Rio Grande do Sul

Coluna

Mentira tem pernas curtas? 

Imagem de perfil do Colunistaesd
Em dois dias foi desmentida a mentira sobre agrotóxico encontrado em arroz orgânico do MST - Foto: Leonardo Melgarejo
Há um padrão de desqualificação comportamental que, infelizmente, só cresce entre nós

Especialmente nos tempos atuais, quando os meios de comunicação transbordam denúncias sem fundamento, salta aos olhos algo muito triste: o fato das mentiras terem pernas curtas não intimida nem desestimula os mentirosos. Eles crescem em numero e isso já afeta os padrões de comportamento social e civilidade, de forma que o tema merece alguma reflexão. E os escândalos sem base concreta, dessa semana, ajudam a escrever algo neste sentido.

Vejam: em 24 de abril a CNN divulgou que declarações de Lula teriam levado o governo da Ucrânia a desistir de investir 50 bilhões de dólares no Brasil. A fonte da notícia: autoridades do governo paulista. De imediato, e em várias mídias, explodiram centenas de milhares de ofensas ao presidente Lula, que teria transformado em fumaça aqueles US$ 50 bi e os 10 mil empregos associados. 

Estrago feito, anunciou-se que tudo aquilo era mentira. A empresa Antonov (em 26 de abril) emitiu comunicado negando qualquer fundamento para as declarações de autoridades do governo paulista. Vale lembrar que a pratica não era inédita. Na última disputa de eleitoral, o mesmo grupo político havia denunciado, também por meio de mídias apressadas  (17 de outubro de 2022), uma tentativa de atentado contra o então candidato e atual governador de São Paulo. Aquela farsa também foi foi posteriormente desmentida. Ainda assim, e mesmo com um rastro de indícios de crimes tão relevantes como a execução de uma pessoa desarmada em tiroteio fake e orientações para destruição de provas gravadas em vídeo, o candidato foi eleito e tudo acabou esquecido. 

Em termos de comportamento social, o estrago causado este tipo de circunstâncias pode ser ilustrado pela desfaçatez com que o bolsonarista maior alega não saber o que estava fazendo, quando publicou notícias mentirosas estimuladoras de ações terroristas contra o processo democrático.

A gravidade destes fatos diz respeito ao que eles anunciam. 

Estão a demonstrar que mentir traz ganhos, que a impunidade confere segurança e que promover escândalos em temas de relevância ajuda a pegar preço no mercado das almas. No fundo tais comportamentos estimulam verdadeira concorrência entre arrivistas dispostos a encarnar comportamentos ofensivos à civilidade, o que acaba validando novos e mais baixos padrões de indignidade e improbidade em funções públicas. 

Vejam que nesta semana um vereador de Porto Alegre, o Raimundo Rosario (PSDB), do MBL, publicou que estaria denunciando ao Ministério Público Federal prova da má fé daqueles que lutam em defesa da saúde humana e ambiental, contra a presença de agrotóxicos nos alimentos. Segundo ele, o arroz orgânico do MST conteria resíduos de agrotóxicos. Em menos de dois dias, foi desmentido inclusive pelo Laboratório de Análise de Resíduos de Pesticidas (LARP) da UFSM), onde suas “provas” teriam sido obtidas. 

Entretanto, ainda que desmascarado e até mesmo ridicularizado, o vereador ganhou notoriedade e se pavoneava com o brilho adquirido entre aqueles que se opõem à luta contra os agrotóxicos e pela vida.

Despreza-se o básico. Em leitura incompetente ou mal intencionada, o vereador teria confundindo (1) os limites de detecção (LOD, ponto de referência abaixo do qual o método analítico não consegue identificar a presença de resíduos) com limites de tolerância, acima dos quais existiria contaminação; e teria interpretado (2) os limites de quantificação (LOQ, ponto de referência abaixo do qual o método analítico não permite quantificar o teor de resíduos presente na amostra) como a quantidade de veneno que estaria presente na amostra.

Uma vez que para dizer que a presença de algum veneno foi detectada (LOD) precisa-se de menos informação do que para afirmar a quantidade daquele veneno (LOQ), as referências de laboratório trazem tabelas onde os valores de  LOQ serão necessariamente maiores do que os de LOD. Isto é assim para todas as análises e para todos os tipos de substancias e resíduos.

Pois bem, o vereador exultou ao perceber que as tabelas do laudo apontavam valores de LOQ maiores do que de LOD. Correu a protocolar denúncias e se jogou nas redes a anunciar que, em sua leitura, o arroz orgânico do MST conteria volumes indevidos de todos os venenos possíveis de avaliar no LARP.

É para isso que este artigo pretende chamar atenção. Há um padrão de desqualificação comportamental que, infelizmente, só cresce entre nós. É como se desde o golpe de 2016 avançasse um processo de naturalização de algo que estimula e valida mesclas de ignorância com má fé. Conferindo oportunidades de acesso a vantagens indevidas, este padrão estaria atraindo pessoas descuidadas ou inescrupulosas e induzindo-as a se comprometerem com atitudes e anúncios ofensivos à democracia e aos direitos humanos.

Vejam que as mentiras sobre retração de investimentos internacionais, sobre falsos atentados e sobre motivações de estimulo a ações terroristas se irmanam à tentativas de desmoralização daqueles que se empenham em esclarecer (e aliviar) a sociedade de tragédias causadas pelo fascismo e pelos agrotóxicos.

Ao tentar desqualificar iniciativas em defesa da produção de alimentos limpos, o vereador golpista não se constrange de envergonhar a própria condição humana, ameaçada pelo envenenamento dos solos, das águas e de todos os organismos. Se trata de comportamento emblemático destes tempos que precisa do empenho de todos para ser superado.

O que difere um representante da população de Porto Alegre, cidade onde todos bebem água com resíduos de venenos aplicados em lavouras que não são aquelas do MST a se insurgir contra elas, de figuras públicas que usam espaços no Executivo e no Legislativo para fragilizar a democracia?

A serviço de quem e acobertadas por que véu de interesses trabalham as mídias que dão espaço à veiculação de mentiras como as acima referidas e tantas outras do mesmo naipe? 

Até quando permanecerão impunes, multiplicando exemplos de que entre nós mais vale quem mais abjetamente serve aos que lucram enganando e fraudando as possibilidades de desenvolvimento deste país?

Assista a "Chico César - Reis do Agronegócio (Ao Vivo)"

 

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.         

Edição: Marcelo Ferreira