Rio Grande do Sul

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Marco Temporal pode afetar 41 territórios indígenas no Rio Grande do Sul

Mais de 70% das áreas indígenas no RS poderiam ser passíveis de suspensão ou revisão de processos de demarcação de terra

Sul 21 |
TI Guarita é a maior área indígena do RS e poderia estar ameaçada pelo Marco Temporal - Foto: Arquivo pessoal

Caso passe a vigorar no Brasil, a tese do Marco Temporal, aprovada na terça-feira (30) na Câmara dos Deputados, poderá afetar 41 dos 49 territórios indígenas no Rio Grande do Sul. Esta é a avaliação do coordenador do Conselho Indigenista Missionário na região Sul (Cimi Sul), Roberto Liebgott. Apenas as oito áreas consideradas como reservas indígenas não estariam ameaçadas, por serem regradas por outro estatuto jurídico. As demais poderiam ser passíveis de suspensão ou revisão de processos de demarcação de terra.

A tese do Marco Temporal, que ainda será analisada pelo Senado e depois irá para sanção presidencial, busca restringir a demarcação de terras indígenas àquelas que eram ocupadas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. As novas demarcações ficariam restritas apenas a terras que eram habitadas em caráter permanente por indígenas antes da promulgação da Constituição e, ao mesmo tempo, são usadas para atividades produtivas e necessárias à preservação dos recursos ambientais e à reprodução física e cultural.

:: PL do Marco Temporal: 19 deputados gaúchos votaram a favor e 8 foram contrários ::

De acordo com a base de dados Terras Indígenas no Brasil, o País conta atualmente com 734 terras indígenas identificadas, das quais 496 são territórios cuja demarcação já foi homologada ou são áreas de reservas. Além disso, há ainda 68 territórios declarados, 45 identificados e 125 em identificação.

O processo de demarcação de terras indígenas no Brasil envolve uma série de etapas. Começando pelo processo de estudos, quando são realizados levantamentos antropológicos, históricos, fundiários, cartográficos e ambientais que fundamentam a reivindicação pela delimitação da terra indígena.

Uma vez concluídos os estudos, os resultados são publicados no Diário Oficial da União pela Funai e as áreas então passam a ser delimitadas/identificadas. Posteriormente, cabe ao Ministério dos Povos Indígenas — atribuição anterior do Ministério da Justiça e que está em discussão no Congresso Nacional para retornar à pasta — expedir a Portaria Declaratória de que as terras estão autorizadas para serem demarcadas.

Quando a demarcação das terras é sancionada pela presidência da República, elas passam a ser consideradas como homologadas. Uma vez registradas em cartório em nome da União, elas são consideradas regularizadas.

Por outro lado, as reservas indígenas são terras doadas por terceiros, adquiridas ou desapropriadas pela União e destinadas para os povos indígenas, mas não são regulamentadas pelo processo de demarcação ou pelas regras constitucionais de usufruto. Com isso, não seriam ameaçadas pelo Marco Temporal.

Segundo Liebgott, todos os demais territórios indígenas poderiam ser alvo de algum tipo de contestação fundamentada pela tese do Marco Temporal. “Se for implementado o Marco Temporal como uma regra jurídica, ele vai fazer com que, primeiro, todas as demarcações de terra que estão em andamento sejam definitivamente paralisadas para um reestudo, no sentido de identificar se as comunidades que reivindicam essas demarcações estavam ou não em posse delas em 1988. Se não estivessem nelas, que pelo menos estivessem lutando fisicamente ou juridicamente por elas”, diz. “À exceção das reservas indígenas, todas as demais terras serão diretamente impactadas pelo Marco Temporal, tanto aquelas que estão em demarcação, como aquelas que estão sendo reivindicadas ou retomadas. Vai afetar dramaticamente todos os territórios indígenas nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste”, complementa.

O coordenador do Cimi Sul explica que também há a possibilidade de que todas as terras demarcadas pós 1988, desde que não estejam em reservas, tenham os processos reabertos para revisão. “Vai se propor o reestudo delas para comprovar a ocupação indígena ou não em 1988. Corre-se o risco de que, de 85% a 95% das terras sejam impactadas, passem por processos de revisão”, avalia.

Por outro lado, ele destaca que a adoção do Marco Temporal não significaria a perda imediata do direito à terra, uma vez que acabaria se iniciando um processo de análise caso a caso dos territórios. As possibilidades incluiriam a compra da terra pelo governo ou a criação de áreas de reserva.


Maioria das terras indígenas está localizada no Norte do RS / Foto: Reprodução/Terras Indígenas no Brasil

No Rio Grande do Sul, são 49 territórios indígenas, que correspondem a 113.157,72 hectares. Desses 49, sete são reservas indígenas: RI Inhacapetum, RI Serrinha, RI Nonoai, RI Morro Santana, RI Estrela, RI Coxilha da Cruz e RI Água Grande. A RI Por Fi Ga está em fase de regularização fundiária.

Esses oito territórios ocupam uma área somada de 32.435 hectares, o que representa 28,6% do total dos territórios indígenas no Estado. De acordo com dados da Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (Sisai), a população estimada das reservas é de 5.012 pessoas, sendo que cerca de 4,4 mil vivem nas reservas da Serrinha e Nonoai, habitadas pelo povo Kaingang e localizadas no Norte do Estado.

Por outro lado, o RS possui 18 territórios registrados/homologados somam 13.520 habitantes (estimados pela Sesai), dos quais 5.776 vivem na maior TI do Estado, a Guarita, habitada pelos povos Kaingang e Guarani e localizada entre os municípios de Tenente Portela, Redentora e Erval Seco.

Outras quatro áreas já foram consideradas declaradas e elas somam 1.202 habitantes, dos quais 1.008 vivem na TI Passo Grande do Rio Forquilha, território Kaingang localizado nos municípios de Cacique Doble e Sananduva.

Outras duas áreas já foram identificadas (TI Votouro-Kandóia e TI Mato Castelhano-FÁg TY KA), somam 480 habitantes e também estão localizadas no norte do Estado.

As demais 17 áreas estão na fase de estudos.

Edição: Sul 21