Apesar da maioria de manifestações pela retirada do projeto ocorridas durante a audiência pública na manhã desta quarta-feira (14), no Teatro Dante Barone da Assembleia Legislativa do RS, o representante do governo afirmou que reestrutura o IPE Saúde será mantido e deverá ser votado na próxima terça-feira (20). A garantia foi do chefe da Casa Civil, Artur Lemos, último a falar na audiência. Um dia antes, as bancada do PT e do PCdoB havia apresentado a Lemos uma alternativa ao projeto.
A atividade foi convocada pela deputada Stela Farias e os deputados Leonel Radde, Jeferson Fernandes, Luiz Fernando Mainardi, Miguel Rossetto, Pepe Vargas e Valdeci Oliveira, todos da bancada do PT; e da deputada Bruna Rodrigues (PCdoB) e do deputado Professor Cláudio Branchieri (Podemos).
Apesar da limitação do acesso por meio da distribuição de senhas, o Dante Barone foi totalmente ocupado por representantes de sindicatos e associações de diversas categorias do funcionalismo. Em razão da restrição, muitos tiveram que ficar do lado de fora.
Servidores contestam
Todas as lideranças de entidades representativas dos servidores, que se manifestaram, criticaram o projeto e pediram sua retirada da Assembleia. Elas consideram que a proposta penaliza os servidores e não resolve o problema da qualidade do atendimento, que piorou no último período. Ainda que expulsará contribuintes e será responsável por uma sobrecarga ainda maior para o SUS.
A presidente do CPERS Sindicato, Helenir Schürer, sintetizou o sentimento do funcionalismo: “A reestruturação do IPE mete a mão no bolso do servidor e ataca a saúde pública, pois não teremos outro caminho a não ser o SUS”.
Ela apresentou cálculos revelando que uma servidora de escola que tem o marido como dependente e hoje paga R$ 48,30 de contribuição passará a desembolsar R$ 188,00, o que representa um aumento de 287%. Helenir alertou também que, se não houver reajuste, daqui a dois anos o IPE Saúde estará envolvido em nova crise financeira.
O representante do Sindicato dos Servidores de Nível Superior do Poder Executivo (Sintergs), Augusto Medeiros, lembrou que as perdas inflacionárias dos funcionários estaduais chegam à casa dos 60% e que 30 mil recebem completivo para atingir o salário mínimo. “É uma crueldade favorecer os de cima e penalizar os de baixo, sem nenhuma garantia de que isso irá melhorar a qualidade do atendimento”, frisou.
Já o representante da União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública, Mário Rheingantz, apresentou dados de uma pesquisa realizada pela entidade que mostra o risco de fuga de contribuintes em decorrência do impacto do aumento de alíquotas. De acordo com o levantamento, 71% dos entrevistados disseram que pretendem sair do IPE Saúde, sendo que 38% revelaram que “há muita chance” de que isto aconteça.
O deputado Pepe Vargas, um dos proponentes da audiência, afirmou que "o governo precisa admitir a necessidade de reposição dos salários. Sem isso, não tem negociação alguma". Ele registrou que a proposta do governo não tem sustentabilidade ao longo do tempo. "Não dá pra votar esta matéria dia 20, desta forma. O governo precisa retirar o regime de urgência", defendeu o deputado.
Último a se manifestar na audiência, Artur Lemos disse que a proposta do governo foi construída a partir do diálogo com diversas bancadas e absorveu contribuições de representações de servidores. “Buscamos proteger os baixos salários e melhorar a prestação dos serviços para atrair de volta quem ganha mais e saiu após decisão do STF, fazendo com que média salarial caísse e comprometendo o princípio da solidariedade”, ressaltou.
Reunião com médicos
Antes da audiência pública, o deputado Valdeci Oliveira ( PT) esteve reunido com representantes do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers). Ele defendeu que as medidas apresentadas pelo Executivo gaúcho não penalizem ainda mais os servidores e servidoras estaduais.
"É inaceitável que mais uma vez o governador Eduardo Leite, depois das promessas de campanha, coloque sobre os ombros dos trabalhadores e trabalhadoras estaduais mais esta conta. O problema do IPE não foi causado por eles, muito pelo contrário. Eles é que são as verdadeiras vítimas da falta de gestão, do abandono administrativo e do não pagamento das dívidas do governo com o Instituto", assinalou Valdeci.
Para o parlamentar, entre as causas da crise estão os oito anos sem reposição para a maioria dos servidores. "É importante que a sociedade tenha claro de que no período, grande parte das categorias de servidores públicos do RS obteve apenas 6% de reposição diante de uma inflação de 61% entre janeiro de 2015 e dezembro de 2022. A dívida dos órgãos estaduais com o Instituto chega a mais de R$ 600 milhões, a não contribuição e repasse pelo pagamento de precatórios somam R$ 350 milhões e a não paridade salarial dos aposentados resultou em outros R$ 180 milhões que deixaram de entrar nos cofres do IPE. E temos ainda a questão dos imóveis do Instituto, que foram repassados ao estado sem que houvesse ressarcimento dos mesmos. Qualquer pessoa medianamente séria não pode concordar com mais esta penalidade", enumerou o parlamentar.
O projeto do governo
Enviado à Assembleia em regime de urgência em 18 de maio, projeto para a reestruturação do IPE Saúde, segundo o governo, é necessário para promover o reequilíbrio financeiro e a qualificação do serviço prestado pelo instituto. "No ano passado, o déficit chegou a R$ 440 milhões. Além disso, a dívida com fornecedores referente a contas que excedem o prazo contratual de 60 dias totaliza R$ 250 milhões", diz nota do Executivo.
No que diz respeito ao financiamento do IPE, o projeto aumenta a contribuição mensal dos titulares de 3,1% para 3,6% e a alíquota do estado no mesmo patamar. Também amplia o valor da coparticipação em exames e consultas.
Há ainda aumento da contribuição dos dependentes, com criação de uma Tabela de Referência de Mensalidade. Os que hoje não contribuem com uma mensalidade (até 23 anos ou sob condição de invalidez independentemente da idade) passam a pagar valores fixos por faixa etária. Há uma trava que limita a contribuição dos servidores em 12% da sua remuneração, qualquer que seja o número de dependentes na família.
Proposta alternativa
Na terça-feira (13), a bancada do PT apresentou ao Chefe da Casa Civil uma alternativa ao projeto do governo que, segundo eles, fará com que a maioria dos servidores do estado atendidos pelo IPE Saúde, cerca de um milhão, migrem para o Sistema Único de Saúde (SUS) sobrecarregando a demanda.
Entre os itens da proposta da oposição estão a sugestão de uma reposição na remuneração dos servidores, inativos e pensionistas de, no mínimo, 10%, referente às perdas inflacionárias de 2021 e 2022. Também a contribuição paritária do estado e dos servidores de 4,1%, incluindo neste percentual os dependentes (assim como é hoje), sem a implantação da Tabela de Referência de Mensalidade proposta no projeto do governo.
Confira a integra da proposta da oposição:
Exmo. Sr.,
Eduardo Leite,
M.D. Governador do Estado do RS.
Porto Alegre, 13 de junho de 2023.
Prezado Senhor,
No momento em que o cumprimentamos, tendo em vista o Projeto de Lei Complementar – PLC 259/2023, que propõe uma reformulação no IPE Saúde, nós, da Bancada da Federação Brasil da Esperança (PT e PCdoB), por entendermos que a proposta é insustentável sob todos os aspectos e visando salvar o Sistema IPE Saúde, vimos propor o seguinte:
1) Reposição na remuneração dos servidores, inativos e pensionistas de, no mínimo, 10%, referente às perdas inflacionárias de 2021 e 2022. Importante destacar que em 2022, frente a uma inflação de 10,06%, o Governo propôs e foi aprovada uma revisão geral de 6% (Lei 15.837/2022). Na época, nossa Bancada apresentou uma emenda, não aprovada, de 10,06%. Por outro lado, a inflação de 2022, com base no INPC, ficou em 5,93%;
2) Contribuição paritária do Estado e dos servidores de 4,1%, incluindo neste percentual os dependentes (assim como é hoje), sem a implantação da Tabela de Referência de Mensalidade – TRM, proposta no PLC;
3) Condicionamento, por parte dos Poderes e Órgãos, à vinculação do servidor, inativo ou pensionista ao IPE Saúde para ressarcimento de despesas referentes a qualquer Programa de Auxílio-Saúde ou Assistência à Saúde Suplementar. Entendemos que não é justificável que servidores de maior remuneração saiam do IPE Saúde motivados por tais programas ou auxílios bancados com recursos públicos. A título de exemplo, com base em SEFAZ - Portal Bi/Cubos RHE, em abril do corrente, 16.351 servidores, inativos e pensionistas do Poder Judiciário, Ministério Público, Tribunal de Contas e Defensoria foram ressarcidos, totalizando mais de R$ 10 milhões.
Nossa proposta se justifica pelas seguintes razões:
1) A proposta apresentada pelo Governo é insustentável, ao não considerar pelo menos a reposição de parte das perdas que os servidores tiveram ao longo dos últimos dois governos, a principal razão da crise financeira. Na apreciação do Relatório da Subcomissão do IPE Saúde (RDI 68/2021) apresentamos uma Declaração de Voto, no qual, entre outras questões, destacávamos que uma recomposição média de 23,5% na remuneração dos servidores zeraria o déficit de 2020 no Plano Principal. Agora, o próprio Governo admite que, se o déficit fosse suportado através de reajustes salariais, seria necessário um reajuste de 32%. Importante destacar que, em oito anos, a maioria das categorias teve 6% de recomposição, frente a uma inflação de 61% (INPC 01/2015 a 12/2022);
2) O PLC 259/2023 rompe com a paridade de contribuição entre Estado e Servidor/Usuário, um dos princípios ou pressupostos presente desde a fundação do IPE. Considerando a proposta apresentada em 17/04, a contribuição média do titular e dependente aumentaria em 117,5%, enquanto a contribuição do Estado em apenas 14%, já que a contribuição dos Poderes e Órgãos incidiria somente sobre a contribuição do titular. Além disso, propõe que os valores constantes das tabelas poderão ser corrigidos anualmente, por ato do Poder Executivo, de acordo com a variação de custos do plano de saúde. Ou seja, os custos inflacionários seriam suportados somente pelos servidores/usuários;
3) O PLC rompe com a solidariedade, penalizando os servidores de menor remuneração e os servidores e dependentes de mais idade e beneficiando os servidores de maior remuneração e menor idade, com impactos que variam de 1% a 12% sobre a remuneração, mesmo com a chamada “trava” proposta;
4) Em nosso entendimento, o PLC, se aprovado, provocará uma debandada dos servidores de menor remuneração e dos servidores e dependentes de mais idade, sobrecarregando ainda mais o Sistema Único de Saúde – SUS;
5) Nossa proposta mantém a paridade e a solidariedade, princípios ou pressupostos que embasaram o IPE desde sua criação. Além disso, propõe uma reposição na remuneração dos servidores, inativos e pensionistas de, no mínimo, 10%, referente às perdas inflacionárias de 2021 e 2022;
6) Nossa proposta suporta a necessidade de aporte de R$ 746 milhões, apresentada pelo Governo: R$ 440 milhões de déficit projetado (tendo por base o de 2022); R$ 66 milhões de déficit inflacionário; R$ 140 milhões para reajuste da tabela de honorários; R$ 100 milhões para investimentos e fluxo de caixa;
7) Para nós, salvar o IPE Saúde é uma questão estratégica, pois o Instituto atende a um milhão de usuários e usuárias e é fundamental para o Sistema de Saúde.
Diante dos elementos colocados, colocamo-nos à disposição.
Atenciosamente,
Bancada da Federação Brasil da Esperança na AL/RS (PT/PCdoB)
Edição: Marcelo Ferreira