançamento também em Brasília
O projeto teve duração de seis dias de laboratório em cada território indígena e envolveu mais de 25 integrantes ao longo de 15 meses de trabalho. A produção musical e edição de áudio é de Thiago Ramil e a identidade visual é da professora e artista indígena Vera Kaninhka e de Amanda Teixeira. Pela Tela Indígena participaram os antropólogos Ana Letícia Schweig, Eduardo Schaan, Geórgia Macedo e Marcus Wittmann, juntamente com a líder indígena e Kujá Iracema Gah Teh.
Goj tej e goj ror conta com financiamento da Lei de Incentivo à Cultura (Lic) e patrocínio do Natura Musical, de um total de 33 projetos selecionados. Além de Porto Alegre, o álbum terá lançamentos nas comunidades indígenas de Nonoai (20/8) e Canela (5/8), onde foi criado, e ainda em Brasília (29/7).
(*) O povo Kaingang concebe dois tipos de água no mundo: Goj tej (água comprida, dos rios) e Goj ror (água redonda, as nascentes, os lagos). Essas águas são complementares, como toda a cosmologia Kaingang, e é na união e troca entre as duas metades que, de acordo com os indígenas, o mundo pode conquistar o equilíbrio. Não só as águas, mas todo universo Kaingang é dividido entre as coisas redondas (ror) e compridas (téj), assim como as pessoas que têm suas marcas passadas de pais para filhos, sendo divididos entre kamé e kajru. As metades (plantas, pessoas, animais e seres) possuem características e comportamentos próprios, e as metades vivem se complementando entre si.
Edição: Katia Marko