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Demarcação Já

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"Precisamos demarcar nossa área. Expulsar os grileiros, os oportunistas, os garimpeiros e os fascistas que ameaçam a história futura deste país" - Apib
Precisamos retomar territórios, construir o futuro, reafirmar a democracia

Em que pese a relevância de acontecimentos que nesta semana anunciaram para breve o fim da Lava Jato, com a desmoralização de seus ícones, não podemos nos enganar, nem entrar em ritmo de festa. O problema não acabará com o descarte, ou mesmo com a prisão daquelas suas figuras mais vistosas.

Afinal, se Dallagnol, Moro e outros desvirtuadores do sistema democrático chegaram aonde chegaram, e tiveram a audácia de fazer o que fizeram, quando estavam no auge, foi porque serviam de instrumento, de serviçais, a interesses de patrões ainda menos escrupulosos. Agora, todos aqueles, incluindo os arrebanhados por chantagem ou qualquer tipo de prazer indecente, depois de contribuírem para a tragédia que uniu a cassação da Dilma, a prisão do Lula e a eleição do Bolsonaro, às ameaças que ainda nos assombram, serão jogados no lixo da história.

Cumpririam seu papel apoiados num discurso de seriedade tão forte que, agora completamente enlameado, os deixa sem possibilidade de recuperar um mínimo de credibilidade. Estão fora do baralho. Vaiados nas ruas, evitados por parentes e ex-amigos, talvez acreditem que, desaparecendo, fazendo muxoxô de envergonhados, consigam evitar a cadeia. Eu não acredito nisso, até porque o destino até aqui reservado para aqueles que se afastaram do mito tem sido dali para pior.

Mas com os demais a situação é diferente.

Os bolsonaristas raiz, ocupando ou não áreas importantes para o sucesso do governo Lula, e certamente entrincheirados vários degraus abaixo na escala da infâmia, se mantém fortes e perigosos. Ali a coisa é diferente. Eles agem como se acreditassem ser ungidos de uma luz capaz de solucionar todas as angústias genéricas que esmagam a tranquilidade da maioria dos brasileiros. Alardeiam isso, de forma oportunista, porque sabem que nossa gente desconfia do Estado, do governo e de todas as instituições que, historicamente, só lhes aparecem de quando em quando. Identificam-se como quem é capaz de liderar a todos que se apresentam como inimigos da paz no seio das famílias.

Assim é o Mito. Um presidente que se diz contra a institucionalidade, que reúne embaixadores estrangeiros para desmoralizar o sistema eleitoral brasileiro. Que nega a ciência, que mente, que debocha da dor dos outros, que falsifica documentos... que demonstra querer dar golpes a torto e a direito, que em campanha de reeleição afirma ser “contra tudo que está aí”, prender ministros do STF e armar a população para que, em sendo esse o caso, cada um resolva a seu modo. Palavras com conteúdo de força, como “fuzilar a petralhada” e negar pandemia, como coisa de covardes de um país de maricas, onde bandido bom é bandido morto criaram um estereótipo de homem forte. O macho que “vai lá e resolve”, que dá na cara, que cospe no chão, aquele com quem “não tem conversa”.

Infelizmente deu certo no caldo de miséria requentado entre nós desde o golpe de 2016. 

Afinal, na maioria das famílias brasileiras, e especialmente entre aquelas mais desvalidas, impera o medo. O homem é quem manda, a mulher sabe seu lugar. E tudo que ameace ou negue ou proponha qualquer caminho diferente a esta assertiva, tende a ser rejeitado com violência.  

Estimuladas, aquelas “família de bem” que se percebem sem acesso a direitos passam a ser refratárias aos direitos de todos. Em especial aos que lhe são diferentes. Os povos indígenas, quilombolas, comunidades gays, LGBTQI+, ambientalistas, vegetarianos, comunistas, petistas, mulheres autônomas, tudo que se afirmar com cores identitárias, fugindo da geleia geral, é catalogado como coisa que não presta, do tipo que se relaciona a “essa politicagem dos direitos humanos”.

E assim, com este discurso fascista, os bolsonaristas se colocam como alternativa para sufocar os diferentes, os marcados com o sinal do inimigo. Neste rol cabem o Estado de direito, as políticas sociais e ambientais, bem como tudo aquilo que se opõem à lei do mais forte. Consolidaram entre nós um braço do movimento internacional da extrema direita que agora, conquistada a mente de parte da população, não precisa mais do Bolsonaro nem de sua família.

Desmoralizaram as instituições, raparam o tacho dos cofres, traficaram joias, mataram carpas e avestruzes, venderam até as moedas do laguinho e ainda amarraram o Executivo a ponto de tornar muito difícil a execução do programa de governo que esperamos ver implementado por Lula.

Portanto, e para concluir, há que reconhecer: o ovo da serpente, identificado naqueles movimentos de rua de junho de 2013, foi chocado. As víboras estão nas ruas, nas repartições, nos clubes de tiro, nas universidades, e até nas rodas de crochê das viúvas da Lava Jato. Cabe a todos ajudar o governo a combatê-las com método, com políticas públicas, com a aplicação das leis e, principalmente, com o povo na rua.

Neste momento, Lula precisa que venham às ruas, além dos povos indígenas, os estudantes, os trabalhadores, os militares nacionalistas e as torcidas antifascistas. Se trata de retomar territórios, construir o futuro, reafirmar a democracia.

Precisamos demarcar nossa área. Expulsar os grileiros, os oportunistas, os garimpeiros e os fascistas que ameaçam a história futura deste país.

Demarcação, já!

Poema de Roberto Liebgott, musicado por Carlos Hahn. Edição e fotografias do Conselho Indigenista Missionário – CIMI-RS, com imagens dos povos do sul.

Sugestão de programa “Arte, Ciência e Ética num Brasil de Fato” com Suzi Barletto Cavalli.

 

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko