Rio Grande do Sul

Coluna

O silêncio atordoa

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"Segundo pesquisadores, a Amazônia estaria perdendo de maneira tão acentuada sua capacidade de automanutenção, recuperação e resiliência que o colapso, tão logo iniciado, avançará de forma rápida e descontrolada" - Bruno Kelly/Amazônia Rea/HAY
Precisamos abrir os olhos, os braços, o coração, e soltar o verbo, dar voz ao silêncio

Nesta semana o ministro do TSE Raul Araújo votou contra a condenação do inominável, por crime eleitoral.

Sua Excelência, embora reconhecendo que o coiso, aquele-de-quem-não-se-fala-o-nome, havia divulgado informações comprovadamente falsas, ofensivas à nação e ao sistema eleitoral, em rede nacional e pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC), afirmou que ali não haveria “requisito de suficiente gravidade” uma vez que seus (dele, do coiso) seguidores já teriam conhecimento daquelas alegações, e o vídeo com as falas teria sido retirado da internet.

Merece destaque, que sua excelência Raul Araújo também já havia manifestado entendimento que a decisão unânime do TSE, pela inclusão, no processo, da “minuta do golpe” deveria ser rediscutida. Para ele, aquele documento encontrado na casa do ex-ministro da Justiça do coiso, Sr. Anderson Torres, delineando planos para intervenção militar, prisão de ministros do STF e anulação das eleições, por ter sido descoberto fora de prazo, depois das eleições, não mereceria ser levado em conta.

O julgamento continua, a condenação do criminoso é inevitável e a posição de sua excelência coisista tenderá a ser esquecida. Tão simples assim como o fato de que também tende a ser esquecido que nesta semana um homem adulto foi flagrado, levando para seu apartamento, em Brasília, dentro de uma mala, uma criança seminua, sedada e manietada.

Parece que, de silêncio em silêncio, com a acomodação e a maquiagem de crimes inaceitáveis, em breve estaremos afundados num atoleiro de cumplicidades talvez sem saída, ao menos para esta geração. Vejam que já quase esquecemos os crimes praticados na Amazônia, e que muitos brasileiros ainda não conseguem perceber conexões entre genocídios, ecocídios, alguns pareceres definitivos ou atitudes destrambelhadas que ocorrem nas ruas de nossas cidades, com os valores, as causas e as implicações da taxa de juros criminosa estabelecida e mantida por servidores do golpismo encastelados no Banco Central do Brasil.

A inflação caiu a um terço do que era, e silenciamos diante do avanço do caos, em uma sociedade achatada sob o peso da maior taxa de juros real do planeta em uma condição econômica que resfolega, quase parando por falta de investimentos. Até quando vamos suportar calados o dobro do sacrifício imposto a outros povos e a continuidade de fatores que impedem a implementação do projeto de governo escolhido por eleições democráticas de 2022, que os derrotados insistem em anular, seguindo a trilha da ausência de “requisito de suficiente gravidade”, e alimentando a drenagem de recursos públicos, quando 33 milhões de brasileiros passam fome?

Esta taxa de juros, verdadeira sangria que subtrai a capacidade de ação e investimentos por parte do governo eleito, impede o atendimento de necessidades vitais, para milhões de famílias. Nada menos que R$ 740 bilhões, sendo transferidos para rentistas e especuladores que seguem empurrando o país em direção a um ponto sem retorno, de colapso, que tende a anular os avanços ainda tímidos, mas claramente sendo construídos em dimensões relacionadas à geração de empregos, à participação social e à recuperação do orgulho, da esperança e da auto-estima desta nação.

Tudo isso se assemelha ao que acontece na cadeia da vida e pode ser ilustrado pelo que cientistas escrevem a respeito da Amazônia. Ali, combinações de descaso com ações destrutivas estariam atuando de forma a deslocar as redes de sustentação do bioma em direção a um ponto de não retorno. Em outras palavras, segundo aqueles pesquisadores, ou mudamos isso ou “podemos dizer realisticamente que vamos ser a última geração a ver a Amazônia". Literalmente, a Amazônia estaria perdendo de maneira tão acentuada sua capacidade de automanutenção, recuperação e resiliência que o colapso, tão logo iniciado, avançará de forma rápida e descontrolada. Ali está a ideia do caos autoalimentado que estamos evitando de perceber. Aquilo que entre nós surge como uma sociedade armada, que cultiva o ódio e não apenas tolera como é capaz de produzir, multiplicar e estimular as discriminações e a fome e o fato de que, entre nós, homens adultos se atrevem a destruir famílias e símbolos nacionais, a fraudar compra de vacinas e a carregar meninas dopadas, em malas, na capital do país.

Felizmente, na Amazônia, como – assim espero – nesta sociedade em estágio de degradação “a mesma lógica [que causa destruição] pode funcionar de forma contrária. Potencialmente, se aplicarmos pressão positiva, podemos ver rápidas melhoras dos ecossistemas".

Por isso, e como se lê na exortação apostólica pós-sinoidal Querida Amazônia, dirigida pelo Papa Francisco ao Povo de Deus e a Todas as pessoas de Boa Vontade, “é preciso indignar-se... não é salutar habituarmo-nos ao mal; faz-nos mal permitir que nos anestesiem a consciência social enquanto um rastro de dilapidação e, inclusive de morte por toda a nossa região, coloca em perigo a vida de milhões de pessoas”.

Precisamos abrir os olhos, os braços, o coração, e soltar o verbo, como nos exorta Carlinhos Brown, precisamos, todos, dar voz ao silêncio. Nada pior do que morrer aos poucos no silêncio de quem cala, quando deve gritar.

Fora fascistas, fora golpistas!

Vozes do silêncio!

 

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko