O Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável do Estado do Rio Grande do Sul (Consea/RS) completou seus 20 anos de existência. A comemoração lotou a Sala de Convergências do Fórum Democrático da Assembleia Legislativa do RS, em uma solenidade nesta quinta-feira (25).
Além do momento de celebrar a data, o ponto mais importante do ato foi a apresentação oficial à sociedade, ao Parlamento gaúcho e ao Executivo da Estratégia dos Pontos Populares de Alimentação. Em linhas gerais, o Conselho propõe através desta estratégia um modelo de reconhecimento das iniciativas populares de combate à fome, como as cozinhas comunitárias, por exemplo, como sendo parte de uma política pública emergencial no enfrentamento à fome.
A solenidade contou com a presença de parlamentares, integrantes do Conselho, ex presidentes e de representantes do governo estadual. Ao final da cerimônia, foi feita a entrega simbólica do documento com a proposta da Estratégia para a representante da Secretaria de Assistência Social (SAS), que recebeu a proposta, afirmando que ela será acolhida pelo Executivo e que a SAS será parceira na sua implementação.
Momento de celebração e de luta
Quem abriu os trabalhos foi a ialorixá Iyá Vera Soares, que falou em nome dos fundadores do Conselho e saudou o "tempo" como construtor dos espaços e das demandas. "Nós brigamos e debatemos muito. Nós construímos o Conselho que a humanidade mais precisa. Temos conselhos de educação, de saúde, da moradia, etc. Mas sem a comida de verdade, não tem a vida. Este Conselho é mantenedor da vida de todos."
Em depoimento ao Brasil de Fato RS, o atual presidente do Consea/RS, Juliano Ferreira de Sá, afirmou que este é um momento de celebrar os 20 anos do Consea, e recordou que o Conselho surgiu nos anos 1990, em um contexto de aumento da fome, semelhante ao atual, quando se sentia a necessidade de um órgão de controle e assessoramento junto aos governos, primeiro na instância nacional e depois nos estados e municípios. "O Conselho é o controle social sobre as políticas para o Direito Humano à Alimentação."
No RS, foi instituído em 2003, como um órgão de assessoramento direto ao Gabinete do Governador, com dois terços de seus integrantes indicados pela sociedade civil. A data de hoje, afirma, é uma oportunidade de atualizar a pauta aos desafios atuais, frente ao "retrocesso histórico" vivido pelo país nos últimos 7 anos. Segundo afirmou, pesquisas indicam que os patamares de fome entre a população retrocederam ao estágio de 30 anos atrás.
"Todos os indicadores apontam que a única saída para enfrentar a fome é a existência de políticas públicas específicas. Nesse sentido, nós temos uma perspectiva de melhora, mas temos um limitador que é como fazer essas políticas chegarem nos territórios, onde as iniciativas populares que enfrentaram e foram resistência à fome vivem na informalidade."
Segundo afirma, hoje os governos não podem oferecer recursos à essas iniciativas. Por isso, a Estratégia dos Pontos Populares converge com essa necessidade, de catalogar e reconhecer institucionalmente essas iniciativas como as cozinhas e hortas solidárias e comunitárias, por exemplo, para que elas possam receber recursos públicos e seguir no enfrentamento à fome.
"Queremos, através do controle social e dos conselhos, poder dizer quem são essas organizações e onde elas estão, para que elas possam receber a oferta pública e regular de alimentos, melhoria nos seus equipamentos e infraestrutura." Nesse primeiro momento, afirma que já há grande receptividade do governo e Legislativo estadual para acolher a proposta.
"Temos um cenário favorável. O governo federal acolheu nossa proposta. Aqui no RS, temos uma manifestação positiva do Poder Legislativo. Nós entendemos que precisamos de uma política pública estadual, que seja aprovada em lei, para que seja aplicada independente do governante que esteja no Piratini."
Momento favorável para implementar a proposta
Representando o governo do estado no recebimento da estratégia esteve Naiane Dotto, diretora do recém criado Departamento de Segurança Alimentar e Combate à Fome (DSA), estrutura vinculada à Secretaria de Assistência Social (SAS). Recordou que a coordenação do Consea foi recebida pelo secretário Beto Fantinel durante a semana para entregar a Estratégia.
Naiane, falando em nome da Secretaria, afirmou que a proposta da Estratégia será acolhida pelo Executivo e que a mesma vai ao encontro de atividades que a SAS já está desenvolvendo, como a criação do Sistema Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável do RS (Sisans/RS).
Destacou também que a equipe da Secretaria também enxerga que o reconhecimento das experiências de alimentação solidárias como uma forma de integrar o Sistema e combater a fome no estado.
"Falaram hoje aqui que as iniciativas solidárias surgiram por causa de uma ausência do poder público. Infelizmente isso é verdade. A intenção dos Pontos Populares de Alimentação é reconhecer essas iniciativas e dizer que elas são sim importantes para o território."
Completou dizendo que o Departamento de Segurança Alimentar será parceiro na construção da política pública para constituir o caminho, seja através de decretos estaduais no primeiro momento e para estabelecer a legislação em paralelo com o trâmite legislativo.
Estratégia como provocação de possibilidades
Quem também conversou com a reportagem do Brasil de Fato RS foi uma das conselheiras do Consea que ajudou a elaborar a Estratégia, Márcia Falcão. Ela reforçou que a entrega da Estratégia tem um caráter de provocação e apresentação de possibilidades, diante do contexto atual de aumento da fome após o período da pandemia, em que a sociedade se mobilizou para amenizar esses efeitos.
"Essas iniciativas precisam ser reconhecidas dentro do conjunto de políticas de enfrentamento à fome", explicou. Afirmou que a estratégia apresenta algumas ideias para esse reconhecimento institucional, mas que mais importante do que esses modelos é que essas iniciativas sejam "incorporadas dentro de uma estratégia maior de enfrentamento à fome".
"Nós enquanto Consea temos propostas, como chamar essas iniciativas de Pontos Populares de Alimentação, por exemplo. Temos dito que, através das instâncias de participação social, como os conselhos, nós podemos criar um modelo em que essas estruturas façam esse reconhecimento e certifiquem as iniciativas através de critérios e de um cadastro."
Segundo ela, o objetivo é dar a formalidade que essas iniciativas precisam para poder se apresentar perante aos órgãos de gestão das políticas públicas.
"Nossa proposta é que essas iniciativas recebam e sejam alvo prioritário das políticas, como o recebimento de alimentos do PAA, que existam editais para equipamentos, que ali seja um local para receber iniciativas de formação (como EJA, por exemplo). As iniciativas permanecem como sendo da sociedade civil, mas criando um arranjo institucional que reconheça sua existência", defendeu Márcia.
Sobre a construção para implementar essa política, afirma que o Consea está se colocando à disposição para costurar tanto a base legal quanto operacional da política. "Não estamos apresentando um modelo pronto. Estamos pautando a necessidade, numa postura de exigir que essas iniciativas precisam ser reconhecidas."
Edição: Katia Marko