No final da década de 1970 e início dos anos 1980 surgiu no Rio Grande do Sul a revista Tição, um marco na imprensa alternativa gaúcha focada na questão étnico-racial e com repercussão no cenário nacional e internacional. Com o intuito de resgatar essa história será inaugurado, nesta quarta-feira (14), no Museu da Ufrgs, a exposição Tição – Existência e resistência, com participação da diretora do Núcleo de Jornalistas Afro-brasileiros, do Sindicato de Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (SindJoRS), Jeanice Dias Ramos.
“Éramos jovens. Jovens e rebeldes. Queríamos ser a mídia negra contemporânea. Para isso nos reunimos periodicamente para tratar destes rumos. Foi muita conversa, muita reunião. Para discutir uma pauta podíamos demorar semanas. O núcleo pensante inicial era composto por Jorge Freitas, Walter Carneiro, Edilson Nabarro, Oliveira Silveira, Vera Daisy Barcellos, Emílio Chagas e eu”, recorda Jeanice, que atuou no veículo.
Ela lembra que a gestação da revista foi cheia de percalços. “Muitos ficaram sabendo do grupo de trabalho e se agregaram, mesmo sem ter formação. A revista finalmente saiu como nós queríamos, com pautas instigantes. Nos clubes negros éramos muito bem recebidos. Era algo novo. O nosso calcanhar de Aquiles foi a distribuição, que era centralizada em apenas duas na cidade. Uma vez mais escolhemos assumir a tarefa. Tínhamos o compromisso de dar certo”, afirma, acrescentando que na época a equipe recebeu cartas de todo o Brasil e do exterior, como Espanha, França, Suécia .
“As pessoas estavam impactadas com a revista. Ela tinha pautas super atuais, pertinentes, que deveriam ser tratadas há muito tempo. E as pessoas tinham um envolvimento muito grande com a revista. Era um carinho pelo produto, porque as pautas foram tremendamente discutidas para chegar naquele ponto que chegou. Levamos meses para discutir pautas”, conta.
Conforme lembra a jornalista, a maioria das matérias da revista não são assinadas, porque elas foram feitas em conjunto, com várias mãos. “Muita gente circulou e participou, encantados com o projeto”, aponta.
“Posso dizer que a Tição – com dois exemplares no formato revista e dois exemplares, efetivamente, como jornal - hoje distanciado pelo tempo, foi um marco na imprensa gaúcha. E com um significado muito especial, diria um ‘valor’ na minha vida profissional, considerando a jovem mulher que estava à frente desta iniciativa empresarial, como jornalista responsável e com o desafio de se apresentar aos censores da época, levando os textos da revista ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), prédio localizado na Avenida Paraná”, lembrou a jornalista Vera Daisy Barcellos, uma das fundadoras do periódico em entrevista ao Brasil de Fato RS em 2020.
“Foram anos duros, mas que foram muito profícuos. Em função do surgimento da revista até aqui, as coisas se alteraram. Tem cotas na universidade para alunos, o Ministério da Igualdade Racial, dos Direitos Humanos, mudou muito o quadro social e político do Brasil, dando possibilidade que maior número de pessoas participem do lado pensante do país, que possa progredir, que possa abrir novos horizontes”, afirma Jeanice.
Atualmente o grupo se reestrutura e busca fazer uma releitura dos exemplares da Tição. Agrega jovens que também querem ver um exemplo de comunicação negro bem sucedido.
Foto: Divulgação
Sobre a exposição
O nome “Tição” foi dado ao periódico por influência do professor Oliveira Silveira, um dos membros do grupo da revista/jornal. Ele foi um grande mediador de todas as edições, pois era hiperconectado, fazendo ponte entre contatos da área da literatura e jornais de abrangência nacional.
Partindo do acervo de Oliveira Silveira, com curadoria geral da equipe do Museu da Ufrgs e curadoria científica de Sátira Machado, Naiara Silveira e Jeanice Dias Ramos, a exposição reúne exemplares das publicações, documentos dos acervos pessoais de membros do coletivo, materiais de divulgação, fotos e depoimentos que, em conjunto, mantém acesa a brasa do Tição.
Período de visitação:
De 14/06/2023 à 12/07/2023 – Entrada Gratuita.
Horário de atendimento: segundas a sextas-feiras, das 9h às 12h e das 13h às 18h.
Local: Mezanino do Museu da UFRGS (Av. Osvaldo Aranha, 277 – Porto Alegre/RS)
Para agendamentos de grupos: [email protected] ou (51) 3308-3390
Edição: Marcelo Ferreira