Rio Grande do Sul

Coluna

Tributar os Super-Ricos é cumprir a Constituição

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"Nossa Carta Magna é explícita ao determinar que os objetivos do Estado são promover o bem de todos, reduzir as desigualdades, erradicar a pobreza e a marginalização e construir uma sociedade justa, livre e solidária" - Divulgação / ABJD
As principais divergências quanto à reforma tributária estão entre os diferentes modelos de Estado

Em um evento importante sobre a reforma tributária, realizado em Porto Alegre, um parlamentar gaúcho afirmou que era absolutamente contra qualquer proposta de aumento de tributos para os mais ricos, especialmente se for para distribuir ou promover políticas sociais para os mais pobres, porque isso significaria, segundo ele, punir o sucesso e premiar o fracasso.

Com essa compreensão sobre a função dos tributos, é evidente que esse deputado gaúcho deve pensar, também, que a regressividade da tributação brasileira, que onera muito mais os mais pobres do que os mais ricos, não seria um problema a ser resolvido, mas uma virtude do sistema, pois representaria uma merecida punição aos mais pobres, pelo seu fracasso.

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Essa afirmação pode parecer estranha, mas ela faz parte da racionalidade que sustenta o pensamento de muitos daqueles que defendem o Estado mínimo ou residual e que entendem que o Estado de bem-estar social e os próprios direitos sociais levam as pessoas à uma acomodação indesejada.

É interessante observar que esse parlamentar deve ter sido eleito com uma grande quantidade de votos vinda dos setores mais pobres, mas defende de forma explícita a desoneração tributária para os mais ricos. Além disso, há também uma enorme contradição na sua afirmação, pois o modelo de Estado que ele defende está absolutamente desalinhado com a Constituição Federal, a mesma que ele jurou cumprir em sua posse. O texto do termo de posse dos deputados estaduais no Rio Grande do Sul começa com a expressão: “Prometo cumprir a Constituição Federal...”

Nossa Carta Magna é explícita ao determinar que os objetivos do Estado são promover o bem de todos, reduzir as desigualdades, erradicar a pobreza e a marginalização e construir uma sociedade justa, livre e solidária e que os tributos devem ser cobrados respeitando a capacidade contributiva dos cidadãos.

Para o deputado parece que aquele juramento de posse foi apenas uma formalidade sem qualquer sentido, pois, na sua opinião, os mais ricos, que detêm maior capacidade contributiva, não deveriam ser mais tributados, nem o Estado deveria promover política para beneficiar os mais pobres.

Podemos ter preferências entre um Estado de bem-estar social ou um Estado mínimo, entre um desenvolvimento econômico pautado na industrialização ou numa economia primário-exportadora de commodities, entre uma sociedade mais solidária ou mais competitiva, mas não podemos deixar de cumprir a Constituição, e lá está determinado que ao Estado cabe promover os direitos sociais para todos e garantir os direitos fundamentais. 

A defesa de que o Estado não deve promover políticas públicas para atender as necessidades essenciais dos mais pobres, independentemente das justificativas de natureza moral ou ideológica, significa apologia do descumprimento da Constituição Federal, o que não se coaduna com a prática esperada da representação parlamentar, afinal, é da natureza da política a defesa do bem comum, sobretudo num Estado constituído sobre os fundamentos de um Estado social, como é o Brasil. Se não é lícito defender o descumprimento de uma Lei Ordinária, por que seria lícito defender o descumprimento da Constituição?   

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Voltando à questão tributária, que suscitou a referida manifestação do parlamentar, precisamos ter em conta que a tributação dos super-ricos, além de ser socialmente mais justa e economicamente mais efetiva, está alinhada aos dispositivos constitucionais. Os constituintes de 1988 previram a possibilidade de instituição do Imposto sobre as Grandes Fortunas, por exemplo, e este é o único tributo, de todos os que foram previstos, que ainda não foi implementado. Além disso, estabeleceram a necessidade de observância da capacidade contributiva, da progressividade, da generalidade, da universalidade e da seletividade para orientar o sistema tributário.

Embora contrária aos ditames constitucionais, a opinião manifestada por aquele deputado estadual encontra-se alinhada ao pensamento neoliberal, o mesmo que determinou a promoção de diversas medidas de esvaziamento da progressividade da tributação, seja pela desoneração de imposto sobre as altas rendas, com a isenção de Imposto de Renda para os lucros e dividendos distribuídos e com a criação da despesa fictícia de juros sobre o capital próprio, promovidas pela Lei 9.249, de 1995, bem como pela obstrução permanente à tramitação de qualquer uma das várias propostas legislativas de implementação do Imposto sobre Grandes Fortunas.

Assim, não há dúvida de que as principais divergências entre as posições relativas à reforma tributária não estão no campo da tributação, mas entre os diferentes modelos de Estado, pois o papel que queremos atribuir ao Estado determina a forma como vamos tributar.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko