As modificações geradas pelo Novo Ensino Médio nas escolas estaduais gaúchas e de todo o país pautaram mais um evento de mobilização, na manhã desta terça-feira (16), no Colégio Estadual Júlio de Castilhos, no bairro Santana, em Porto Alegre. Organizado em conjunto por estudantes e diretorias de diversas instituições de ensino da Capital, a iniciativa contou com centenas de pessoas que lotaram o espaço buscando aprofundar a mobilização pela revogação do currículo – considerado um retrocesso pelas lideranças de escolas e por movimentos sociais e políticos.
O seminário se propôs a discutir os efeitos do Novo Ensino Médio com as participações da representante do Observatório do Ensino Médio, Jaqueline Moll, e da professora da Faculdade de Educação (FACED) da UFRGS, Patricia Marchand. Ao longo das mais de duas horas de intervenções, foram discutidos os principais pontos desse modelo estão sendo motivo de críticas.
Um deles é a desvinculação de políticas de fomento financeiro e de reformas relacionadas a infraestrutura pedagógica e formação docente. Segundo os movimentos que articulam a mobilização, isso é um fator que desfragmenta o conhecimento, prejudica a formação dos jovens e acentua as desigualdades sociais.
Outro ponto diz respeito à inserção dos chamados itinerários formativos, que, de acordo com a visão de professores e alunos, trazem conteúdos que não proporcionam a formação adequada. Para a professora Jaqueline Moll, isso ocorre porque muitos professores são incentivados a lecionar disciplinas das quais não tiveram formação, ao mesmo tempo em que os estudantes não obtêm os conhecimentos necessários para atuar no mercado de trabalho e cursar ensino superior.
Resultados “trágicos”
Ela aponta que o atual sistema de ensino traz resultados “trágicos” para a sociedade em geral. Principalmente para os filhos de trabalhadores e pessoas de baixa renda que não tem condições de se matricular em instituições de ensino privadas.
“Uma reforma que tem implicações estruturais bem significativas para a oferta do Ensino Médio, pois altera não somente a formação curricular, mas também a carga horária. Em 2021, o currículo do Ensino Médio no Rio Grande do Sul tinha 90 períodos semanais. Agora, em 2023, passou para apenas 36. Ou seja, todos os componentes curriculares da grade atual tiveram redução, com exceção de Inglês e Literatura. Então é óbvio que essa formação está comprometida”, avalia Jaqueline.
A professora da FACED Patricia Marchand destaca a importância das mobilizações para garantir uma sociedade plenamente democrática, por meio de um ensino público de qualidade que proporcione uma formação integral dos jovens, garantindo conhecimento, capacitação profissional e desenvolvimento do senso crítico.
“Uma mudança real necessária no Ensino Médio brasileiro não seria somente no modo de organização e nos tempos das disciplinas. O Ensino Médio nunca entrou na agenda de direitos do Brasil, de fato, como uma etapa de conclusão da educação básica. O Pacto Nacional Pelo Fortalecimento do Ensino Médio que foi interrompido em 2016 trazia metas específicas para o setor e estratégias importantes que devem ser retomadas. Nós não seremos uma sociedade melhor sem o acesso aos saberes que não podem ser trabalhados de forma isolada”, avalia a professora.
Um dos movimentos que lideram as mobilizações pela revogação é o 39º núcleo do Cpers, sindicato que representa trabalhadores da educação estadual. A diretora-geral do o 39º, Neiva Lazzarotto, denunciou que a elaboração do Novo Ensino Médio parte de institutos e empresas privadas.
"Quem está defendendo a manutenção do Novo Ensino Médio e disputando conosco a escola pública os recursos públicos é o Movimento Todos pela Educação - Fundação Lemann, Instituto Unibanco e outros. Os bilionários do país estão dentro da Seduc e do MEC. Eles estão saqueando os cofres do Estado brasileiro. Precisamos seguir mobilizando para revogar o Novo Ensino Médio e apresentar as alternativas ouvindo a todos, escolas e universidades", destaca a dirigente.
O aumento de mão-de-obra para atividades terceirizadas com a formação proporcionada pelo Novo Ensino Médio é um fator de preocupação levantado pela presidente da Associação Unidos Terceirizados, Adriana Cunha.
“Essa nova reforma leva a uma condição na qual os jovens estão sendo treinados para trabalhar em funções com formação e salário reduzido. Eu moro na Zona Leste e faço faxina para me manter, mas continuo com meu sonho de poder retomar os estudos e fazer uma faculdade. Temos que usar essa força dos estudantes e ir para a rua para mudar essa realidade”, destaca Adriana.
“Os sonhos dos estudantes estão sendo roubados”
Diversos movimentos estudantis estão participando da mobilização pela Revogação do Ensino Médio no Rio Grande do Sul. Um deles é o Ocupe, cujo um dos principais representes é o estudante Matheus Vicente do Colégio Estadual Afonso Emilio Massot. Em sua manifestação, ele sintetizou boa parte dos sentimentos de muitos jovens que visualizam muitas dificuldades de formação a partir do Novo Ensino Médio.
“Estão impondo que os estudantes da escola pública não possam entrar na universidade com essa reforma, porque ela tira emprego dos professores e dos estudantes que querem ingressar na universidade. Aí os estudantes não fazem Enem e não vão entrar no ensino superior. Para se ter uma ideia, 50% dos municípios no Rio Grande do Sul possuem apenas uma escola de Ensino Médio. Os sonhos dos estudantes estão sendo roubados com essa reforma”, afirma.
Outra liderança estudantil que se manifestou no evento foi o presidente da União Gaúcha dos Estudantes (UGES), Anderson Fortes. Ele destaca a necessidade de revogação total do Novo Ensino Médio.
“A principal reforma que precisamos ter nas escolas é de infraestrutura porque chegamos na escola e não tem merenda, não tem professor e não tem banheiro adequado”, diz Fortes.
Ainda nesta semana, na quinta-feira (18), às 19h, ocorre mais um seminário para discutir os retrocessos do Novo Ensino Médio no Colégio Ildo Meneghetti, no bairro Restinga. Os movimentos que integram a mobilização contra o Novo Ensino Médio estão sendo organizados pelo 39º Núcleo do Cpers.
O seminário foi constituído pelo Comitê Azenha - Menino Deus pela Revogação do Novo Ensino Médio, com representantes das escolas presentes.
Infraestrutura de escolas não estaria preparada para novo modelo
Além de alunos e professores do Colégio Estadual Júlio de Castilhos, o evento também teve a participação das escolas E.E.E.M Desidério Torquato Finamor, E.E.E.M Inácio Montanha, E.E.E.M Infante Dom Henrique e Colégio Estadual Emílio Massot.
Para o professor de Sociologia e vice-diretor do Inácio Montanha, Luís Antônio Pasinato, o Novo Ensino Médio força os jovens a selecionarem as trilhas de conhecimento em um momento no qual eles não têm o amadurecimento necessário, gerando uma série de lacunas no aprendizado. Além disso, ele ressalta que as escolas não têm condições físicas e humanas para contemplar todo o conjunto de trilhas ofertadas.
“A maioria das trilhas são novas que demandaria uma formação dos professores, para que haja o diálogo fundamental entre professores e alunos. Outro ponto é que existem trilhas que já são ministradas por professores no ensino básico, o que gera uma sobrecarga de conteúdos que não é compreendida pelos professores e tampouco pelos alunos, com uma carga horária excessiva, que poderia ser trabalhada nas disciplinas que já existiam antes”, avalia o docente.
Para a professora da Infante Dom Henrique, Amanda Machado, o Novo Ensino Médio traz sérios riscos de afastar os filhos e filhas de jovens da classe trabalhadora do acesso ao conhecimento. "É muito importante que os alunos e as famílias se apropriem dessa discussão, porque estamos vendo que essas mudanças não estão sendo nada positivas", destacou.
Saiba quais as principais mudanças do Novo Ensino Médio
O início do ano letivo trouxe para o contexto das escolas a realidade da implantação do chamado Novo Ensino Médio. A mudança iniciada pelo governo de Michel Temer (MDB), em 2016, e implantada no ano passado pela então presidente Jair Bolsonaro (PL) gerou distorções no método de ensino, sobrecarregando professores e restringindo o acesso ao conhecimento pelos estudantes.
Veja abaixo quais são os principais pontos que motivam a indignação de alunos e de docentes:
• O novo modelo prevê a obrigatoriedade de apenas duas disciplinas - Português e Matemática -, que fazem parte de um currículo integrado que sintetiza todo o conjunto de matérias em quatro áreas do conhecimento: Linguagens e suas Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.
• Assim, as demais matérias antes individualizadas - Arte, Educação Física, Língua Inglesa, Biologia, Física, Química, Filosofia, Geografia, História e Sociologia – foram divididas em apenas duas áreas de conhecimento. Na visão de professores e de alunos, a retirada de matérias de formação intelectual e humana empobrece a capacidade de aprendizado.
• Outro motivo de crítica é a redução da carga horária de aulas presenciais de 2,4 mil horas anuais para 1,8 mil obrigatórias e 1,2 mil eletivas.
• A oferta de disciplinas eletivas retira a formação do senso crítico e foca em formação profissional para atividades precarizadas, de acordo com os sindicatos e entidades estudantis;
• A implantação da lei provocou demissão de professores e a imposição que os docentes assumam até sete disciplinas a partir da mudança da matriz curricular – o que causa sobrecarga de trabalho.
Edição: Marcelo Ferreira