Uma cerimônia marcou a posse do novo superintendente regional do Incra no RS, Nelson José Grasselli, na manhã desta terça-feira (2). O evento aconteceu no auditório da autarquia em Porto Alegre e contou com a presença do presidente nacional do Incra, César Aldrighi, além de parlamentares, autoridades políticas e representantes de movimentos populares do campo e de povos tradicionais.
Os discursos focaram na necessidade de retomada de políticas públicas e nos planos emergenciais para o próximo período. Grasselli, em seu discurso, cumprimentou os presentes e afirmou que sua tarefa será conduzir o Instituto para retomar um trabalho que em grande medida ficou parado. "O desafio é bastante grande, mas se fosse fácil, não seria para nós. A luta recém está começando nesse primeiros quatro meses de governo", disse.
Segundo ele, o órgão esteve sem ação nos últimos anos, mas não por falta de vontade de seus servidores, mas pela ausência de políticas públicas dos governos. "Ficamos sem ação na área. Daqui pra frente teremos que trabalhar para fazer acontecer as ações de reforma agrária. Nas próximas semanas, o governo Lula deve fazer um anúncio de políticas e também quais serão as metas."
Grasselli também salientou que a estrutura do Incra iniciará, ainda nesta terça-feira (2), um levantamento para fazer investimentos na ordem de aproximadamente R$ 40 milhões nos assentamentos do RS. "Esses recursos eram reivindicados pelas famílias de pequenos agricultores e assentados, pois, além da diminuição de recursos para a reforma agrária, o estado vivenciou anos consecutivos de estiagem."
Além disso, citou que o Incra/RS buscará fazer parcerias com o governo estadual, universidades, Fetag, Fetraf e demais movimentos populares para atender o público alvo do Instituto.
Ações do governo federal
César Aldrighi, ao encerrar a cerimônia, apresentou algumas ações que serão tomadas a partir das orientações do governo federal. Sobre a liberação do crédito emergencial para os assentamentos gaúchos amenizarem as perdas em razão da estiagem, afirmou que os técnicos do Incra estarão, a partir da quarta-feira (3), coletando assinaturas dos contratos com os beneficiários.
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A medida, que havia sido anunciada ainda em fevereiro, vem sendo aguardada por cerca de 8 mil famílias no estado. Também afirmou que o governo federal deve anunciar nos próximos dias um plano reforma agrária para 2023.
Além dos anúncios, afirmou que a retomada das ações do Instituto se dão em um contexto de dificuldades variadas. “Hoje, o orçamento do Incra é menos de 5% do que era em 2010. Isto não nos desanima”, afirmou.
Quilombolas entregaram reivindicações
Durante a cerimônia, representantes dos povos quilombolas do estado entregaram um documento com reivindicações para o novo superintendente. A carta foi entregue por Clédis Rezende de Souza, da Federação das Associações de Comunidades Quilombolas do RS (FACQ/RS), e Onir Araújo, da Frente Quilombola RS.
O advogado Onir Araújo afirmou que existem pontos do documento que se referem às especificidades da luta territorial. "Quilombolas e indígenas também sentem sede e também são impactados pela estiagem. Não existe um corte específico para que esses recursos estejam à disposição, sem burocracia, para as comunidades quilombolas", disse.
Para Onir, essa falta de recorte também é uma manifestação de racismo institucional. Recordou ainda que o documento requer uma atenção especial para os processos de regularização fundiária dessas comunidades. "Temos comunidades com processos abertos há 20 anos e não se concluem. Como é o caso da comunidade quilombola do Morro Alto", referiu.
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Aldrighi enfatizou que a autarquia igualmente está devendo ações para o público quilombola na regularização de seus territórios, mas que a equipe de técnicos é comprometida e que existem diversas portarias e decretos a serem publicados sobre o tema.
Combate à estiagem
Representando o governo Eduardo Leite (PSDB), o secretário de Desenvolvimento Rural do estado, Ronaldo Santini, afirmou fazer questão de prestigiar a posse por conhecer de longa data o trabalho de Grasselli, desde que era prefeito de Pontão, e que pretende trabalhar pela área da agricultura em conjunto, dando atenção especial para o tema das "sucessivas estiagens".
Disse que a pasta está disposta a trabalhar em parceria com todas as entidades para recuperar a "segurança hídrica" do estado. "Não há como falar em desenvolvimento rural sem garantir água para as propriedades rurais e para as pessoas que ali estão."
Modelo de agricultura
Presente na cerimônia e citado pelo novo superintendente, o dirigente do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) Frei Sérgio Antônio Gorgen salientou que o Incra presta um serviço essencial para as famílias assentadas, além da própria regularização fundiária dos pequenos agricultores.
"É bom que o Incra volte a cumprir seu papel institucional e histórico, que foi perdido nos últimos seis anos. É importante esta posse, principalmente de alguém que passou pela lona preta, é assentado, conhece o público e a administração pública."
Segundo ele, os pequenos agricultores vivem uma disputa de longo prazo contra o agronegócio, em termos estratégicos. "Não estamos falando de uma disputa somente por terra. É uma disputa por um modelo de sociedade e de agricultura. O agronegócio é inviável economicamente e do ponto de vista ambiental."
Reforma agrária para combater a fome
Representando os movimentos da Via Campesina, Salete Carolo, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), destacou a presença dos movimentos do campo na solenidade, afirmando que o atual governo federal é uma conquista dos mesmos, sendo a nomeação do atual superintendente uma extensão desse processo. "Acreditamos que a democracia deve prevalecer. Nós, como movimentos sociais do campo, estaremos juntos na reconstrução desse país."
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Também disse que o Incra é fundamental para os agricultores e, por consequência, essencial para efetivar políticas que visem acabar com a fome e a com a miséria. "A reforma agrária, dentro da democracia, é democratizar a terra, dando acesso e condições para a produção."
Parlamentares marcaram presença
Diversas autoridades estiveram presentes, entre deputados, prefeitos e vereadores. Fizeram falas dois parlamentares ligados com os movimentos de luta pela terra e reforma agrária. O deputado estadual Adão Pretto Filho (PT) recordou os fatos acontecidos no dia 8 de janeiro e afirmou que não se pode aceitar nenhum tipo de retrocesso ou crime contra a democracia. Lembrou também que, em janeiro, o então superintendente regional ainda era o escolhido pelo governo anterior e que, diante dos fatos ocorridos em Brasília, foi feita uma articulação para que o nome fosse trocado.
"Não podemos aceitar que ninguém jogue contra o nosso projeto. Não é apenas uma questão de trocar o nome, a luta é por um projeto que foi escolhido pelo povo brasileiro. Portanto, temos agora muita esperança do povo acampado e assentado no novo trabalho que se inicia", afirmou.
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Por sua vez, o deputado federal Dionilso Marcon (PT) se solidarizou com os servidores do Incra, vítimas, segundo afirmou, de sucessivas tentativas de desmoralização.
Para ele, os quilombolas, indígenas, assentados, agricultores familiares e aqueles que buscam moradia no campo terão uma nova perspectiva, com o aumento de verbas do governo federal destinado à essas áreas.
Também acredita que as parcerias precisam ser valorizadas para fazer as verbas chegarem aos seus destinos corretos, mesmo que seja uma relação entre governos de partidos diferentes.
"Falo como assentado, mas também como deputado da base do governo. Mas, precisamos que os prefeitos sejam parceiros. Não podemos ter prefeituras que recebem recursos do Incra e os assentados não têm estrada para sair de casa", cobrou.
Direito à terra e dignidade
Também presente na cerimônia, o juiz Luís Christiano, representante da Associação Juízes para a Democracia (AJD), afirmou que a entidade se fez presente no evento, pois nasceu com a missão de resguardar os princípios democráticos inscritos na Constituição.
"Nesse sentido, como não poderia deixar de ser, damos nosso apoio aos movimentos sociais e suas lutas, no campo e na cidade. Estar aqui hoje significa desejar sucesso à gestão na necessidade de reestruturação fundiária e no cumprimento do que diz a Constituição", explicou. O juiz recorda que a reforma agrária é mais uma entre tantas outras políticas públicas que se fazem necessárias para garantir uma vida digna à população.
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Edição: Katia Marko