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Campesinato

'Trocar sementes é resistência': Festa Camponesa de Rondônia promove oposição ao agronegócio

Troca de Sementes Crioulas foi um dos principais momentos da VII Festa Camponesa, que ocorre em Jaru, Rondônia

Brasil de Fato | Jaru (RO) |
Quem leva sementes assume o compromisso de multiplicá-las e trazer de volta dois anos depois - Divulgação/Festa Camponesa

“Trocar sementes é trocar afetos.” É assim que a ciranda infantil da VII Festa Camponesa da Via Campesina anunciou, com uma mística, o momento da Troca de Sementes Crioulas. Ocorrido na tarde de sábado (15), a atividade foi um dos principais momentos do evento, que aconteceu em Jaru (RO).

Segundo dados da ONU, 75% da diversidade de sementes foi perdida no século passado. No lugar desta diversidade, cresceu a utilização de sementes híbridas ou geneticamente modificadas. Durante a safra 2021/2022, a quantidade de sementes de soja comercializadas pelo agronegócio subiu 6%, atingindo R$ 21 bilhões. No entanto, este mercado volumoso não é o que mobiliza as famílias camponesas em Rondônia, ali as mais de 450 famílias camponesas presentes promovem, ao invés da comercialização, a troca de sementes.

“Realizamos a primeira troca de sementes em 2008, durante o Encontro Estadual de Agroecologia”, conta Fred Santana, da direção estadual do MST em Rondônia. Santana afirma que, desde então, a variedade de sementes trocadas só aumentou. “Em 2008 tivemos 62 variedades de sementes. Neste ano, passamos de 300”, destaca. Entre os destaques, haviam mais de 10 variedades de milho e 40 de feijão.

A principal regra do evento é: proibida a entrada de sementes transgênicas. Por isto, entre as quase 300 variedades presentes, todas são crioulas. “As sementes crioulas são todas as possibilidades que você tem de multiplicação de qualquer vegetal, seja através de grãos, de uma rama, folha, flor, fruto, da própria raiz ou do caule. As sementes crioulas são todas as formas possíveis de multiplicação dos vegetais”, explica Gilberto Schneider, em entrevista para o Brasil de Fato.

O processo de seleção e organização das sementes começa assim que se define a data da festa. “Algumas sementes tem período, não dão todo ano. Então as famílias se organizam de acordo com este ciclo. Ou seja, desde o ano passado, já tem camponeses se organizando”, explica Josiane de Souza, moradora do assentamento 14 de agosto, em Ariquemes, e membro da direção estadual do MST em Rondônia.

A preparação se dá por meio de um processo de coletivização e sensibilização para a importância dos cuidados com as sementes, explica Josiane. A partir daí, seja individual ou em coletivo, as famílias sem organizam para participar da troca. “Esta troca simboliza nossa diversidade e a organização das famílias camponesas”, afirma a dirigente do MST.


Para a Via Campesina as sementes são patrimônio universal dos povos e assim devem ser mantidas / Divulgação/Festa Camponesa

A família de Josiane se preparou junto com outras duas. “Fizemos um trabalho formiguinha mesmo, de modo com que cada família foi coletando, selecionando e organizando o que tem no lote.” Juntas, estas famílias levaram para a Festa Camponesa mudas de plantas, flores e 26 variedades de sementes.

Josiane explica que este é um processo de descoberta das famílias também. “Nesta preparação, tem muitas famílias que descobrem novas sementes em seus lotes. As vezes, tem algumas variedades que as famílias nem sabiam que eram sementes, mas, por conta da Festa, fazem esta descoberta.”

A dirigente acredita que a Troca de Sementes representa um momento de resistência, por meio do cultivo para proliferar estas sementes. “Tem muita semente que é rara, que só uma pessoa traz. Então, esta pessoa, ao trazer esta semente para cá, promove um nível de compartilhamento que envolve famílias do estado inteiro. Deste modo, estas sementes serão reproduzidas, multiplicadas.”

“Este ano, teve uma variedade específica de milho que só uma família trouxe. Aqui, nós conseguimos compartilhar esta semente para outras dez famílias, de lugares diferentes. Estas dez famílias, na próxima Festa, daqui a dois anos, trarão estas mesmas sementes, mas, multiplicadas”, explica.

O combinado existente para a troca é que toda pessoa que pegar uma variedade de semente, assume o compromisso de reproduzi-la e, na próxima edição da Festa Camponesa, trazer de volta a variedade. “Claro que tem muitas pessoas que vem a primeira a vez e não sabem deste combinado. Mas aí mantemos o compartilhamento e reafirmamos este compromisso da volta.”


Festa Camponesa é espaço de celebração e resistência do campesinato frente ao agronegócio / Divulgação/Festa Camponesa

“Eu aprendi sobre as trocas de sementes na Festa Camponesa”, afirma assentada

Cleide Passos é moradora do Assentamento Paraíso das Acácias, município de Candeias, Rondônia, e militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Participando pela quarta vez da festa, ela relata a importância da atividade.

“Eu aprendi sobre as trocas de sementes na Festa Camponesa”, relata Cleide.“Trouxe mudas de rambutã, bacuri, araruta, feijão andú, vagem e semente de açaí nativa”, destaca a assentada que, além de levar a semente nativa do açaí, também comercializou a popa da fruta na Festa Camponesa.

“Eu tô querendo pegar amendoim-cavalo, batata-insulina e batata-beterraba”, releva. E a organização para a troca é muito bem preparada. Só depois da mística é que as sementes podem ser trocadas. No entanto, antes do momento inicial, várias pessoas, inclusive Cleide, já ficam rondando as mesas, à procura das sementes buscadas. Ao encontrá-las, mesmo não sendo autorizada a troca ainda, as pessoas já ficam próximas das variedades pretendidas, para não correrem o risco de sair de mãos vazias.

Para Cleide, a troca de sementes é uma experiência da agricultura camponesa. “Aqui é raro o cultivo de rambutã, mas eu planto em agrofloresta e colho cinco caixas por semana na safra de janeiro a março.”


Mesa das sementes é espaço de troca de experiências e multiplicação de esperanças / Divulgação/Festa Camponesa

Para Via Campesina, sementes são patrimônios dos povos

Estima-se que em um processo de domesticação cada semente dure, em média, 2 mil anos. No entanto, nos últimos 100 anos, o avanço do capitalismo na agricultura fez com que o número de sementes híbridas ou geneticamente modificadas crescesse significativamente. É o que denuncia a Via Campesina.

Articulando 182 organizações, em 81 países e mais de 200 milhões de camponeses, a Via Campesina destaca em seus posicionamentos oficiais que “desde os anos de 1930, nos Estados Unidos, e no pós-guerra na Europa, se levou a cabo transformações científicas, como é o caso das sementes híbridas, ou também proporcionando mutações através de radiação ou meios químicos”. Para a organização, tal processo teve por objetivo desenvolver a indústria alimentícia que ganhava força naquele momento, transformando sementes crioulas e sua enorme diversidade, que impedia a homogeneidade e a padronização.

Em dezembro de 2022, a Coordenação Latino-americana das Organizações Camponesas (CLOC) publicou uma declaração defendendo as sementes crioulas. “As sementes são um patrimônio dos povos à serviço da humanidade e, portanto, o direito às sementes nativas e crioulas é inalienável e irrenunciável”, afirma o documento.

Para denunciar esta situação e defender a existência das sementes crioulas, a Via Campesina mantém, desde 2003, a Campanha Sementes Patrimônio dos Povos a Serviço da Humanidade.

Em sua sétima edição, Festa leva riqueza das famílias camponesas para a cidade

A primeira edição da Festa Camponesa ocorreu em 2009, no município de Ouro Preto (RO). Em sua sétima edição, a atividade envolveu cerca de 450 famílias assentadas vinculadas à Via Campesina (CPT, IPER, MAB, MPA e MST) em todo estado. Desde sexta-feira, a festa apresenta toda diversidade de produção, alimentos e cultural da agricultura camponesa. Além de Rondônia, delegações do Mato Grosso, Amazonas e da Bolívia participam do evento.

Depois das atividades de formação e mobilização realizadas nos dois primeiros dias (14 e 15), o encerramento da festa ocorreu com a realização do já tradicional Café Camponês.


Edição: Marcelo Ferreira e Marcos Corbari