A organização dos sem terra impõe respeito ao básico dos direitos humanos universais
Para começo de conversa, seguindo metodologia da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, o tema da semana iniciará por denúncias para concluir com anúncios.
No campo das denúncias é até constrangedor verificar o nível a que fomos arrastados. Com as atuais evidências de falsificação/desmoralização de documentos institucionais, para permitir que o ex-presidente e sua turma descumprissem legislações internacionais, os golpistas se superaram em termos de baixaria.
Ao mesmo tempo em que a OMS anunciava o fim da emergência de saúde com uma pandemia que matou cerca de 7 milhões de pessoas no planeta (10% delas no Brasil), se tornava pública a prisão de auxiliares do chefe daquela quadrilha negacionista que nos últimos 4 anos tomou de assalto nosso governo. Parece mentira, mas eles falsificaram documentos do Ministério de Saúde brasileiro para enganar agências de imigração e saúde do governo norte-americano. E a esta prisão de ajudantes imediatos do ex-presidente se somam a evolução daquele caso da tentativa de roubo de (ou pagamento de suborno com) joias, e a revogação de indulto concedido a ex-deputado bolsonarista.
Neste caldo, o fato de Daniel Silveira, liberado de uma pena de 8 anos e 9 meses de prisão por um indulto presidencial cercado de suspeitas que incluem até a ilegalidade do ato, se somar em cana a outros golpistas notórios e tendentes a fazer denúncias premiadas, explica o nervosismo dos fascistas e ajuda a entender a CPI do MST.
Aliás, esta CPI, que também é ilegal porque foi estabelecida sem fato determinado, se explica como mais uma tentativa desesperada de serviçais daqueles que lucraram com as mortes da covid, que engordam com a fome de milhões e que ignoram os dramas que o atual modelo vem causando à saúde do planeta. Trata-se de manter a sociedade distraída em relação a problemas reais, causados por eles e seus associados.
Para discutir este ponto, vamos aos anúncios.
Nesta semana, durante o programa 20 minutos, de Breno Altman, Liu Durães, da Coordenação Nacional do MST, brilhou em conversa que aqui não será reproduzida porque aquele programa ("Liu Durães: CPI do MST é estratégia da bancada ruralista? - Programa 20 Minutos" no YouTube) deve ser assistido.
Uma síntese minimalista? Os direitos humanos são afeitos a todos. Cabe aos governos e à sociedade enxergar os despossuídos e garantir seu acesso à condição humana. Assumindo este compromisso o MST se valeria do mês de abril para chamar atenção sobre realidades que os fascistas querem esconder. As marchas e ocupações seriam alguns dos instrumentos, e a ociosidade/improdutividade em terras impedidas de cumprir sua função social, bem como as instituições públicas desviadas de suas responsabilidades e o descumprimento de acordos e da Constituição Federal seriam alguns dos exemplos que justificaram aquelas ações. Ali se estaria tentando trazer luz sobre necessidades de 80 mil famílias acampadas e 33 milhões de brasileiros que passam fome, entre outras questões a isso relacionadas.
A compreensão desta realidade estaria (e de fato, está) levando a sociedade a entender o papel do MST e as possibilidades oferecidas por seu Projeto de Reforma Agrária Popular, para enfrentamento daquelas e outras tragédias. As 8 mil e 500 toneladas de alimentos por eles distribuídas durante a covid, bem como a adoção de sistemas produtivos de base agroecológica, o avanço em processos educativos emancipatórios e o compromisso com o plantio de 100 milhões de árvores evidenciam este fato: a CPI do MST objetiva desviar atenção de crimes dos golpistas e ocultar o protagonismo da sociedade organizada na superação de dramas antigos, criminalizando os sem terra para dar sobrevida ao discurso de ódio daqueles interesses derrotados na eleição de 2022.
Para uma citação quase literal, vejam que a organização dos sem terra impõe respeito ao básico dos direitos humanos universais. Ela começa nos acampamentos, na fragilidade dos barracos de lona preta. Ali aquelas pessoas se agrupam porque encontram solidariedade, fraternidade, paz e perspectivas de vida digna.
A partir daquele espaço de organização constroem projetos que se realizarão em assentamentos. Nas áreas reformadas, com políticas de crédito, extensão, pesquisa e apoio à comercialização (com investimentos irrelevantes se comparados ao plano safra e rolagem de dívidas do agronegócio), poderão garantir uma nova paisagem nos campos, com ocupações produtivas voltadas à oferta de alimentos saudáveis, de base agroecológica.
Aproveitando o mote da agroecologia, vejam seu oposto.
Com o modelo de agronegócio defendido pelos proponentes daquela CPI do MST, os desertos avançam no rastro das queimadas e dos monocultivos que homogenizam o território nacional.
Sabemos que a evaporação dos oceanos só atinge o interior dos continentes graças ao papel das grandes florestas, e que eles estão acabando com elas. Conforme descrito por Antonio Nobre, em sua imagem dos rios voadores, a evaporação oceânica e dos grandes lagos se condensa sobre as matas, provocando as chuvas e formando as nuvens que escoam irrigando áreas distantes do litoral.
Ocorre que, na ausência de vegetação florestal densa, no interior dos continentes o ciclo se faz interrompido e surgem as áreas desertificadas. A formação das nuvens, em regiões não alcançadas pelo vapor oceânico, só ocorrerá em função da transpiração vegetal, na presença de grandes massas verdes. As florestas, com até 27 quilômetros quadrados de folhas, por quilômetro de solo, cumprem este papel, atuando como bombas de replicação que estendem as nuvens originadas no mar até regiões muito distantes do litoral.
Neste sentido, os sistemas produtivos biodiversos, de base agroecológica, associados ao plantio de 100 milhões de árvores, em desenvolvimento pelo MST, devem ser vistos como fundamentalmente básicos para a vida. Eles se estendem para além da geração de alimentos limpos e do envenenamento de águas pelo agronegócio.
E a CPI do MST proposta pelos golpistas se apresenta, nesta perspectiva, como instrumento para desviar a atenção da sociedade, em relação a seus crimes, para manter o governo sob chantagem e para minimizar a importância de um movimento social que, mais do que nosso respeito, e em nosso interesse, precisa de nosso apoio.
Em oposição a isso, e como anúncio final deste texto, recomendamos atenção para a 4ª Feira Nacional da Reforma Agrária. Ali a realidade não pode ser ocultada. Vá e veja. Dias 11 a 14 de maio, no Parque da Água Branca, região central da cidade de São Paulo (SP).
Confira também o Programa Arte, Ciência e Ética num Brasil de Fato, com Telia Negrão, jornalista e mestre em Ciência Política. Integra vários coletivos feministas, entre os quais Querela Jornalistas Feministas, e é fundadora do Coletivo Feminino Plural. Faz parte da coordenação nacional e do operativo estadual da campanha Levante Feminista Contra os Feminicídios.
E a sugestão de música é o nosso Chico Buarque com Meu cordão.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko