Rio Grande do Sul

Coluna

De milicos golpistas e golpes previsíveis

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Ataques de bolsonaristas radicais em Brasília no dia 8 de janeiro - Marcelo Camargo/Agência Brasil
Será que na América Latina vão ser cometidos os mesmos erros de sempre?

Mesmo sabendo que toda comparação histórica é forçada, os fundamentos conceituais da política se verificam em quase todos os momentos-chave. Nestas breves palavras, tomo a liberdade de comparar a atualidade brasileira com o ano de 1980 em um país vizinho.

Miremos na Bolívia 1980, antes do golpe de García Meza Tejada. Era governo Carter e os gringos estavam a mil. Condenavam os crimes de lesa humanidade das ditaduras do Cone Sul, mas ao mesmo tempo não queriam mais arriscar perder nenhum país no continente. Outros que estavam em velocidade a jato eram os franquistas de Suárez e seus aliados “nacionais”. Pouco antes do narco-golpe, o alvo principal de atentados a bomba executado pelos paramilitares em La Paz eram os jornais mais incisivos. A explosão mais séria foi contra o AQUÍ, um semanário com equipe enxuta e rigorosa era mais ameaçador para o poder dominante do que centenas de discursos com verborragia e palavras de ordem.

O clima estava pronto e dessa vez, o auxílio direto vinha de milicos fascistas das ditaduras argentina e chilena. Como se não bastasse, mais síndrome de Estocolmo. Luis García Meza Tejada foi indicado pela presidenta Lydia Gueiler para o comando geral do Exército boliviano em 1980. Augusto Pinochet fez parte da última formação de gabinete cívico-militar de Salvador Allende no Chile em 1973. Nos dois casos, poucos meses após, os dois facínoras encabeçaram golpes de Estado. Será que na América Latina vão ser cometidos os mesmos erros de sempre? Não tem como descobrir “erros diferentes”?!

Vejamos o que houve no verão de 2023 no Plano Piloto de Brasília.

No país dos golpistas – 1

As imagens “vazadas” dos registros do Gabinete de Segurança Institucional (GSI, supostamente o órgão de segurança e informações que serve a Presidência) tinham sigilo decretado de cinco anos. Equívoco. Vendo e revendo os vídeos, nota-se que os agentes (os que estão com roupa de paisanos, de terno e sem equipamento de defesa) não têm uma posição agressiva diante dos fascistas que invadiram o Palácio do Planalto (lembremos, sede do Poder Executivo, é como a Casa Rosada, Palácio de La Moneda, Palácio de Miraflores e outros iguais).

Já a Polícia Legislativa (a que protege a Câmara de Deputados e o Senado Federal) teve outra atitude, estava com vibração alta e moral para o emprego do uso da força. Cumpriram o manual, em evidente desproporção de efetivos e sem dúvida, com certo receio de provocar uma “tragédia”.

Não quero banalizar a vida humana, mas a verdadeira “tragédia” é um golpe mambembe, que de tão tosco, estava muito bem arquitetado. Os acampamentos eram nos quartéis, incluindo o QG do Exército, com infra-estrutura de dar inveja a grandes feiras agropecuárias. Não tinha um mísero S2 (do serviço reservado, militar operacional de inteligência) circulando entre os acampados e coletando informações? O Centro de Defesa Cibernética do EB não monitorou nada, nem aplicou as coordenadas do site de espionagem sionista que compraram em Tel Aviv, cruzando dados em geolocalização? NÃO.

Todos os fundamentos de uma ação preventiva não foram cumpridos, LOGO, no esquema da “omissão”, havia sim um conluio para no mínimo, arrancar um Decreto de Garantia de Lei e Ordem (GLO) com uma semana de governo eleito tendo tomado posse. O general Gonçalves Dias foi o bucha da vez, comandava uma equipe que não era a sua e obviamente, não procedeu como deveria fazer.

No país dos golpistas – 2

O general Gonçalves Dias foi fritado pela arapongagem, porque o decreto do sigilo de cinco anos – repito, um equívoco – também o protegia. Ao ser indicado, poderia – deveria – condicionar sua posse no cargo a implantar uma equipe inteira, ou parcial, talvez uma demissão de 70% – para botar medo, a moda Sun Tzu, citando uma literatura que se compra em rodoviária – e assim manter algum grau de comando sobre seus agentes.

É possível assumir uma equipe de segurança institucional servindo como “cliente único” ao Presidente e a Presidência do governo eleito, sendo que esta mesma tropa era selecionada a dedo pelo general Augusto Heleno Ribeiro Pereira?!?!

É fato, temos experiências nas democracias liberais em transição quando órgãos que servem organicamente a um governo ou regime terminam por serem preservados na ordem de 70% do pessoal anterior. O exemplo mais recente é o da África do Sul do pós Apartheid, com o serviço de segurança interna quando ainda se chamava NIA (pós apartheid) manteve 2/3 do pessoal do antigo NIS (herdeiro do BISS, do regime do Apartheid). Houve o caso da habilitação de Reinhard Gehlen, chefe de inteligência das forças alemãs sob regime nazista quando da Frente Leste (invasão da antiga União Soviética). A partir da indicação de oficiais dos EUA, Gehlen (que de fato não era filiado ao partido nazista) e sua excelência no teatro de operações, terminou sendo o pioneiro e comandante chave do que veio a ser o BND, o Serviço Federal de Inteligência, desde os tempos da antiga Alemanha Ocidental (a que incorporou a RDA no pós Muro de Berlim).

Repito. Não era o caso desta vez. Nem a complexidade do aparelho bolsonarista era de vulto – pouco ou nada se comparava com o Sistema SNI, o próprio SNI e a Agência Central do Serviço, que seria o antecessor do GSI, antes SAE. MAS ERA PRECISO FAZER A LIMPA PARA ASSUMIR.

No país dos golpistas – 3

A procrastinação como “razão de Estado”? Estão afirmando que não havia como substituir todo o pessoal lotado no GSI entre 2 e 8 de janeiro. Mas, porquê não foi feito o recrutamento já no dia seguinte da vitória em 2º turno em outubro de 2022? Realmente não é aceitável supor que uma equipe em tarefa sensível organizada por Augusto Heleno e antes por Sérgio Etchegoyen seria minimamente confiável. As evidências da tolerância, incentivo e infraestrutura dos acampamentos golpistas gerava informação suficiente para comprometer a cadeia de comando das FFAA com a intenção de gerar uma tentativa de golpe de Estado, e no pior dos casos para os protofascistas, um poder de barganha tentando alguma condição de veto no governo de coalizão liderado pela social democracia.

Hoje o poder de veto real se dá na esfera da sabotagem econômica, passando longe alguma hipótese de insubordinação militar direta. Mas, e as operações de contrainteligência, articulações midiáticas e formas locais de instabilidade com impacto psicossocial através das redes sociais? Acabou o perigo? O vídeo “vazado” não é uma evidência do que pode acontecer como operação de desestabilização em aliança da extrema direita com alguma fração de classe dominante?

Temos fatos. A incidência de argumentos negacionistas, da fábrica de mentiras do bolsonarismo, encontra eco na reprodução em no mínimo 1/5 da população adulta brasileira, considerando o bloqueio cognitivo e a verticalidade do canal de informação vinda da liderança neopentecostal.

Tamanho nível de vigilância e produção de “fake news” vai de encontro das reais capacidades da centro-esquerda, do governo e até do aparelho de Estado minimamente leal ao jogo liberal democrático e a soberania nacional diante das ameaças externas.

Além de reclamar e exercer o devido direito à crítica, é preciso alerta total. O epicentro da “balbúrdia histriônica” vai ser a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos atos fascistas de 8 de Janeiro de 2023. E a motivação externa – já alertada por este analista – é a assertiva política externa que contraria interesses dos EUA, independente do partido gringo que à frente da Casa Branca.

Precisamos “ao menos” cometer erros diferentes no Continente. Lembremos. Os fuzileiros navais do contra-almirante Cândido Aragão não se mobilizaram “espontaneamente” e nem algum dispositivo herdado do marechal Lott. No Chile, a Guardia Tecnica do presidente Salvador Allende não recebeu o contingente que o G2 cubano recomendou e morreram heroicamente no palácio bombardeado pelo ex-ministro.

Parece óbvio, mas o comando do GSI – ou um órgão substituto que venha a ser constituído – não apenas precisa ser comandado por um civil, como deve ter uma espinha dorsal e cadeia hierárquica e de lealdades comprovada fieis ao regime democrático. Parece pouco – e é – mas seria o suficiente para ter ao menos uma base fiel a social-democracia e manter a bola rolando sem depender do oportunismo das vivandeiras que até outubro andavam de braços dados com o bolsonarismo.

* Este artigo foi originalmente publicado no blog Estratégia e Análise.

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** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira