Especialistas indicam que já estamos a 90 segundos da meia noite, hora marcada para o fim dos tempos
Crise ambiental passou a ser inegável. E não está vindo sozinha.
Nesta semana lemos sobre o derretimento da tal de “geleira do apocalipse”, que só com o nome já assusta. Pois bem, segundo a revista Nature, que é poderosa, o degelo parcial daquela coisa tende a elevar o nível do mar em mais de 70 centímetros, devastando comunidades costeiras em todo o planeta.
E, para piorar, o colapso total daquela geleira deverá elevar o nível dos oceanos em 3 metros, antecipando em um milênio o que Kevin Reynolds projetou no filme Waterworld, onde Kevin Costner faz o papel de um galã mutante com gerlas de peixe e pés de sapo.
Para completar, previsões de especialistas que acompanham o conjunto de ameaças à vida (questões biológicas, nucleares, climáticas e suas interfaces com avanços em geotecnologias, nanotecnologias, engenharias genéticas, biologias sintéticas e coisas do gênero) indicam que já estamos a apenas 90 segundos da meia noite, hora marcada para o fim dos tempos. Dos nossos tempos, mas também de todas as espécies que carregaremos conosco, rumo ao apagamento.
Como seria de esperar, informações deste tipo vêm acelerando projeções de pesadelos que alteram nosso imaginário e nosso comportamento, nos fazendo, em certo sentido, menos humanos.
Vejam a ideia de futuro.
Há poucas décadas nossos sonhos individuais/familiares se orientavam para aquela casinha sem grades, com jardim, em ambiente sadio, com vizinhos dividindo churrascos, acampamentos e pescarias. Espaços de trocas comunitárias, parcerias e construções coletivas em cidades pequenas.
Hoje não há lugar para isso. Prevalecem imagens completamente diversas.
No limite, está valendo aquele primeiro filme da Série Matrix: ali os sonhos amenos e até as mais ardentes utopias caem por terra, desmascarados como fantasias alimentadas por mecanismos de vampirização da bionergia humana. Extrativismo e escravidão sofisticados no mais alto grau. Naquele futuro, a humanidade inteira se torna um ativo energético, um provedor de algo útil para seus senhores. Algo a ser capturado pelo aproveitamento racional do que antes seria um tipo de praga extremamente danosa e de difícil controle. Solta, deixada à vontade, nossa espécie se multiplicaria de forma desordenada, como um vírus, e acabaria consumindo todos os recursos do planeta.
No final das contas, exaurida Gaia, a humanidade acabaria destruindo a Casa Comum, matando o hospedeiro de todas as formas de vida. No filme, o grande algoritmo, ao ponderar entre matar a praga, escravizá-la, ou morrer com ela, teria encontrado uma solução de tutela: a escravização consentida, ou algo muito perto disso. Uma espécie de Mega servidão voluntária futurista, pós bolsonarista, na linha do “quanto mais consciente, pior será”. Assustador, mas bastante válido como metáfora. E exatamente por isso, um baita sucesso de público e crítica.
Em outras abordagens a história do fim dos tempos segue por outros caminhos, também tristes.
Em 2007 a editora Planeta publicou um clássico que especulava como seria o Mundo Sem Nós. No livro, Alan Weisman partia da possibilidade de uma pandemia com altas taxas de difusão e mortalidade e desenhava o mecanismo de purificação com que a natureza acabaria apagando os rastros de nossa existência como espécie. Sem nós, em algumas décadas o paraíso voltaria a existir na Terra.
A mesma perspectiva (com algum vírus mortal) tem inspirado vários filmes e livros de ficção. Bioterroristas comprometidos com a proteção da vida, lato senso, pero sin nosotros, empenhados em expandir viroses mortais, acabam sendo impedidos, na hora H, por heróis do mundo capitalista, como 007, Tom Cruise, ou o careca de Velozes e Furiosos, entre outros.
Divertido, mas não fica nisso. Aquelas histórias afetam nossas interpretações a respeito de dramas reais, como nas crises da covid, do Antrax e da AIDS. Nestes casos, como todos sabem, não faltaram especulações a respeito de intencionalidades envolvendo guerras biológicas e genocídios orientados por questões de geopolítica territorial ou pelo desejo de reverter taxas de crescimento populacional, lá e acolá.
De alguma maneira, na história e na ficção, sempre acontecem muitas mortes. Os capangas, nos filmes, e os mais pobres, na vida real. E isso afeta o inconsciente coletivo das multidões. Alimenta medos ocultos. E também ajuda a entender o potencial de manipulação contido naqueles enredos e cenários. No fundo, passado o susto, os que seguem adiante carregam um resíduo que lhes repete, sem parar: se aquilo pode acontecer, mais hora menos hora, vai acontecer.
E assim vamos sendo condicionados a colaborar com o enfrentamento de perigos que nos são apresentados por especialistas em manipulação midiática. O agro pop é a solução para a fome do mundo, precisamos dos transgênicos, da fertilização dos oceanos, da biologia sintética, do escurecimento do sol, dos agrotóxicos e de drones que substituam as abelhas, entre outras coisas do gênero. Não há lugar para reforma agrária, agricultura familiar e camponesa, agroecologia, socialismo, democracia participativa, pequenos povoados e sonhos de saúde coletiva, humana e ambiental.
Encolhemos como gente. Abandonamos as possibilidades de realizar nossas mais generosas e lindas utopias. Acreditamos que não há mais espaço para futuros amistosos e acolhedores.
Talvez isso tenha a ver com o fato de que a esmagadora maioria dos autores de ficção prefere futuros sombrios, onde matar ou morrer se impõe como regra. Não faltam exemplos. Os Mad Max, a Guerra Mundial Z e suas variações envolvendo mortos vivos, robôs e mutantes desesperançados, em megacidades sombrias como aquelas de Ridley Scott em Blade Runner.
Esperanças? Apenas aquelas vinculadas à intervenção mágica das palavras de livros sagrados (como em O livro de Eli, dos irmãos Hughes), ou heróis messiânicos como em “Eu sou a Lenda” de Francis Lawrence. Aliás, neste filme é impossível não sofrer pelo sacrifício do último cachorro amigo. Ou não torcer antes e mais pela aniquilação do que pela cura daqueles mutantes sem alma, os desumanizados pela virose.
E é este o ponto.
Estamos sendo induzidos a não ver que o futuro pode ser diferente, até melhor do que o presente, e que isso em boa parte depende de nós e da perspectiva que adotarmos para interpretar a realidade, suas tendências e nossas possibilidades neste quadro.
Afinal, precisamos acreditar que no futuro só cabem tragédias e distopias? Precisamos mesmo aceitar mecanismos de controle que envenenam nossa vida e impedem a busca de utopias enaltecedoras do espírito humano? Cabem no plano real tão somente a apatia de rebanho ou as soluções mágicas/messiânicas? Faz sentido o abandono da autodeterminação e o descarte antecipado de alternativas que deveríamos estar empenhados/as em construir?
Parece que não.
Os dramas da fome, do aquecimento global, dos riscos de guerra e da repercussão de erros tecnológicos pautados por forças de mercado são reais e assim devem ser enfrentados. E até cabem muitas orações. Elas ajudam ampliando a determinação e a confiança. Mas precisaremos de preparação, projetos, lideranças e compromissos para com o futuro.
Como mitigar os dramas da desigualdade e os efeitos do aquecimento global, sem sacrificar as ilhas de abundância? Como estimular mudanças de hábitos e expectativas, sem negociação de uma métrica de justiça, que privilegia as crianças? Todas as crianças? Todas elas.
Isto com certeza vai exigir sacrifícios.
E os adultos precisarão tomar consciência de sua condição de adultos e da dimensão do esforço que lhes cabe, como tal. Temos a liderança política, mas ainda nos falta uma consciência cidadã, necessária para renovação de utopias ancoradas em acordos coletivos que desmistifiquem a suposta inviabilidade dos sacrifícios necessários, no presente, para construção de segurança no futuro.
Ou obtemos isso, ampliando o apoio a Lula, já, ou entraremos em colapso antes dos ponteiros daquele relógio do destino marcarem o último segundo.
Seja como for, e ainda que os piores presságios se realizem, com os fascistas retornando ampliados em sua capacidade de interferir em tudo, com a geleira do apocalipse derretendo de vez, com a guerra nuclear estourando ou com aquela pandemia definitiva nos transformando em zumbis, se antes disso retomarmos nossa condição humana e trabalharmos pela construção de uma utopia que dê sentido à vida, por uma sociedade menos injusta e mais amistosa à esta parte da Casa Comum, valerá a pena ter estado aqui.
Sugestão de vídeo:
No Análise da Notícia, com José Roberto de Toledo e Kennedy Alencar, o economista e sociólogo Marcelo Medeiros fala sobre sustentabilidade, crise climática e mais.
Uma Música? a da Portugal socialista!
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko