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Desigualdade climática em Porto Alegre: como a cidade está lidando com o problema?

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A Pedreira, no Morro Santana, tem risco de queda de blocos. Pessoas em risco estimadas: 96; Imoveis em risco estimados: 24 - Arquivo pessoal
É preciso enfrentar a iniquidade climática, levando em conta as disparidades de gênero e raça

A mudança climática deixou de ser um assunto distante e exclusivo do campo científico, para se tornar uma realidade visível e inquietante para todos. Em Porto Alegre, essa preocupação é ainda mais urgente, já que temos enfrentado um clima cada vez mais quente e chuvoso nos últimos anos. Isso tem levantado preocupações sobre a capacidade da população em se adaptar a essas mudanças e, em especial, como os governos nas diferentes escalas têm manejado o problema.

A desigualdade é uma das questões mais preocupantes no contexto das mudanças climáticas, como apontado pelo último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC/ONU). De acordo com os dados alarmantes apresentados, cerca de 40% da população mundial é altamente vulnerável aos impactos dessas mudanças. Isso significa que quase metade da população do planeta não tem condições de lidar com fenômenos climáticos extremos como secas prolongadas, temperaturas elevadas e chuvas intensas.

No Brasil, os efeitos desastrosos desses fenômenos são evidentes em locais como São Sebastião, no litoral paulista, onde desastres naturais causaram danos irreparáveis à vida humana, com efeitos sociais e econômicos permanentes. A iniquidade climática, imbricada com as disparidades existentes de gênero e de raça, é uma realidade que precisa ser enfrentada com urgência, visando promover a justiça e a equidade para todas as pessoas, independentemente de sua localização geográfica ou condição socioeconômica.

De acordo com o estudo mais recente divulgado pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB) - CPRM, o número de imóveis em áreas de risco "alto" em Porto Alegre aumentou significativamente de 2012 a 2023, de 10.004 para 14.600, com um aumento correspondente no número de pessoas em situação de risco "alto", de 40.016 para 58.624. Considerando tanto as classificações de risco "alto" quanto as de risco "muito alto", o número total de pessoas e seus patrimônios em risco iminente chega a 84.460 e 20.884, respectivamente, com áreas concentradas em bairros que já enfrentam outras vulnerabilidades, o que afeta principalmente populações com menos recursos para lidar com as consequências dos desastres naturais. É preciso enfrentar a iniquidade climática, considerando que as disparidades de gênero e raça agravam a situação.


O número de imóveis em áreas de risco "alto" em Porto Alegre aumentou significativamente de 2012 a 2023 / Fonte: Serviço Geológico do Brasil (SGB) - CPRM

Apesar da promulgação da Lei Complementar Municipal nº 872 em 2020, que institui a Política de Sustentabilidade, Enfrentamento das Mudanças Climáticas e Uso Racional da Energia em Porto Alegre, ainda há muito a ser feito para enfrentar as mudanças climáticas. A desinformação é um desafio ainda maior e pode levar a ações paliativas e insuficientes. Investir em educação ambiental para combater a desinformação e engajar a população em ações concretas é essencial para preservar o meio ambiente e enfrentar as mudanças climáticas. A garantia do direito à informação em linguagem acessível também é fundamental para que as comunidades possam tomar decisões informadas e pressionar as autoridades a tomar medidas efetivas contra as mudanças climáticas e os seus efeitos.

Embora a Lei Municipal mencionada estabeleça diretrizes importantes, é necessário investimentos significativos e implementação rigorosa para tornar essas iniciativas eficazes. A cooperação entre as esferas municipais, estadual e federal é fundamental para superar os desafios e as ações devem ser intersetoriais, articulando a Defesa Civil, Proteção ao Meio Ambiente, Urbanismo e Planejamento Urbano, Saúde e Assistência Social.

Para ser efetiva, a Lei requer um investimento significativo em capacitação técnica e financeira para sua implementação eficiente e sustentável. Além disso, promover iniciativas de vigilância popular nos territórios afetados e vulneráveis, com mecanismos de apoio técnico e logístico eficientes junto a Prefeitura Municipal de Porto Alegre em articulação com governos estadual e federal é primordial. No entanto, a gestão municipal, estadual e federal ainda não tem sido bem-sucedidas em prestar assistência técnica e jurídica gratuita às comunidades e grupos sociais menos favorecidos, principalmente às famílias que residem em áreas irregulares e demandam a regularização fundiária, conforme preconiza o Estatuto da Cidade.

O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUA), em processo de revisão, é mencionado na Lei Complementar Municipal 872 como um instrumento a ser considerado na mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. No entanto, segundo análise crítica do Observatório Metrópoles, o PDDUA está longe de debater os desafios que precisam ser superados.

Governos de todas as esferas têm se mostrado relutantes em lidar com as persistentes iniquidades que impedem o acesso aos direitos, incluindo o direito à cidade e a um meio ambiente equilibrado. O que é ainda mais alarmante é que dispomos de um vasto acervo de estudos e relatórios técnicos e científicos que ilustram a extensão das catástrofes que as mudanças climáticas podem trazer. Será que vamos esperar até que seja tarde demais para agir? É hora de a sociedade civil e os governos unir forças para mitigar os efeitos desse fenômeno devastador.

* Artigo de Maurício Polidoro é geógrafo, pós-doutor em Saúde Coletiva. É professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (Campus Porto Alegre) e do programa de pós-graduação em Saúde da Família da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É pesquisador do Observatório das Metrópoles (Núcleo Porto Alegre); e Leonardo da Silva Felippe é geógrafo, mestrando em Sensoriamento Remoto na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisador do Observatório das Metrópoles (Núcleo Porto Alegre).

** Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko