Com gritos de viva o SUS, encerrou, no final da tarde desta sexta-feira (30), a visita do presidente República, Luiz Inácio Lula da Silva, na inauguração dos blocos B e C do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Antes, ele almoçou com o governador do estado, Eduardo Leite, e ex-governadores no Palácio Piratini, e pela manhã entregou um conjunto habitacional do Minha Casa Minha Vida em Viamão. É a primeira vez na história que um presidente da República visita o hospital.
Os blocos ampliaram em 70% a estrutura física da instituição, chegando ao total de 230 mil m². O valor total investido na expansão foi de R$ 555,5 milhões, com recursos exclusivos do Ministério da Educação (MEC), que priorizou a verba no Plano Plurianual – em 2011 e 2012 –, na gestão da presidenta Dilma Rousseff. As verbas aplicadas são do MEC porque o HCPA é uma instituição universitária.
A conclusão da obra ocorreu no final de 2019, mas o planejamento de ocupação foi postergado para que a estrutura fosse utilizada emergencialmente no enfrentamento da pandemia da covid-19, consolidando o HCPA como o maior centro de referência no tratamento de alta complexidade da doença no Rio Grande do Sul. De acordo com a assessoria da entidade, passados os momentos mais graves, a ocupação ocorreu gradualmente. Recentemente, foi migrado o Bloco Cirúrgico, que funciona atualmente com 13 salas, mas tem capacidade de ampliação para 40. Futuramente, os blocos B e C devem abrigar novas áreas de Hemodiálise, Endoscopia, Centro de Infusões e Centro Integrado de Oncologia, entre outras.
No almoço o governador e o presidente trataram da estiagem que atingiu o estado, de projetos de irrigação para a agricultura gaúcha, do projeto do gasoduto de Vaca Muerta, na Argentina (que pode ter como porta de entrada para o Brasil o município de Uruguaiana) e outros temas prioritários, como os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Ineditismo e reconhecimento da saúde, educação e ciência
A fala da estudante de Medicina Marilza Vallejo Belchior, mulher negra emocionou o presidente e o público presente. "Sou uma mulher preta, oriunda da escola pública e no final do curso de Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul cujo hospital escola é o Hospital de Clínicas. Há três motivos para que eu esteja aqui hoje, o primeiro é o meu esforço e dedicação para alcançar meus sonhos. O segundo é o esforço de meus pais e o terceiro e muito determinante foram as ações afirmativas. Eu sou cotista por escola pública e étnica, e eu posso dizer que deu certo. Eu e quem eu represento, estamos chegando lá”, afirmou a estudante.
Representante dos funcionários no Conselho do HCPA, André Tiago Tartas, que trabalha na área da segurança, lembrou que a representação dos trabalhadores nas empresas públicas com direito a participação nas decisões foi viabilizada por lei sancionada em 2010, durante o governo de Lula. “Hoje é um dia especial para nosso Hospital que pela primeira vez recebe a visita de um presidente. Somos mais de sete mil trabalhadores das mais diversas áreas que trabalham para oferecer o melhor para a população. Senhor presidente, aqui ninguém solta a mão de ninguém”, afirmou, destacando que a entidade está inaugurando dois prédios com recursos liberados no governo Dilma, “que estão prontos para aumentar os atendimentos ao SUS com o apoio de seu governo’, complementou.
A diretora-presidente do Hospital das Clínicas de Porto Alegre, Nadine Clausell, destacou que o Hospital das Clínicas é um hospital público, universitário, que presta uma assistência à saúde de excelência com educação em saúde. Assim como apontado por André, a dirigente destacou o ineditismo da visita presidencial. “Mesmo sendo o hospital escola da Ufrgs há mais de cinco décadas nunca tivemos a visita de um presidente da República. Estamos duplamente honrados, primeiro pela presença, segundo por ter aqui um presidente e sua equipe que acreditam nos mesmos valores que nós, saúde, educação. Sabemos que esses dois são pilares para formar uma sociedade mais justa e igualitária.”
Ela pontuou que nos mais de 10 mil trabalhadores da entidade, 70% é composta de mulheres. A dirigente também destacou o papel do hospital durante a pandemia e a referência que o mesmo foi durante o período. “Todo nosso plano de ocupação (dos dois blocos) foi sustado e rapidamente nos organizamos e atendemos mais de cinco mil pacientes com covid em CTI. E fizemos também um trabalho muito forte de conscientização do uso da máscara, conscientização das vacinas. O hospital foi uma referência não só na assistência, mas também com produção do conhecimento. Batemos sempre na mesma tecla, da importância do respeito à ciência para podermos vencer a pandemia.”
Reconstrução da saúde
Durante o evento, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, assinou duas portarias destinando recursos para hospitais do Rio Grande do Sul. A primeira, de nº 771, destinou R$ 2,4 milhões para a habilitação de uma unidade de Alta Complexidade em Oncologia na Santa Casa de Misericórdia de Bagé. A segunda, de nº 772, destinou R$ 164 milhões para o atendimento de média e alta complexidade em hospitais de Caxias do Sul, Guaíba e Santa Maria. Conforme destacou a ministra, os investimentos fazem parte de uma política de regionalização da saúde.
Em sua intervenção a ministra frisou a importância de reconstruir a saúde, e pontuou que o HCPA será um modelo para nos inspirar a reconstrução. “Vamos fortalecer todos os programas que retomamos no terceiro governo do presidente Lula, o Mais Médicos, Farmácia Popular, fortalecer a vacinação, estamos com o Zé Gotinha também. Vamos trabalhar ainda na política das pessoas com deficiência. A esperança voltou e o trabalho de cuidar do povo, fortalecer o SUS. Esse trabalho só é possível com os trabalhadores e trabalhadoras do SUS, e reafirmo o compromisso do governo Lula com a valorização das categorias, com a valorização da enfermagem e com todo esse trabalho. Vamos trabalhador juntos pela reconstrução do SUS”, ressaltou.
Na mesma linha, o ministro da Educação, Camilo Santana, destacou a atuação de todos os profissionais da saúde que enfrentaram a pandemia. “Que resgataram a vida de homens e mulheres. Sabemos o quanto passamos com o negacionismo, de um governo que negou a vacina, que negou a ciência, mas estamos de volta.”
O ministro ressaltou a importância da educação e da reconstrução do setor. “Quando chegamos no ministério era um verdadeiro desmonte das suas políticas. Em seis meses só para o RS o ministério já repassou mais de 1 bilhão e 800 milhões de reais’, expôs, pontuando que o ato de hoje envolve duas áreas que são fundamentais para as pessoas (educação e saúde). “Durante muito tempo negaram a pesquisa nesse país. A pandemia mostrou a importância do SUS."
Exaltação do SUS e a volta de sonhar e esperançar
Com a participação de diversos funcionários do hospital e aberto ao público em geral, o presidente Lula encerrou o evento. Com quase 20 minutos, seu pronunciamento enfatizou a importância do Sistema Único de Saúde. Ele recordou que juntamente com Olívio Dutra, e posteriormente Tarso, então deputados constituintes, participaram da criação do SUS.
“Quando o SUS foi promulgado, a gente estava fazendo uma coisa que nenhum país do mundo, com mais de 100 milhões de habitantes, conseguiu fazer, que foi a tentativa de universalizar a saúde nesse país. Universalizar é sempre muito complicado, porque significa você dar a todas as pessoas a oportunidade e o direito de ter acesso a uma saúde de qualidade, e uma saúde que possa atender às necessidades das pessoas. Para que o SUS desse certo, era preciso que houvesse uma consciência pública e privada da importância de criar o Sistema Único de Saúde.”
Ele destacou que naquele momento muita gente da rede privada se colocou contra o sistema, e das décadas de criticas e de tratamento pejorativo dos meios de comunicação. “Vocês acompanharam quantas décadas o SUS só aparecia no meio de comunicação de forma pejorativa. Muitas vezes o SUS atendia mil pessoas, mas se uma pessoa não fosse bem atendida, era aquela pessoa que aparecia na imprensa”, disse.
Lula também ressaltou que precisou acontecer uma desgraça no mundo, uma pandemia, ter um governo negacionista para que o SUS pudesse, "com todo o sacrifício da falta de recursos, mas com dedicação de homens e mulheres que de forma extraordinária colocaram a sua própria vida em risco para salvar a vida de outras pessoas, ser respeitado como jamais havia sido. Hoje mesmo as pessoas que criticavam o SUS são obrigadas a se curvar e agradecer. Morreram 700 mil pessoas neste país. Poderia ter morrido mais de um milhão se não houvesse a dedicação dos funcionários do SUS”, afirmou.
De acordo com o presidente a inauguração de uma obra que transforma o Hospital de Clínicas em um dos centros de excelência mais importantes do país mostra que “um outro país é possível”.
“Por que todas as meninas desse país não podem ser como a nossa estudante que veio aqui, emocionada, dizer que teve a oportunidade de fazer uma universidade? Por que todos não podem ter? Por que o país não pode ser melhor? Por que que a pessoa não pode comer três vezes ao dia? Por que não pode ter um emprego mais decente? A gente pode”, defendeu.
“A gente quer viver bem, dignamente. O que é que justifica a fome? O que é que o indivíduo estar morando na rua? O que é que justifica a violência que nós estamos vivendo todos os dias? A violência contra a mulher? A razão disso é porque nós precisamos falar mais em amor, solidariedade, fraternidade. Agente precisa aprender, olhar com mais carinho para o outro. A gente tem que se olhar, tem que reconhecer, tem que conversar, tem que se abraçar para que a gente possa construir o mundo que nós precisamos construir”, finalizou.
Também se manifestou o ministro chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Paulo Pimenta, que destacou o negacionismo do governo anterior. “O Brasil voltou depois de um longo inverno, o inverno sempre acaba e chega a primavera”, afirmou. O nome do ex-presidente Jair Bolsonaro nunca foi mencionado no ato, contudo o público gritou “inelegível”, em alusão ao julgamento encerrado ontem (30) no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O prefeito Sebastião Melo (MDB), em sua fala breve, reforçou o papel da democracia e dos pilares que a sustentam como respeitar quem pensa diferente. Também pontuou que se o SUS de Porto Alegre tem a qualidade que tem é graças ao HCPA. “Quando os entes federados, municípios, estado e união andam juntos a vida do povo melhora." Ele fez um apelo ao presidente para que a reforma tributária, em discussão no Congresso, não retire recursos dos municípios.
Também do MDB, o vice-governador Gabriel Souza, pontuou que o governo é reconhecedor de quanto o presidente tem empreendido no restabelecimento republicano e constitucional das relações federativas. “Que é aquilo que temos que fazer sempre quando eleitos, independente das nossas opiniões políticas ou ideologias, precisamos lutar sempre para somar esforços e resolver o problema das pessoas. Entendemos que temos que trabalhar em conjunto para melhorar a vida da população.” Saudou a ajuda do governo federal nos esforços de reconstrução das áreas do estado devastadas pela passagem do ciclone extratropical entre os dias 15 e 16 de junho.
“Essas relações devem continuar e se aprofundar. Temos ainda muitos desafios também na área da saúde. Um deles o pagamento do piso da enfermagem”, citando a manifestação realizada por profissionais da saúde que ocorreu em frente ao hospital. Pontuou que apesar dos esforços recentes do governo federal para a liberação de verbas para a área, os estados ainda precisavam de mais ajuda para garantir o piso.
Estiveram presentes ainda na comitiva do presidente, Janja Lula da Silva, a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, o ministro das Cidades, Jader Filho. Também participaram diversos parlamentares gaúchos.
Edição: Katia Marko