É preciso sair de uma existência objetificada e alçar os voos para construir a sua história
As coisas mudaram. Vivemos em uma sociedade que pressiona as pessoas a tomar decisões cada vez mais cedo, e talvez o ponto crucial de todo esse processo seja a escolha profissional. É nela que construímos uma parte significativa da nossa identidade. Recebo um título, um lugar social, um status. A pergunta aparentemente simples "o que você pensa em ser quando crescer?" traz consigo tantas outras questões. A qual esfera social você quer pertencer? Qual a qualidade de vida que quer ter? Você quer mais ou menos tempo livre? Quanto da sua existência você gostaria de dedicar ao trabalho? E às relações? Como você quer ser reconhecido? Isso quando você tiver a sorte de poder escolher...
É interessante pensar que quando finalmente surge uma escolha que indica uma direção, as mesmas pessoas que questionaram sobre o que pretendemos fazer da vida trazem o peso brutal da pergunta: "você tem certeza?". E eu sempre penso que se tem uma questão que é deveras angustiante é essa tal da "você tem certeza?". Do que realmente temos certeza? Acredito que, se houve algum momento na vida em que eu tive alguma certeza, foram nas ocasiões em que mais me enganei.
A certeza evoca a ausência de dúvidas e questionamentos. É simples. Se, de um lado da moeda existe a certeza, do outro, encontramos a ausência de dúvidas. Quando tenho certeza, não tenho dúvidas, por óbvio. O ponto talvez seja: é possível encontrar a resposta final? O saber absoluto? A sensação de completude que buscamos na certeza não seria justamente uma armadilha imaginária? Uma tentativa de negar a estrutura inerentemente humana de que algo sempre vai nos faltar? Sim, somos incompletos. Mesmo quando encontramos a suposta "outra metade" que o amor romântico tanto nos leva a procurar, não nos sentimos plenamente satisfeitos. E o pior é que crescemos na utopia de que o outro possa nos completar. No fundo, queremos e precisamos de mais.
Nós precisamos dessa incompletude para nos movimentarmos. Nos relacionamos a partir do que nos falta. É simples quando pensamos que se nos encontrarmos com o absoluto do Um, com o todo, com o "já tenho tudo que desejo", o que nos resta fazer? O fim do movimento de desejar não seria, então, o encontro com a parede da angústia?
Lacan propôs, de forma resumida, o conceito de angústia como "a falta da falta". É exatamente ao supor que nada me falta que me deparo com esse afeto que não mente. Ninguém consegue disfarçar a angústia. Ela surge e nos arrebata. O que podemos fazer é refletir sobre o motivo de sua manifestação. E, a partir das interrogações que surgirem, dissipá-la. E então nos encontramos novamente diante do abismo da incerteza. É quase como um jogo. A certeza angustia o indivíduo, enquanto a incerteza o assusta. Ser humano é viver em constante mediação entre esses pontos? Bem, talvez existam conceitos muito mais positivos ao redor do mundo. No entanto, considero importante refletirmos sobre aspectos não tão bons que nos habitam.
Por fim, talvez a única certeza seja a necessidade de movimento, de desejar, de nos colocarmos em constante processo de construção de nosso vir a ser. E não interpretem isso como um imperativo capitalista do "produzir o tempo todo", mas sim como o fato de que o movimento do desejo é uma das únicas possibilidades de continuarmos existindo enquanto sujeitos. É protagonizar um lugar de criador. É sair de uma existência objetificada e alçar os voos como aquele que, mesmo cometendo erros, se arrisca a construir a sua própria história. Desejar é o que nos convoca à existência.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko