A Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara (ABEFC) é um movimento popular que nasce em 2019 a partir das respostas das pessoas que, além de escutarem o chamado de Francisco a dar nova alma às economias do passado e do presente, também já praticam em seus cotidianos nos territórios em que vivem, economias que fazem viver e não matam, cuidam da casa comum e não a devastam.
Foi neste sentido que assim que o chamado ao evento internacional The Economy of Francesco (a Economia de Francisco) aconteceu, jovens de todo o Brasil começaram a reunir-se e dialogar coletivamente como articulação organizada a partir das forças de produção e partilha da vida que já demonstram que nos diversos territórios deste imenso país, já praticamos economias da vida. Merece especial destaque a atuação dos diversos coletivos que já constroem desde muito tempo a Economia Popular e Solidária, que ganha relevância com um ministério especial neste novo cenário da política brasileira.
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Os jovens brasileiros reunidos em articulação, estão lançando, além de um subsídio de estudos para comunidades, contendo a síntese do caminho brasileiro até Assis, um livro, intitulado ‘Realmar a Economia: A Economia de Francisco e Clara’, pela editora Paulus, e um curso nacional de articuladores, destinado a fortalecer os vínculos comunitários desse processo coletivo de responder ao chamado da Economia de Francisco e Clara.
A ABEFC vem propondo através de suas iniciativas formativas e da inserção das diversas ações concretas dos coletivos já existentes, que outro mundo é possível e outras economias já acontecem: “Em unidade com os diversos movimentos populares, querem contribuir para a construção de outros modelos econômicos que superem o princípio da maximização do lucro através de uma lógica de extração ilimitada da Mãe Terra”, diz o subsídio A Economia de Francisco e Clara: denúncia às violências financeiras e anúncio de economias para o bem viver, fundamentado no texto bíblico neotestamentário que afirma que aqueles que seguiam o Caminho, tinham “tudo em comum” (Atos 2, 44-47). Para expressar o caráter feminino e feminista desta nova economia, a ABEFC traz consigo a figura claríssima de vida e virtudes, a vida e a santidade revolucionária de Santa Clara de Assis, plantinha de São Francisco de Assis.
Santa Clara: Mulher que construiu pontes!
Santa Clara de Assis foi uma mulher à frente do seu tempo, com um testemunho de vida simples e livre, continua inspirando outras mulheres a trilhar um caminho ousado e profético, que fomenta a paz e a unidade, sem deixar de transformar as realidades opressoras e desiguais!
“Não perca de vista, seu ponto de partida!” (Santa Clara) é uma das frases mais provocadoras que nos deixou; quantas de nós perdemos o entusiasmo e as utopias na caminhada? Não por fraqueza, mas por cansar de lutar, de ser julgada ou desvalorizada... Sonhamos em construir pontes, de igualdade, sororidade e amorosidade, mas nos deparamos com os muros dos preconceitos, do clericalismo e do machismo.
Clara protagonizou uma revolução da ternura, abandonou as riquezas, seguiu o seu coração e trilhou o caminho que a Divina Ruah lhe inspirou, não quis propriedades ou posses, e experienciou de forma plena sua fé e amor a Deus e aos irmãos e irmãs necessitadas com verdadeira caridade e gratuidade.
Foi pioneira na vivência do discipulado de iguais com Francisco, seu companheiro de jornada e estilo de vida. Por meio de uma mística encarnada na realidade, soube ler os sinais dos tempos e responder com sensibilidade e singularidade a cada apelo que surgiu em sua vida e missão.
Construiu muitas pontes mesmo estando na clausura, sua liberdade interior e fortaleza inspiraram muitas decisões de Francisco, das companheiras e da própria família que acolheu o seu projeto de amor e doação aos pequenos, depois de muita luta, resistência e opção fundamentada no Evangelho.
Para além da imagem “angelical”, doce e frágil, temos que ver a mulher forte, decidida, com posicionamento, que defendeu seus princípios, seu espaço e suas Irmãs. Que viveu a pobreza com alegria e que fez de sua vida uma entrega total a Deus e a sua vontade. Conduziu a ordem das Clarissas com sabedoria e competência, inclusive na elaboração da Regra que orientou e continua orientando a vida das Monjas!
Mulher do silêncio e da oração fecunda, não se escondeu do mundo, mas deixou que a luz de Cristo resplandecesse dentro de si, e se irradiasse para o mundo. Através de sua entrega e coerência de vida, muitas mulheres e homens trilharam caminhos na igreja e sociedade inspirados na sua espiritualidade e princípios de vida.
Clara de Assis é um farol que segue iluminando o século XXI, é a companheira de Francisco que fundamenta o projeto de uma nova economia. No Brasil construímos a Articulação Brasileira da Economia de Francisco e Clara com o propósito de unir feminino e masculino, de trazer o rosto feminino para uma economia humanizada, circular e igualitária, isso é revolucionário para o nosso tempo. Diante de uma realidade desigual e injusta, novamente Clara surge como uma inspiração do novo que provoca, que questiona e transforma as estruturas opressoras.
A grande pergunta que nos inquieta hoje: Que pontes precisamos construir inspiradas em Santa Clara? Sabemos a resposta: do amor, da empatia, da consciência crítica, da igualdade, do respeito, da paz, etc. são muitas! Mas nos falta a coragem de ousar, de nos entregar, do despojamento às seguranças que nos aprisionam em muitas situações e realidades, de enfrentar os poderosos que acabam com a vida do povo.
Clara está em mim, e em cada mulher que ousa pensar fora dos esquemas pré-estabelecidos, seguir o senso comum é mais fácil, enfrentar as consequências das opções proféticas e inovadoras exigem audácia e criatividade. A novidade incomoda, assusta, mas é justamente disto que precisamos na igreja e na sociedade, uma revolução da amorosidade, da entreajuda, da sororidade. Clara não esperou o seu destino, fez sua própria história, inspirada num amor livre e radical.
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Mulheres precisamos acordar, olhar para o testemunho de Clara e começar a construir as “nossas pontes”, somos fortes e podemos ousar mais, queremos conquistar a igualdade, o respeito e a justiça, vamos nos unir e trabalhar para alcançarmos os espaços que nos são legítimos, voltemos ao nosso ponto de partida. Nossos sonhos e lutas de construir um mundo melhor, esse movimento só pode partir de nós mesmas. Sejamos “Claras” em nossas comunidades, nas lutas e na concretização do que sonhamos coletivamente como Mulheres de fé e profecia!
“Devo florir onde o Senhor me plantar!” (Santa Clara)
Alguns testemunhos e ações concretas têm motivado e iluminado o caminho dos jovens brasileiros chamados por Francisco e Clara a realmar novos caminhos para economias que cuidem da vida. Um destes testemunhos presentes e atuantes nas redes da Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara é o de irmã Lourdes Dill, Filha do Amor Divino, missionária em Barra do Corda no Maranhão, que desenvolveu trabalhos muito importantes na construção e articulação da Economia Popular e Solidária através da Cáritas Brasileira e da Rede Esperança Cooesperança, de Santa Maria, no Rio Grande do Sul.
Para irmã Lourdes “participar da Articulação Brasileira e também da Articulação da Equipe do Rio Grande do Sul na Economia de Francisco e Clara é de extrema importância. A religiosa recorda sua caminhada de quase 40 anos na Rede Cáritas e na Economia Solidária, enfatizando que essa vivência de sua vocação “faz abrir cada vez mais horizontes para contribuir na organização do povo e no Realmar as Economias do mundo. Dizer não a uma Economia de exclusão e desigualdade deveria ser um compromisso de todos os cristãos e cristãs”.
Ela complementa recordando a centralidade do chamado de Francisco, neste processo: “Com o chamado que o Papa Francisco faz especialmente aos jovens, mas também à toda humanidade para ficarmos atentos ao cuidado da vida, da Mãe Terra e da nossa Casa Comum, lugar onde habitamos e precisamos deixar melhor do que o encontramos para o presente e o futuro da Humanidade. Os primeiros cristãos que colocavam tudo em comum, repartiam seus bens com alegria e entre eles não havia necessitados. Cada dia o Senhor aumentava os seus seguidores desta Economia da Partilha e do Bem Viver”.
Na atuação de irmã Lourdes, historicamente a acompanha o provérbio africano “muita gente pequena, em muitos lugares pequenos, fazendo coisas pequenas, mudarão a face da Terra”. Ela completa com outra frase que inspirada na vida das comunidades, nos aponta um horizonte de serviço, diálogo e atuação concreta em caminhos de unidade: "Os rios não bebem sua própria água; as árvores não comem seus próprios frutos; o Sol não brilha para si mesmo e as flores não espalham sua fragrância para si. Viver para os outros é uma regra da natureza. Todos nós nascemos para ajudar uns aos outros e umas às outras. Não importa quão difícil seja. A vida é boa quando você está feliz, mas a vida é muito melhor quando os outros são felizes por nossa causa". E completou profetizando aquela economia que não é uma utopia: “outra Economia já acontece no campo e na cidade e vai se fortalecendo com a Economia de Francisco e Clara e de todas as formas que fortalecem a perspectiva do Bem Viver para toda a Humanidade”.
“O espírito da Economia de Francisco e Clara nos propõe uma nova cultura”
O Frei Rodrigo André Cichowicz, franciscano e pároco da Paróquia Santa Clara, na Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre, salienta que a Pastoral Social da Paróquia Santa Clara atende hoje mais de 50 famílias que recebem acompanhamento social e são inseridas em atividades de oficinas que proporcionam a inclusão e superação de vulnerabilidades.
“Missão desenvolvida por uma agente da Pastoral Social, além de voluntárias. Os recursos que temos são os frutos de campanhas e da colaboração de pessoas generosas que acreditam nessa causa. Nossa atenção especial são os idosos e as pessoas portadoras de deficiência física ou algum transtorno mental. Pessoas e famílias excluídas, não acolhidas no mercado de trabalho e que ainda não têm seus direitos mínimos garantidos.”
Segundo ele, o primeiro objetivo é acolher, ouvir, orientar individualmente, convidando e acolhendo nos espaços dos grupos de convivência e oficinas, visando construir e fortalecer com eles um espírito de partilha, confiança, cooperação, fraternidade, solidariedade e resgate da condição e dignidade humana. “Além disso, recebem mensalmente uma cesta de alimentos para ajuda no sustento de suas casas. É belo sentir o sentimento de cada um deles, é muito gratificante sentir a alegria, ver o sorriso e a esperança resgatados em seus rostos. É emocionante ouvir deles: ‘Quando estou aqui com vocês é o meu melhor dia da semana’ ou então: ‘muito obrigado, não somente pelo alimento, mas pela acolhida carinhosa de vocês e por tudo que nos proporcionam’. O espírito da Economia de Francisco e Clara nos propõe muito mais que uma economia, nos propõe uma nova cultura. Ousemos acreditar, ousemos sonhar e lutar. Paz e bem.”
Escola de Articuladoras e Articuladores da Economia de Francisco e Clara
Como resposta às demandas vindas dos territórios em que a Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara passou a ser organizada popularmente, será realizada virtualmente, nos meses de julho e agosto, a Escola de Articuladoras e Articuladores da Economia de Francisco e Clara.
A Escola tem o objetivo de educar pessoas que já constroem ações para novas economias em suas comunidades, a fim de que se sintam aptas e dominantes dos temas, estratégias e discussões que circundam a Economia de Francisco e Clara. Por isso o público-alvo será de companheiras e companheiros já inseridas(os), de alguma forma, nos debates e atividades da ABEFC e que tenham disponibilidade para acompanhar a maioria das aulas online.
As aulas, que ocorrerão todas as quartas-feiras, às 20h, terão duração média de 1h30 e contarão com assessoras e assessores que possibilitarão análise e debate sobre temas que denunciam a crise socioambiental, mas também que anunciam alternativas anticapitalistas. Serão, ao total, nove encontros obrigatórios e três opcionais, nestes, as(os) integrantes do Secretariado da ABEFC ficarão disponíveis em três tardes de sábado para dúvidas, partilhas e sugestões de propostas concretas para enraizarmos a proposta do Papa Francisco.
Ao final de todo encontro, será aberto um período de uma semana (até o próximo encontro) para realização de uma atividade que, ao depender do tema estudado, poderá ser de análise territorial, contextualização da teoria ou contempl[ação]. Essa tarefa possibilitará uma constante ligação e aprofundamento do tópico abordado durante o encontro online, tornando a sequência de aulas uma verdadeira Escola de Economia de Francisco e Clara.
Ao final das lições, é esperado que toda articuladora e todo articulador inicie processos na comunidade em que se insere, abordando, de alguma maneira, a Economia de Francisco e Clara para encontrar respostas para os problemas coletivos da comunidade. Desde a busca efetiva por políticas públicas de qualidade e conscientização política, até o início de uma horta comunitária ou o apoio aos empreendimentos locais, todas as ações que buscam outros modelos econômicos podem ser consideradas para este projeto final.
A Escola é mais um sonho que começamos a realizar, para que se multipliquem as articuladoras e articuladores da Economia de Francisco e Clara e possamos “começar por baixo e, caso a caso, lutar pelo mais concreto e local, até os confins do mundo” (FT 78).
* Agentes da Economia de Francisco e Clara
** Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko