Rio Grande do Sul

Coluna

O outono da vida: ´18 não são 72`

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"A esperança de lutadoras e lutadores, militantes sociais, sonhadoras e sonhadores, está nas suas mãos, que o inverno reinante no Brasil nos últimos anos não volte" - Ricardo Stuckert/Palácio do Planalto
Há outono no Brasil de hoje. Renascem a democracia e as políticas públicas com participação popular

Cinco horas da madrugada/manhã de 22 de abril de 2023, sábado. Acordo com o ronco do motor do caminhão. O mano Marino, como faz todas as quartas-feiras e sábados há décadas, está se preparando para ir na Feira do Produtor, desde a Vila Santa Emília, interior do interior do Rio Grande do Sul, para a cidade de Venâncio Aires, perto da igreja Santa Rita.

Estou na cama, com duas cobertas, está frio. Sou mais friorento que mamãe Lúcia, falecida há dois anos. Toda vez que vinha qualquer vento, ou o que lhe parecia vento, ela, sentada na cozinha ao lado do fogão a lenha, pedia para fechar tudo, portas e janelas. Era hora de aumentar a lenha do fogão, aquecer os pés, mãos, o corpo todo, e acalmar o espírito.

Não consigo mais dormir. Começo a escrever estas linhas na Agenda Latino-americana de papel, meu anjo da guarda no cotidiano, mais que o notebook ou o celular. Termino um poema para o sobrinho Gabriel, que faz 18 anos dia 23, domingo. Título: ´18 não são 72´.

Hora de levantar e organizar a vida. Sete horas da manhã de sábado, tomo um banho mais ou menos frio, mais ou menos rápido. Corro para a cozinha fazer um chimarrão quente, aquecer o corpo, a alma e o coração.

Estou sozinho na grande casa da família grande, com cinco quartos (um dos quais, segundo mamãe sempre dizia pra todo mundo, ´Das ist dem Selvino sein Zimmer – Este é o quarto do Selvino´. Isto tudo para eu voltar para casa e para a família com tranquilidade, ela e eu sabendo que ninguém tinha mexido no ´meu´ quarto, ainda que eu tivesse saído de casa e de Santa Emília para o Seminário franciscano em Taquari, RS, aos onze anos de idade. A casa tem sala grande, onde até já aconteceram festas de casamento, uma cozinha, também grande, no meio uma varanda, e mais o ´Keller´, porão, onde papai Léo preparava e guardava o vinho das uvas do parreiral ao lado de casa. É onde hoje ficam frutas e verduras que sobram da Feira do Produtor.

Dando a geografia inteira: ao lado de casa, há a garagem do caminhão, o galpão onde ficam os carros e outros materiais e utensílios usados na família, outro galpão, com espaço para o trator, os bois, as vacas, os terneiros, os porcos, as galinhas, tudo que uma propriedade de agricultores familiares do interior do interior do Rio Grande do Sul costuma ter.

Os manos Marino e Elma atuam na Feira toda manhã, vendendo frutas, legumes, verduras e todo tipo de gostosuras, ritual de décadas de trabalho na roça, todos os dias, o ano inteiro, com a ajuda do mano Bruno, cunhados Rejane e Alcione e sobrinho Gabriel.

O outono é a melhor estação do ano. Nem é muito frio, nem é muito quente. Período de boa parte das plantações e colheitas. Assim é também o outono da vida, quando ainda é possível trabalhar, fazer exercícios, sonhar, construir coisas novas, apostar no futuro com esperança.

O inverno é sempre muito difícil: frio demais, muita chuva, vento, geada nas manhãs no Sul do Brasil. Preciso usar quatro casacos ou mais, meiões, cuecões, cinco cobertores nas noites geladas. O inverno da vida, que no meu caso está na porta, chegando rápido, obriga a pensar no hoje mais que no amanhã, saber se ainda vai ser possível caminhar, andar de carro, ter razoável memória, participar de trocentas reuniões, viajar para outras trocentas reuniões, pensar no futuro e construir o amanhã, sonhar com esperança na utopia de um tempo de justiça, igualdade.

Felizmente há outono no Brasil de hoje. Renascem a democracia e as políticas públicas com participação popular. O Brasil vai sair de novo do Mapa da Fome, enfrentar a miséria, superar o desemprego, o povo brasileiro caminhando com fé e coragem, enfrentando o ódio, a violência, a intolerância, e construindo, com diálogo e amorosidade, a paz e a soberania popular.

A esperança de lutadoras e lutadores, militantes sociais, sonhadoras e sonhadores, está nas suas mãos, que o inverno reinante no Brasil nos últimos anos não volte. Assim como eu espero que o próximo inverno seja ameno na minha vida. Ou que eu possa passá-lo esquentando corpo, pés, mãos e o coração no fogão a lenha da família na Vila Santa Emília.

O poema escrito no amanhecer do dia 22 como homenagem e celebração para o sobrinho Gabriel, ´18 não são 72´, foi escrito também para mim e pensando em vocês, queridas leitores, queridos leitores, companheiras e companheiros de vida e de luta, nesta semana especial para mim, em meio ao outono da vida, quase chegando no inverno.

“Estás leve, livre, solto./És jovem, belo, inteligente./ Estás de bem com a vida,/ pronto para todas as surpresas,/ alegrias e felicidade./

O amor está em todos os lugares:/ teus pais, tua família,/ tua irmã,/ tua escola, tuas amigas, teus amigos./

Não há tempo a perder./ E há todo tempo do mundo a perder./

Afinal, e felizmente,/ 18 aninhos não são 72 anões./ 18 aninhos são tempo de construção e esperança./ 18 aninhos são tempo de conhecer o mundo e a vida./ 18 aninhos são tempo de aprender a dirigir o(s) carro(s),/ mas também o próprio tempo,/ as circunstâncias,/ as curvas das estradas,/ os humores e os amores,/ os causos e as histórias,/ as manhas e as manhãs,/ o mundo e as estrelas,/ as coisas ruins e as boas causas./

Felizmente,/ aos 18 o tempo é de viver,/ celebrar,/ responder aos desafios,/ ter cuidados com a Casa Comum,/ ser amado e amar./

VIVA A VIDA! VIVA O AMOR!”

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko