Resta esperar que os demais ministros do STF garantam maioria para rejeitar o marco temporal
Essa semana escutei alguém comentando que a verdadeira capital deste planeta, aquele local onde as decisões mais importantes estarão sendo tomadas a cada instante, é hoje algo que se espalha por todos os cantos da Amazônia. Esta me pareceu uma boa síntese para o que se passa neste momento histórico, que o historiador e professor Luiz Marques chamou de "o decênio decisivo".
Afinal, o mundo todo está de olho arregalado sobre o que ocorre na Amazônia, onde, convenhamos, acontecerá o que vier a ser encaminhado pelas decisões das pessoas. O futuro próximo, de todos, passa a depender, então, do somatório das decisões tomadas pelos que atuam sobre aquele bioma, sendo que o impacto e as repercussões de cada decisão são tremendamente desiguais.
Claramente, os esforços isolados dos pescadores, ribeirinhos e habitantes das florestas tendem a ser tão pouco relevantes como os daquele beija-flor que fazia sua parte, levando água em gotas para salvar o Cerrado em chamas, no dia do fogo, quando comparados com os estragos patrocinados por gente como o Ricardo Salles. Sim, Ricardo Salles, aquele anti-ministro do Meio Ambiente sempre empenhado em arrombar porteiras legais para tocar boiadas irregulares, antes envolvido com o contrabando de milhões de toras de madeira e atualmente empenhado em dificultar o plantio de 100 milhões de árvores pelo MST.
Está certo o Lula, diante da diversidade de atores comprometidos com o ecocídio atravancando o progresso em postos relevantes da república, ao anunciar para agosto a nova Cúpula da Amazônia em Belém (PA).
Ali, com a presença dos presidentes e lideranças dos povos que habitam os oito países integrantes da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), serão tomadas decisões ativadoras de grande pacto sul-americano, que pode reconfigurar a aliança e o protagonismo de nossos paises no concerto global das nações. Sem os golpistas, sob a liderança do Brasil e com a participação da sociedade organizada. O planeta sabe, e precisa disso.
Portanto, dada urgência e o chamado à ação coordenada entre os poderes constitucionais e os povos indígenas, desenha-se possibilidade de sucesso que tende a estimular a cooperação financeira por parte de outros países.
Afinal se trata de desafio sem precedentes em termos de magnitude, premência e implicações. Com isso, e como sinal de nova fase na vida dos brasileiros, outros elementos de governança deverão ser ativados envolvendo a participação direta da população, em rastilho que ainda neste governo, se entendi bem a proposta do Lula sobre orçamento participativo, há de se estender a outros territórios.
Voltando para a floresta, até para evitar excessivo otimismo, e porque penso que o tema da OCTA tem a ver com o marco temporal, quero comentar a recente decisão do Ministro Alexandre de Moraes.
Na ausência de duvidas a respeito de que a Amazônia é como um jardim cultivado, renovado e mantido pelos povos que ali habitam há milênios, parece óbvio e muito necessário que eles sejam chamados a contribuir. E assim, dada a importância das demarcações e o crescente fortalecimento dos laços que unem os povos indígenas de todos os biomas, e levando em conta o apoio que eles vêm obtendo contra o marco temporal, vale lembrar que o voto festejado do Alexandre de Moraes encerra uma armadilha e precisa ser revisitado.
Para tanto, recomendo a ótima síntese de Roberto Roberto Liebgott, do Cimi Sul, acerca das mobilizações indígenas e do voto do Ministro Alexandre de Moraes no julgamento de repercussão geral sobre a tese do marco temporal e os direitos originários dos povos
Resumidamente, para os apressados, vale dizer que o ministro votou contra o marco, reconhecendo o direito atemporal e constitucional dos povos a seus territórios, demarcados ou por demarcar. Porem, introduziu regras de mercado como pressupostos e condicionantes que dificultarão enormemente as demarcações. De um lado, pediu indenização prévia e completa aos ocupantes, em dinheiro. Isto significa que o poder público terá que pagar aos ocupantes irregulares, retirando este dinheiro, que não existe, de outras áreas já sabidamente esgualepadas. De outro lado, ofereceu a possibilidade de “troca”, onde os ocupantes irregulares das terras indígenas, seus aliados ou mesmo os governos federal, estaduais e municipais poderão propor negócios na base do metro quadrado. Isso mesmo, desconsiderando o valor simbólico de cemitérios, áreas sagradas, rios, lagos e montanhas, com seus animais seus encantados e seus encantamentos.
Por ser evidente que esta decisão gerará bloqueios impeditivos de novas demarcações e contribuirá negativamente para o sucesso da Cúpula da Amazônia, ampliando a insegurança e a angústia planetária no tema do aquecimento global, resta esperar que os demais ministros do STF garantam maioria para rejeitar o marco temporal e, ao mesmo tempo, evitar os mecanismos sugeridos pelo Alexandre, que de fato salvou a republica e ja estava até parecendo bom demais para ser de verdade.
A musica é uma só, e para ser repetida. Demarcação já!
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Marcelo Ferreira