O que o Estadão propõe é irreal. Um liberalismo com inclusão social é uma contradição em termos
O jornal O Estado de São Paulo publicou neste dia 3 de julho um editorial, cujo o título é A reinvenção da direita brasileira. Em tal editorial, o jornal – que desde a República Velha se mantém persistentemente vinculado às oligarquias e seus sucedâneos – defende a tese de que a recente decretação de inelegibilidade de Jair Bolsonaro seria uma abertura de oportunidade política para que a direita verdadeiramente conservadora renasça.
Considera, o editorial, que Jair Bolsonaro não é uma expressão do que seria um conservadorismo verdadeiro. Deduz-se pelo texto que o conservadorismo estaria vinculado ao liberalismo e este, por sua vez, apartado das ideologias. As ideologias, aliás, teriam causado o grave problema da distorção do conceito de liberalismo.
Pugna por algum tipo de revisão autocrítica do conservadorismo brasileiro “reconhecendo sua complacência em relação às desigualdades sociais”. Afirma que os pilares desse verdadeiro conservadorismo seriam os valores do que seria a identidade do liberalismo: pluralidade da sociedade, progresso por meio de reformas, desconfiança da concentração de poder e defesa dos direitos pessoais, políticos e de propriedade.
O Estadão lança mão de um batido, mas nem por isso ineficaz, estratagema ideológico. Descredenciar como ideologia todas as assertivas, inclusive científicas, que não foram de seu agrado ou conveniência. A superioridade de seu sistema de conceitos viria, não da justiça social tão oportunamente incluída no rol das preocupações do conservadorismo defendido no editorial, mas da desideologia do liberalismo, de sua tecnicidade.
Esses argumentos não são nada novos[1] porém, continuam impactando muito setores médios, base social do conservadorismo. O apoio ao que hoje podemos chamar de “lavajatismo”, nos referindo a ele como uma corrente política, expressa o apelo que a ideia de higienização da política tem nos setores médios e potencialmente conservadores. Contudo, essa higienização da política é em verdade uma rejeição a qualquer ideia de igualdade, os seja de ascensão econômica e política dos setores mais empobrecidos da sociedade.
Os argumentos do Estadão são repetitivos. A democracia necessariamente precisaria ser dirigida pelo conservadorismo para ser eficiente e garantir a pluralidade e a propriedade e os direitos pessoais(sic). Contudo, essa não é a realidade nem a história. Em via de regra, quando a democracia permite que “os de baixo” se movimentem e conquistem ou consolidem seus direitos pessoais através dos direitos sociais, resultando por óbvio em uma divisão maior da acumulação de capital, conservadores não hesitam em romper a democracia para garantir o poder político.
O esforço de se distanciar do “verdadeiro conservadorismo” da extrema direita feito pelo Estadão é irreal. Não adianta caracterizar Bolsonaro como demagogo. Ao contrário, ao eleger esse adjetivo como o principal, demonstra que o inaceitável é a ruptura da hierarquia e que o conservadorismo realmente existente não tem vínculos tão fortes assim com a democracia, pois não tolera as possibilidades distributivistas que ela pode conter.
A extrema direita, assim, não pode ser considerada um raio em céu azul. A extrema direita ao credenciar-se como o partido do reacionarismo, da rejeição e combate ao mundo pós moderno e a plêiade de desordem e ruptura que pode produzir, passa a ser a forma melhor acabada do conservadorismo.
A estratégia dos conservadores Franz von Papen e Kurt von Schleicher (1932–1933) de entregar o governo a Adolf Hitler não se deu pela força do Partido Nazista – como fazem crer algumas narrativas apressadas - mas para conter o crescimento dos movimentos de trabalhadores e de esquerda na Alemanha. Os conservadores não titubearam em abdicar da democracia para manter a propriedade.
O que o Estadão propõe é irreal. Um liberalismo com inclusão social é uma contradição em termos. Não será com um ou outro editorial que o conservadorismo e o liberalismo brasileiro apagarão seu vínculo funcional com a extrema direita e, tampouco, há evidências sólidas que o farão no futuro próximo. Nunca se sabe onde vai parar a democracia.
[1] Ficaram muito famosos a partir dos anos 1990 com a superexposição de Francis Fukuyama e se seus artigos “O fim da história?” e ‘O fim da história e o último homem”.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko