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CEAAL, 40 anos: educação popular e democracia

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Assembleia Intermediária da CEAAL 2023 convoca ao compromisso de continuidade da defesa do legado de Paulo Freire - Divulgação
Os tempos são de construir os inéditos viáveis, com sonho e utopia, a partir da realidade do povo

Paulo Freire está tri feliz. O CEAAL, Conselho de Educação Popular da América Latina e Caribe, do qual ele foi o primeiro presidente, está completando 40 anos em 2023. São 40 anos de história, 40 anos de educação popular, de construção de inéditos viáveis, de defesa da democracia.

A Assembleia Intermediária do CEAAL, acontecida em São Paulo entre 19 e 21 de junho, com representação de educadoras e educadores populares de diferentes países da América Latina e Caribe, teve como eixos centrais “Caminando hacia la participación de nuestros pueblos” e “Por una educación popular emancipadora”. Ou seja, os povos latino-americanos e caribenhos, especialmente os mais pobres entre os pobres, participam, têm voz e vez, através de uma educação popular conscientizadora e libertadora, de acordo com o pensamento e a pedagogia de Paulo Freire.

Foram dias de celebração, com muita mística, abençoados pela música latino-americana e caribenha, e mil abraços de vida e esperança.

As quatro décadas de história do CEAAL foram assim assinaladas e resumidas na Assembleia Intermediária.

Década de 1982 a 1992: “Energia revolucionária. Conquista da democracia. Respondendo ao povo.” Paulo Freire retornou ao Brasil depois de longo exílio durante a ditadura no final dos anos 1970, início dos anos 1980, e aceitou ser secretário municipal de Educação da capital São Paulo, colocando a educação popular em diálogo com a educação formal, como nunca se viu antes na história brasileira.  

O CEAAL surgiu em 1983. Sua primeira década traduziu-se em processos de construção e reconstrução da democracia. Aconteceram eleições livres e diretas no Brasil e outros países, surgiu o Orçamento Participativo, OP, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil, o povo decidindo sobre as políticas e os recursos públicos. Tudo isso à base da educação popular, através e com processos de formação, organização e lutas populares. Foi uma década de florescimento da democracia.

Década de 1993 a 2003: “Democratizar a democracia. Refundamentação da educação popular.” Surge o Fórum Social Mundial, FSM, em 2001, mais uma vez em Porto Alegre, anunciando ´um outro mundo possível´, a ser construído coletiva e solidariamente, com base na educação popular. Paulo Freire partiu fisicamente em maio de 1997, mas permaneceu vivo em almas e corações. Não foi uma década fácil, o neoliberalismo foi sendo implantado em diferentes países, mas a resistência ativa do povo fluiu e refluiu com coragem, fé e esperança.   

Década de 2004 a 2014: “Reflorescimento dos movimentos sociais. Governos progressistas na América Latina.” O neoliberalismo é derrotado política e eleitoralmente em diferentes países. Acontecem governos democrático-populares, com políticas públicas construídas com participação popular, como, por exemplo, o Fome Zero no Brasil, estimulado pela frase histórica de Frei Betto: “Matar a fome de pão, sim, em primeiro lugar. Mas junto, e ao mesmo tempo, saciar a sede de beleza”. O que aconteceu a partir da Rede de Educação Cidadã, RECID, da PNEP-SUS, Política nacional de Educação Popular em Saúde, do Marco de Referência da Educação Popular social para as Políticas Públicas, da Política nacional de Participação Social, das Políticas de Formação de Ecosol, Economia Solidária, e construção, interrompida por um golpe no Brasil, da PNEP, da Política Nacional de Educação Popular.

Assim também em outros países, o povo organizado, via educação popular e governos democrático-populares, enfrentou as tradicionais e sempre presentes elites conservadoras, promotoras da exclusão social e da desigualdade, quando não de ditaduras. Paulo Freire, finalmente, foi declarado anistiado político em 2009. E legal e oficialmente, com toda justiça, em 2012, Paulo Freire, por lei do Congresso nacional brasileiro, Patrono da Educação brasileira.

Década de 2015 a 2023: “Construção do movimento educação popular na América Latina e Caribe. Centenário de Paulo Freire. Fortalecimento do CEAAL como movimento.” Os ataques a Paulo Freire e à educação popular exigiram uma Campanha em Defesa do Legado de Paulo Freire. As celebrações do seu centenário na América Latina e Caribe, África e mundo inteiro, em 2021, aconteceram com festa, homenagens e muitos debates. O CEAAL não é mais apenas um Conselho. Assume-se como movimento a impulsionar a educação popular, a participação popular e a democracia.   

Os desafios em 2023 são muitos. Nas palavras de Paulo Freire, a hora é de ESPERANÇAR, ou seja, de construir a esperança. Os tempos são de colocar, em primeiro lugar, ser movimento, e não apenas ser instituição; de construir os inéditos viáveis, com sonho e utopia, a partir da realidade e da vida concreta do povo; de formular e construir-reconstruir políticas públicas com participação popular, o povo consciente e organizado com vez e voz.

O CEAAL e a educação popular assumem-se como articuladores do novo e do futuro, sem deixarem de ser voz crítica e profética, na base do diálogo e da amorosidade freireanas, quando necessário. Mais que nunca, a hora e o tempo são de formação na ação. Isto é, nos Comitês Populares de Luta, nas Cozinhas Solidárias e Comunitárias contra a Fome, em todos os espaços de organização popular, urge agir e formar, formar e agir ao mesmo tempo. Freireanamente.

Os 40 anos do CEAAL, Conselho e Movimento, mostram que Paulo Freire e a educação popular continuam presentes e atuantes no Brasil, na América Latina, no Caribe, no mundo. Viva Paulo Freire! Viva a educação popular!

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko