Rio Grande do Sul

QUESTÃO AGRÁRIA

'Sem a terra não há democracia': CPT denuncia violência no campo e promove apoio aos movimentos

Organizações e movimentos sociais participaram da atividade que fez parte da programação da Feicoop em Santa Maria (RS)

Brasil de Fato | Santa Maria (RS) |
Lançamento de publicação e ato em apoio a movimentos foi realizada durante a programação da Feicoop, em Santa maria (RS) - Foto: Katia Marko

O palco da Feira Internacional do Cooperativismo e Economia Solidária de Santa Maria (RS) mais uma vez foi espaço para um ato simbólico de denúncia e solidariedade. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) foi responsável por puxar a frente da atividade que envolveu o lançamento da edição do relatório “Conflitos no Campo Brasil 2022” com dados sobre violência e violações praticadas contra as populações camponesas no último período, abrindo espaço ainda para a realização de um grande ato de solidariedade e desagravo os movimentos sociais ligados ao campo frente ao aumento das ações de criminalização que têm sido vítimas.A atividade foi realizada na tarde do último sábado (8).

O ato contou com o apoio do Instituto Cultural Padre Josimo (ICPJ), campanha contra Violência no Campo, Cáritas Brasil, Semana Social Brasileira, Conselho Indigenista Missionário e Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do RS (Consea/RS). Integrantes da Via Campesina como o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) – que tem sofrido ações de judicialização no estado – e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) – que está sendo atacado através de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara Federal – também estiveram presentes. O deputado federal Dionilso Marcon (PT-RS), que integra a chamada “CPI do MST” participou e se somou às ações.


Violência contra os povos dos campos, das águas e das florestas chegou a níveis alarmantes no último ano / Foto: Corbari/Brasil de Fato

Publicação registra casos de violência

A 38ª edição do livro “Conflitos no Campo Brasil” traz os dados compilados pela CPT referentes a luta dos diversos povos da terra, sistematizando as ocorrências de violência e violação de direitos dos povos do campo. São inúmeras formas de violência que as comunidades do campo sofrem, violência praticada pelo latifúndio, muitas vezes pelas mãos de seus capangas que são contratados para queimar casas e roçados e ameaçar a vida das lideranças, dos trabalhadores e trabalhadoras do campo”, denuncia o agente da CPT no RS, Luiz Pasinatto.

“Para nós fazer o lançamento deste livro é trazer a memória, a dor e a tristeza de tantas pessoas que tombaram em luta pela terra, pela partilha, em busca de um pedaço de chão para produzir o alimento sadio que nós comemos, fruto da agricultura familiar, fruto de pessoas que estão lutando para produzir e matar a fome do povo”, acrescentou.

Os principais dados da publicação foram apresentados pelo agente da CPT Maurício Queiroz, frisando que em 2022 foram registradas 2.018 ocorrências de conflitos no campo, que envolveram 909.450 pessoas. As ocorrências de conflitos incluem as ações de violência contra os povos do campo e as ações de resistência empreendidas por estes mesmos povos (ocupações/retomadas e acampamentos). Do total de ocorrências neste ano, 1.946, ou seja, 96,4%, são de ações violentas contra essas comunidades e seus integrantes.

"Mais uma vez, temos um número estarrecedor de assassinatos em conflitos: 47 pessoas perderam a vida. A apresentação do livro informa que em 2022 a CPT reforçou o alerta sobre as violações, confirmando a comprovação de que o governo militar-empresarial que se encerrou foi o mais violento para os povos do campo, das águas e das florestas, desde que a CPT passou a registrar esses conflitos, em meados da década de 1980", destacou.

No último período há um recuo nas ações de ocupação/retomada e acampamento, principalmente após o golpe contra Dilma Rousseff em 2016. Em média, no total, durante o governo Bolsonaro houve 1.981,25 ocorrências de conflitos por ano, número consideravelmente maior que a média de 1.560,67 ocorrências de conflitos durante o governo Temer e do que a média de 1.340,67 conflitos por ano no segundo governo de Dilma.

Na avaliação da CPT, os números traduzem na prática o discurso de Bolsonaro no incentivo à violência e à invasão dos territórios, assim como reverberam a contra-reforma agrária empreendida desde o governo Temer e a paralisação dos processos demarcatórios de territórios tradicionais, com o avanço violento do agronegócio e da mineração contra os povos do campo, das águas e das florestas.


Mística: cantor e compositor Zé Martins interpretou canções do grupo Unamérica durante o ato / Foto: Corbari/Brasil de Fato

CPI visa criminalizar MST e imobilizar governo

Maurício Roman, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), denunciou o uso político da CPI que está em curso na Câmara Federal que o movimento tem chamado de “CPI agromiliciana” visto que a maior parte dos integrantes são vinculados ao setor do agronegócio ou as milícias. Conforme o dirigente, essa é a quinta vez que o movimento é vítima de uma ação semelhante no Parlamento.

“O movimento não é bandido, nós somos uma organização legítima, no Brasil nós já conquistamos mais de 1 milhão de hectares de terras para a Reforma Agrária onde nós produzimos, temos assentamentos, cooperativas e escolas nos territórios”, afirma. “Nós apenas estamos lutando a luta justa pela democratização da terra que não cumpre sua função social. O que devia estar sendo discutido nesse país não é a CPI do MST e sim como o governo vai acabar com a fome, como vai fazer valer a função social da terra”, concluiu.


Maurício Roman, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), denunciou o uso político da CPI que está em curso na Câmara Federal / Foto: Katia Marko

O deputado federal Dionilso Marcon (PT/RS) expressou que os movimentos sociais respeitam as instituições e têm compromisso com a democracia, mas o contrário não pode ser observado nas forças que se aglutinaram contra o MST e demais organizações sociais e populares ligadas ao campo, vide as ações que no último período têm sido orquestradas contra os trabalhadores e as trabalhadoras, contra o governo e até mesmo contra a democracia. “Naquela comissão eles chamam os sem terra e demais movimentos de bandidos, tentam de todas as formas criminalizar quem está lutando para produzir alimentos para acabar com a fome no Brasil, não aceitam quem respeita a democracia”, afirmou.

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Respondendo àqueles e àquelas que ofendem os camponeses e sem terras, Marcon lembrou que embora os defensores de Bolsonaro e opositores de Lula gostem de utilizar ofensas e adjetivos pejorativos para ofender os movimentos, a CPI tem como presidente uma figura como Ricardo Salles (PL/SP), que quando estava no comando do Ministério do Meio Ambiente propôs “passar a boiada” sobre a legislação, e conta ainda com deputados como Zé Trovão (PL/SC), que chegou a fugir do país por ser investigado por crimes contra a democracia e teve que utilizar tornozeleira eletrônica no dia da sua posse.

“Para mim está claro que a CPI do MST está aí para tentar contrapor a CPI do 8 de janeiro, tirar a atenção dos criminosos que cometeram e financiaram os atos fascistas antidemocráticos e a tentativa de golpe”, afirmou o deputado. “Querem impedir o governo de investir na Reforma Agrária, na manutenção dos pequenos agricultores na terra, na produção de alimentos para matar a fome do povo, investir na educação, na saúde, na defesa do meio ambiente”, acrescentou.


“Para mim está claro que a CPI do MST está aí para tentar contrapor a CPI do 8 de janeiro, tirar a atenção dos criminosos que cometeram e financiaram a tentativa de golpe”, afirmou o deputado / Foto: Katia Marko

Segundo Marcon, assim como das outras vezes que tentaram se articular em CPI contra os movimentos, novamente não vão ter sucesso, não vão conseguir deter os movimentos que caminham com o povo e muito menos o governo que está comprometido com a reconstrução do país que foi destruído pelo governo que eles apoiavam no mandato anterior.

Finalizando sua fala, Marcon garantiu que o governo vai seguir avançando nas pautas progressistas e que a base aliada está atenta para que os movimentos sociais sejam tratados com o respeito que merecem. Citou como exemplo o Plano Safra da agricultura camponesa e familiar, lançado na última semana, que recolocou o setor que de fato produz alimentos – e alimentos saudáveis – para o povo brasileiro no orçamento da União. “Viva o MST! Viva os movimentos sociais e populares! Viva a democracia!”, saudou o parlamentar.


"Sem terra não há democracia" foi a mensagem síntese do ato realizado no último sábado (8) / Foto: Corbari/Brasil de Fato

Movimentos e organizações expressam apoio

Frei João Osmar, do Instituto Cultural Padre Josimo, relembrou que o personagem que dá nome à sua organização é uma das vítimas da violência contra os povos dos campos, águas e florestas, reforçando o compromisso de seguir na linha de frente junto com os demais movimentos para a construção de um país onde se respeite o povo trabalhador do campo e da cidade e seja possível efetivar o desafio do Papa Francisco em seu encontro com os movimentos sociais: “Nenhuma família sem teto, nenhum camponês ou camponesa sem terra, nenhum trabalhador ou trabalhadora sem direitos”.

Letícia Chimini, da direção do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA-RS) e da Campanha Contra a Violência no Campo relembrou as palavras de ordem que nortearam a luta camponesa no último período: “Quem alimenta o Brasil exige respeito”. Afirmou que a criminalização do MST que está em curso na CPI tem um foco ampliado, visando atingir a todos os movimentos e organizações do campesinato organizado. “Mas nós seguimos insistindo, seguimos produzindo, seguimos defendendo a agroecologia, a luta pela terra e pelos territórios, a luta pela Reforma Agrária Popular”, garantiu a dirigente.


Representantes dos movimentos receberam o livro “Conflitos no Campo Brasil 2022” da CPT / Foto: Katia Marko

Juliano Ferreira de Sá, presidente do Consea-RS, denunciou que justamente no momento em que mais aumentou a violência no campo, mais aumentou a fome e as desigualdades no Brasil. “A fome é um projeto político, é resultado desse sistema econômico agroalimentar que exclui”, afirmou. Para ele, “são os movimentos que fazem a boa luta, levam solidariedade e esperança para resistir e enfrentar o projeto da morte”.

Juliano aponta que para novamente tirar o Brasil do Mapa da Fome e cessar a violência no campo é preciso fazer mais, avançar mais. “Precisamos que as políticas públicas do novo governo cheguem lá na ponta, precisamos reconhecer as iniciativas populares, aproximar o campo e a cidade com políticas públicas de fortalecimento da produção e acesso ao alimento.”

“Não podemos admitir que em um país com tanta riqueza e fartura como o Brasil, com tanta terra, ainda existam crianças morrendo de fome”, denunciou a militante Oldi Helena Jantsch, mais conhecida pelo apelido de Tiririca, que falou em nome da Via Campesina. Fez um chamado emocionado para que todos, todas e todes se disponham a somar forças na luta que os movimentos vêm empreendendo. “Queremos dizer que chega de latifúndio, chega de violência, chega de veneno, queremos dizer sim à agroecologia, sim à Reforma Agrária, sim a partilha da terra.”


Publicação está disponível para venda na loja online da CPT ou disponível para download gratuito / Foto: Corbari/Brasil de Fato

O livro “Conflitos no Campo Brasil 2022” pode ser adquirido através do site da CPT em versão impressa por R$ 30,00 ou acessada via download de forma gratuita no formato PDF. No site da CPT podem ser encontrados ainda edições anteriores da publicação para aquisição ou download. Os dados sistematizados são disponibilizados pela comissão para acesso público.


Edição: Katia Marko