A operadora de máquinas Elisandra Antunes de Almeida tornou-se a primeira mulher no Rio Grande do Sul a liderar um sindicato que representa os trabalhadores metalúrgicos. Na noite do dia 15 de abril, tomou posse como presidenta do Sindicato dos Metalúrgicos de Passo Fundo, Marau e Tapejara. Metalúrgica e acadêmica de Direito, ela estará à frente da entidade pelos próximos quatro anos.
Hoje com 33 anos de idade, a dirigente está há 15 no ramo. O que era para ser algo temporário, até que conseguisse realizar uma formação, ela decidiu permanecer. “Eu fiz uma opção de transformar o meu local de trabalho e fazer uma revolução do chão de fábrica que eu piso”, afirma em entrevista ao Brasil de Fato RS.
No dia da posse, Elisandra destacou o momento histórico de ser a primeira mulher a dirigir o sindicato dos metalúrgicos, ramos onde a maioria é de homens. Segundo ela, o fato rompe um paradigma.
“Nos últimos tempos vemos mulheres se desafiando a ocupar setores como solda, pintura, motoristas, etc. Mas, independentemente do cargo, nossa luta é por paridade, isonomia salarial, trabalho decente e oportunidades iguais”, ressalta.
Abaixo, a entrevista completa:
Brasil de Fato RS - A categoria dos metalúrgicos abriga uma grande maioria de homens. Conte como se tornou metalúrgica. Quando começou, porque escolheu esta profissão e há quanto tempo está nela?
Elisandra - Entrei no ramo da Metalurgia em 2008. Estou há 15 anos na categoria, entrei jovem, para que fosse um período temporário até que eu conseguisse realizar uma formação e sair devido às condições de trabalho da categoria.
BdFRS - O que te levou a ficar todo esse tempo?
Elisandra - Uma velha frase que eu conheço: "Muda o penteado mas o chicote é o mesmo". Geralmente a gente muda de emprego para buscar algo melhor, e sabemos que as questões capitalistas são sempre as mesmas independente de que fábrica ou categoria iremos ingressar. Então eu fiz uma opção de transformar o meu local de trabalho e fazer uma revolução do chão de fábrica que eu piso.
A primeira foi a questão salarial, entrando para o movimento sindical para buscar melhores salários. A segunda foi quando fui para a CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes), quando decidi ser cipeira para mudar a realidade e as condições de trabalho dos meus colegas da fábrica, garantindo mais segurança para eles. E a última questão foi quando entrei nas negociações de PPR (Participação nos Resultados), para garantir uma renda a mais para os meus colegas.
Assim transformando as condições de trabalho dos meus colegas de chão de fábrica que fui me afirmando como uma referência para a categoria, quando entrei há 15 anos onde eu trabalho era de uma forma e agora quando saio está de outra forma.
BdF RS - Qual a participação das mulheres no ramo metalúrgico no Rio Grande do Sul?
Elisandra - A participação das mulheres vem se ampliando aos poucos no ramo metalúrgico, nós estamos nos inserindo dentro dessa atividade predominantemente masculina. A grande maioria das mulheres ainda ocupam, dentro das metalúrgicas, cargos administrativos.
No entanto, nos últimos tempos, vemos mulheres se desafiando a ocupar setores como solda, pintura, motoristas, etc. Mas, independentemente do cargo, nossa luta é por paridade, isonomia salarial, trabalho decente e oportunidades iguais. Enquanto liderança sindical essa será uma bandeira da minha luta.
BdF RS - Ao que tu atribui que só depois de 80 anos uma mulher foi escolhida para presidir a categoria e o que tu espera daqui para frente?
Elisandra - Espero que este fato histórico tenha despertado em todas as mulheres, e não somente na minha categoria, que “lugar de mulher é aonde ela quiser", e que “devemos estar ocupando espaços onde o capital não quer que estejamos”.
Nós mulheres sempre estivemos na organização da nossa categoria, pois temos a nomenclatura “trabalhadores”, mas desejo que na minha categoria todas as mulheres tenham sentido que qualquer uma pode ser dirigente sindical e que pode vir a presidir o sindicato mais importante e atuante da região.
BdF RS - Qual será sua pauta enquanto presidente do sindicato?
Elisandra - O novo mandato 2023 a 2027 tem como lema "A Luta faz a Lei". Assume o compromisso de dar continuidade ao trabalho de enfrentamento às irregularidades cometidas contra os trabalhadores e trabalhadoras metalúrgicas, com atuação planejada, qualificada e com resposta efetiva em cada local de trabalho. E principalmente com foco na conscientização do trabalhador e da trabalhadora, para garantir a dignidade e a integridade em seu ambiente de trabalho, vendo o trabalhador como pessoa humana, como sujeito de direitos para além do espaço do trabalho.
Além disso, como mulher, o tema do gênero também será uma pauta de luta, pois sabemos que o machismo ainda é um tema que precisamos enfrentar, em especial nesse ambiente fabril.
BdF RS - Existem outras mulheres na sua diretoria? Quantas?
Elisandra - Sim, temos mais três meninas no sindicato, Eva, Clady e Franciele, que assumiram o desafio junto comigo e com os demais dirigentes sindicais. A presença delas, além de me encorajarem, é fundamental para levarmos adiante as pautas de nossa luta, e juntas darmos espaços para que outras mulheres venham a ocupar espaço no movimento sindical.
O trabalhador ainda não é respeitado na sua integralidade como pessoa humana e sujeito de direitos
BdF RS - Como é a questão do machismo dentro da categoria? Quanto ele impacta?
Elisandra - O machismo patriarcal existe ainda em todos os espaços da sociedade, em nossa categoria a mulher metalúrgica é impactada em diversos aspectos de sua saúde mental, física e econômico.
A mulher tem um índice muito maior de assédio moral/sexual dentro das metalúrgicas, ainda são descriminalizadas quando chegam na fase da vida que desejam ser mães e na parte econômica. Ainda que a sociedade tenha no discurso que “todos somos iguais”, a mulher entra nas metalúrgicas ganhando menos que os homens, ocupando os mesmo cargos, o salário de admissão é inferior, sintoma de uma divisão sexual do trabalho fruto de uma sociedade patriarcal e machista ainda com aspectos de desigualdades.
A grande maioria das mulheres, segundo os dados do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), possui um grau de escolaridade superior ao dos homens, porém seus cargos são inferiores à sua qualificação escolar.
BdF RS - Estamos em época de Dia dos Trabalhadores e das Trabalhadoras. Qual a importância da luta sindical para a conquista de direitos?
Elisandra - O sindicato tornou-se ferramenta para os mais diversos e adversos tempos e contexto históricos. É uma ferramenta de enfrentamento aos desrespeitos cometidos pela categoria. Sua luta é muito importante pois nenhum direito da classe trabalhadora foi conquistado até hoje por livre e espontânea vontade, todos foram conquistados com a organização dos trabalhadores junto com os sindicatos.
BdF RS - Após anos de retrocessos na questão trabalhista, o que muda neste 1º de Maio, agora sob o governo Lula?
Elisandra - A classe trabalhadora metalúrgica foi muito penalizada neste governo anterior. Além dos trabalhadores terem convivido neste período com o retrocesso da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), ficaram suscetíveis a empregos precarizados, desvalorização salarial, aumento dos preços dos bens de consumo que tiraram comida do prato dos trabalhadores e os colocaram na fila do osso e da carcaça.
Os trabalhadores conseguiram eleger Lula novamente devido a terem sentido os retrocessos que tiveram no governo Bolsonaro. Agora com o governo Lula, como classe trabalhadora, estamos aos poucos voltando a ter um emprego com dignidade e salários decentes.
Quem sofre as maiores injustiças são as mulheres e portanto cabe a cada mulher e a casa homem fazer a disputa sobre esta ótica, a repressão é para classe de trabalhadores
BdF RS - Que avanços tu observa nesses 15 anos e o que precisa evoluir? Como são as condições de trabalho da categoria no momento
Elisandra - Nesses 15 anos que eu tenho de chão de fábrica, voltada às perspectivas sindicais, notei que precisa evoluir ainda a relação do sindicato com os trabalhadores, precisamos levar o sindicato a todos os trabalhadores.
O sindicato deve estar no portão da fábrica, combatendo a desinformação, para incentivar os trabalhadores a identificar os desrespeitos praticados no trabalho, de modo a provocar a organização dos trabalhadores. A luta sindical acontece pelo movimento do trabalhador, quem diz onde o sindicato vai estar são os trabalhadores, aonde quer que seja o seu local de trabalho, para tratar dos temas e anseios da categoria.
Os sindicatos precisam passar pelo processo tecnológico e trabalhar com planejamento qualificado, sistematização para dar fluxo às demandas dos trabalhadores e ativação das Redes de Proteção VISAT (Vigilância em Saúde do Trabalhador), MTE (Ministério do Tralho e Emprego) , MPT (Ministério Público do Trabalho) e JT (Justiça do Trabalho).
Infelizmente ainda não temos as condições que seriam as ideias para os trabalhadores. O trabalhador ainda não é respeitado na sua integralidade como pessoa humana e sujeito de direitos.
BdF RS - Ao telefone tu falastes que tu não chegou sozinha, gostaria que falasse da importância da coletividade?
Elisandra - Sim, o sindicato é construído por trabalhadores, ele não é a estrutura física. Sem as pessoas os trabalhadores encontraram apenas um amontoado de tijolos. Somos um coletivo de trabalhadores eleitos por nossos colegas de fábrica para representá-los em suas pautas, o coletivo de dirigentes se dispõe a contribuir na luta por conquistas e defesas de direitos.
Temos a nossa família biológica, mas na luta sindical construímos uma nova família de luta que se forma com os mesmos interesses coletivos. Podemos ter diferenças e discordamos de algumas coisas mas o interesse coletivo sempre irá sobrepor o nosso interesse individual.
BdF RS - Mensagem final que gostaria de deixar.
Elisandra - Gostaria de deixar uma mensagem para a classe trabalhadora. Muitas vezes dizem que o espaço da mulher e uma questão de gênero, mas não é. O espaço da mulher é uma questão de classe. Quem sofre as maiores injustiças são as mulheres e portanto cabe a cada mulher e a cada homem fazer a disputa sobre esta ótica. A repressão é para a classe de trabalhadores. Eu, como mulher, assumo esta tarefa à frente da disputa de classe.
Mas esta não é uma tarefa de “minorias” e sim da “maioria”, por que somos 99% da população, que é agredida todos os dias das mais diferentes formas.
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Edição: Marcelo Ferreira