O ministro do Trabalho e Emprego (MTE), Luiz Marinho, assinou na tarde desta quarta-feira (24), em Porto Alegre, o “Pacto pela Adoção de Boas Práticas Trabalhistas na Vitivinicultura do Rio Grande do Sul”. A solenidade foi realizada no Plenarinho da Assembleia Legislativa. De iniciativa do MTE, o documento foi assinado também pela Federação das Cooperativas Vinícolas do Rio Grande do Sul (Fecovinho), pela Federação dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais do Rio Grande do Sul (Fetar/RS), pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“Assinamos o pacto para evitar que novamente isso ocorra. Mais do que isso, que sirva de exemplo, que sirva de experiência para que outros setores da economia não passem pela mesma tragédia da constatação do trabalho análogo à escravidão”, destacou o ministro após assinatura.
Conforme ressaltou Luiz Marinho, é inadmissível falarmos em trabalho análogo à escravidão no Brasil. “O pacto é um esforço, não só do governo e das empresas, mas deve ser um esforço de toda sociedade para erradicarmos essa prática tão perversa. Fere a todos e principalmente a imagem do país perante a comunidade internacional. É preciso dizer basta, não queremos trabalho análogo à escravidão. Precisamos de um novo padrão de comportamento da sociedade brasileira”, afirmou.
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A assinatura ocorreu dois meses depois da primeira visita do ministro ao RS, nos dias 20 e 21 de março. Na ocasião, ele fez uma agenda de reuniões e encontros em Bento Gonçalves, Caxias do Sul e Porto Alegre, um mês após o resgate de 207 trabalhadores terceirizados em situação análoga à escravidão, durante a colheita da safra da uva para as vinícolas Aurora, Salton e Garibaldi, em Bento Gonçalves.
Estado ocupa segundo lugar no ranking nacional
O Rio Grande do Sul ocupa o segundo lugar no país onde a prática ilegal teve mais trabalhadores resgatados em 2023, com 296 pessoas, ficando atrás apenas de Goiás, que teve 372 resgates. Desde o início do ano até o momento já foram resgatados 1201 trabalhadores de trabalho análogo à escravidão em todo país.
Com 14 cláusulas, o pacto busca promover o trabalho decente e o aperfeiçoamento das relações e condições de trabalho na vitivinicultura do estado, por meio da disseminação de orientações e informações que promovam um ambiente de trabalho saudável, seguro e com cumprimento das normas legais em toda a cadeia produtiva do setor.
Antes da assinatura do pacto, o ministro Luiz Marinho teve um encontro com o presidente da Assembleia Legislativa do RS, Vilmar Zanchin, juntamente com os deputados estaduais Matheus Gomes (PSOL), Laura Sito (PT), Bruna Rodrigues (PCdoB), Pepe Vargas (PT) e Adão Pretto Filho (PT) para entrega do relatório final da Operação Serra Gaúcha, que avalia as condições de funcionamento do sistema estadual de combate ao trabalho degradante no estado e propõe medidas para erradicação do trabalho análogo à escravidão e promoção do trabalho decente no setor de vinicultura.
"Temos que ter um diálogo com toda a sociedade envolvida"
Para o diretor-executivo da Federação das Cooperativas Vinícolas do Rio Grande do Sul (Fecovinho), Hélio Luiz Marchioro, a assinatura do pacto representa uma grande oportunidade para construir relações de trabalho mais claras, transparentes em um novo patamar. “Para isso não tem como negarmos a realidade. A realidade é de um modelo de desenvolvimento que de certa forma usufrui desta particularidade das relações de trabalho, não temos solução para relações de trabalho no que se refere a trabalho sazonal. O trabalho sazonal não está resolvido”, ressaltou, enfatizando que o trabalho escravo tem de ser denunciado e combatido.
"Não há objetivo nenhum de repetir práticas dessa forma. E é esse o compromisso que estamos assumindo com esse pacto. Também é o compromisso de construir juntos com o Ministério do Trabalho novas relações”, afirmou Marchioro.
O presidente da Federação dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais do Rio Grande do Sul (Fetar/RS), Nelson Wild, defendeu que as contratações de safra sejam realizadas via Sistema Nacional de Emprego, o Sine. “Que as entidades empregadoras cumpram a legislação, façam boas práticas com relações de trabalho, um trabalho decente, começando pela contratação de mão de obra, que seja via sistema nacional de emprego. Temos que partir para a implementação dessa legislação que nós temos. E se ela não é suficiente vamos buscar criar novas alternativas que não subtraia direito dos nossos assalariados. Estamos juntos nessa caminhada”, afirmou.
Representante da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Vinícius Carvalho Pinheiro destacou que no Brasil e em outras partes do mundo tem se observado um grande retrocesso aos direitos fundamentais do trabalho, assim como em relação a discriminação racial, em relação aos imigrantes, mulheres, populações indígenas. “Assim como enfraquecimento de instituições de representação sindical. E por fim está aumentando o número de resgate de trabalhares em situação análoga à escravidão”.
De acordo com o relatório Índice Global de Escravidão 2023, da organização Walk Free, o Brasil ocupa o 11º lugar no ranking mundial de escravidão. Em setembro de 2022, a Walk Free já havia divulgado que, em todo o mundo, calcula-se que 50 milhões de pessoas eram submetidas a condições que configuravam escravidão contemporânea, em 2021, sendo 12 milhões crianças e a maioria (54%) de mulheres e meninas.
“Esse é um momento de relevância histórica. O que temos hoje aqui é um pacto concreto do diálogo social”, afirmou Vinícius.
Na mesma linha o Procurador-Geral do Trabalho Representante do Ministério Público do Trabalho (MPT), José de Lima Ramos Pereira, ressaltou a necessidade de ter um diálogo social envolvendo toda a sociedade. “Temos que ter em mente que esse pacto será apenas papel assinado se não for levado adiante. A execução do pacto é necessária, vamos ficar atentos para que esse pacto ocorra, ele precisa existir sem retirar direitos. Tenho certeza que todos os envolvidos estão empenhados para que dê certo até porque vai atingir a todos”, pontuou.
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O procurador apontou que de 2017 para cá houve um aumento no número do trabalho escravo. “Não é coincidência de que com a reforma trabalhista aumentou a terceirização como se a terceirização fosse a solução de todos os problemas do país. A terceirização não vai resolver o problema da informalidade, do salário digno, não vai resolver o problema do trabalho escravo. A terceirização é um instrumento importante da economia, mas sem retirar emprego. E os empregadores têm que fiscalizar o contrato e o dia a dia do trabalho. Há necessidade de uma mudança da legislação para que essas práticas não ocorram”, frisou.
Representando o governador Eduardo Leite (PSDB), o secretário de Trabalho e Desenvolvimento Profissional, Gilmar Sossella, informou que o governo fez busca ativa dos trabalhadores após a descoberta de casos de trabalho análogo à escravidão no estado. “Fizemos a busca ativa dos trabalhadores e prestamos assistência para o recebimento de indenizações, seguro-desemprego especial e reinserção no mercado”, disse. Lembrou ainda do acordo de cooperação técnica assinado com o Ministério Público do Trabalho (MPT), em março, para intensificar a fiscalização e a promoção de políticas públicas para prevenção de novos episódios.
Momento de criar oportunidades
Ao final da solenidade de assinatura do contrato, o ministro Luiz Marinho destacou o momento de tensão da sociedade e o ódio exacerbado. “Tivemos de 2017 a 2022 processo crescente de número de trabalhadores em situação análoga à escravidão. Esse ano mais de 1.200 trabalhadores e trabalhadoras foram libertadas. É nossa missão libertar trabalhador, trabalhadora em condições análogas à escravidão? Não. A nossa missão é eliminar essa condição, evitar que aconteça. Só teremos esse sucesso se a sociedade brasileira se unir como estamos nos unindo”, afirmou.
Ele também destacou que de 2003 a 2014 se vinha trabalhando em um processo gradativo de redução para acabar com essa condição. “Aconteceu o golpe contra a Dilma, o resultado das eleições de 2018 que levou a um período de trevas. Temos que dar as mãos para reconstruir um padrão de relacionamento de relações de trabalho.”
Marinho também apontou o problema recente de falta de pagamento dos funcionários pela empresa Mater Clean, responsável pela higienização da sede do Parlamento gaúcho. Segundo a assessoria de Comunicação, a empresa já foi multada pelo atraso e deve ter o contrato encerrado nos próximos dias, após transcorrer tempo previsto para sanções, conforme o contrato.
Ao se encontrar com os deputados estaduais que entregaram o relatório final da Comissão de Representação Externa, o ministro afirmou que avaliará o documento, adiantando que haverá concurso público no MTE para suprir a falta de servidores apontada pelos deputados e também pelas centrais sindicais. Já faz dez anos que não são contratados novos funcionários para fiscalizar as condições de trabalho e tocar os serviços administrativos.
O pacto pode ser conferido através deste link.
* Com informações do MTE e CUT-RS
Edição: Katia Marko