O fazer Jornalismo está, muitas vezes, ligado à força de vontade e à coragem de fazer justiça, de modo a relatar os fatos da melhor maneira. Esses conceitos não se acabam, pois, por anos, profissionais os carregam como um livro de regras a ser seguido. É o caso de Walmaro Tirso Paz, um entusiasta do segmento, que defende a classe com unhas e dentes. Mesmo depois de quatro décadas de profissão, faz questão de continuar a reportar tudo aquilo que acredita ser notícia. Hoje, contribui para os jornais Brasil de Fato, Opera Mundi e, ainda, atua como vice-diretor do Departamento de Patrimônio da Associação Riograndense de Imprensa (ARI).
Nascido em 1947 e criado na cidade de São Borja, Walmaro teve uma infância saudável ao lado dos pais e do irmão, um ano mais novo - grande parceiro de travessuras e brincadeiras no bairro onde moravam. "Como qualquer criança do Interior, tínhamos divertimentos sadios", recorda. Os pais eram comerciantes da região, tinham um armazém de secos e molhados. O trabalho era com varejo, sobretudo na distribuição de uma marca de cerveja conhecida. "Quando fiquei maior, eu a bebia bastante", diz Walmaro, aos risos.
Apesar de vivenciar e, por muitas vezes, trabalhar com os pais, ele acredita que não levava jeito para este ofício, inclusive diz que era um "péssimo comerciante". A família também achava isso e nem os influenciavam, ele e o irmão, a serem o mesmo que eles. O patriarca e a matriarca defendiam que os herdeiros tinham que estudar para ser o que quisessem. No entanto, o local sempre foi uma garantia de emprego, até para ganhar dinheiro e realizar compras.
Quase Padre
Apesar de ser apaixonado por Jornalismo, esta história não se inicia pelo óbvio, afinal de contas, quando jovem, Walmaro jamais pensou em seguir a profissão. Em uma época, até pensou em ser padre. De família religiosa, a ideia surgiu da mãe, que acreditava que aquilo poderia ser o melhor para ele, pois achava que o filho tinha vocação religiosa.
O fato é que o próprio Walmaro não considerava a ideia ruim, visto que até chegou a frequentar um retiro espiritual, a fim de saber se aquela poderia ser a vida futura. "Ainda bem que conheci a Vera (esposa) e acabei mudando de ideia", conta sobre a "companheira de vida". O que ele gostaria, de fato, era de "contribuir para uma sociedade mais justa e igualitária".
Em tempos de escolher para qual vestibular prestar, Walmaro optou pela faculdade de Filosofia, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), onde iniciou os estudos. Naquele tempo, por volta dos anos 1960, recorda-se que alguns dos professores foram perseguidos pela ditadura militar, e isso foi um dos fatores que o fez deixar o curso, ainda no primeiro semestre.
No entanto, foi em uma das dinâmicas realizadas em aula que um dos docentes disse que Walmaro levava jeito para ser jornalista. Foi ali que percebeu que a profissão era tudo aquilo pelo qual gostaria de lutar para o resto da vida. A partir disso, foi repórter, editor, correspondente e atuante em diversos segmentos da profissão, tanto regional quanto nacional. "Jornalista tem dia de folga?", brinca.
Longe de casa
Sempre ao lado do irmão, Walmaro aprendeu a viver longe de casa desde muito cedo. Por terem pouquíssima diferença de idade, eles eram, também, colegas de aula, e isso foi em quase todas as escolas onde estudaram. Ao ingressar no que hoje é o ensino médio, aos 14 anos, a dupla teve que se mudar para Porto Alegre, pois esta fase escolar não tinha na cidade onde moravam.
Os dois ficaram em um internato, auxiliados, de perto, por um amigo de seu pai e pelo padrinho. "Foi uma época boa, pois o nosso dindo morava no Centro e passeamos bastante no cinema", conta. O local ficava próximo de onde é, nos dias atuais, o terreno de um dos prédios da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, na Avenida Ipiranga. "Uma das nossas diversões era a pesca no Arroio Dilúvio", recorda, salientando que, naquele tempo, não era poluído.
A exemplo do ensino médio, isso ocorreu também na faculdade. Já alguns anos depois, os irmãos foram morar juntos em um apartamento que ficava próximo ao Hospital de Clínicas de Porto Alegre, ponto ideal para estudarem, pois o irmão cursou Medicina e Walmaro, Filosofia e Jornalismo. "Meus pais tinham condições e, por isso, faziam questão que só estudássemos", comenta. Eles ficavam sob a supervisão de uma senhora que trabalhava com sua mãe, ajudando a limpar o apartamento, assim como cozinhar.
Movimentos políticos
Walmaro possui, nas veias, o sangue quente pelas lutas de direitos igualitários para todos. Desde cedo, aprendeu que existem povos minoritários e que precisam ter as suas vozes ouvidas por todos. E o gosto pelo tema surgiu ainda bem jovem, por meio do Cristianismo, quando fazia parte do Juventude de Educação Católica (JEC). Ali, foram os primeiros passos daquilo que viria a ser uma luta constante. "Acreditávamos que tínhamos um pensamento diferente das pessoas conservadoras e, para vencermos isso, precisávamos fazer diferente."
A familiaridade pelas lutas de povos é tanta que, em determinado momento da carreira, foi convidado a ser assessor de imprensa do Movimento Sem Terra (MST). O trabalho desenvolvido era em relação à pauta da dívida externa do Brasil, assunto de interesse econômico da entidade. A principal atividade era colher todas as informações sobre o tema e construir matérias com o intuito de repassar a mensagem aos líderes sindicais, de modo que eles pudessem transmitir à população. "Foi um momento muito legal, onde pudemos lançar, também, um programa de rádio para atingir um público maior", orgulha-se.
Nos dias atuais, considera-se um cidadão político e acredita que isso não interfere na carreira. Para ele, o seu Jornalismo não é partidário, pois traz muita informação e crítica. "Não tenho vergonha de mim, pois sou um jornalista sério e as minhas pautas não são nem elogiando e nem criticando os governos, mas, sim, relatando os fatos." Conforme ele, alguns amigos partidários já o criticaram por suas abordagens em pautas.
Em todas as empresas de Comunicação pelas quais passou, nunca teve problemas por ter o seu posicionamento político conhecido. O contrário acontecia, segundo ele, dando mais credibilidade por conta da sua competência como repórter. "Por incrível que pareça, o único lugar onde eu tive algum tipo de atrito foi em um jornal onde eu não era remunerado", comenta, aos risos.
Carreira profissional
A Comunicação surgiu cedo na vida de Walmaro. Ainda jovem, foi convidado para participar da rádio Fronteira do Sul, de São Borja, onde fazia uma programação jornalística para a população da região, lá por 1962. A direção do veículo gostou e o convidou para ser repórter de redação, para produzir matérias da editoria de Geral, em um cargo de estagiário. A partir disso, a vida na profissão foi intensa, com passagens por Correio do Povo, Estadão, Folha da Manhã, Folha de S. Paulo, O Globo, Zero Hora, entre outros conglomerados midiáticos, além de uma passagem por Brasília, quando foi diretor de Comunicação do Insituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), em 2010 e 2011.
Por oito anos, ele foi agricultor. É que Walmaro herdou um pedaço de terra e foi se aventurar na plantação e produção de alimentos agrícolas. Entretanto, nunca deixou o Jornalismo de lado, pois, ao entrar neste segmento, aos 60 anos, passou a produzir pautas do setor, sobretudo para o jornal Folha de S. Paulo, uma vez que se tratava de um veículo de Comunicação que tinha interesse em noticiar os acontecimentos agrícolas do Rio Grande do Sul.
E por estar inserido na área, recebeu um convite para ser assessor de imprensa do governador Olívio Dutra, do PT, em 2003. Para ele, foi uma "experiência inesquecível, talvez o principal marco na minha carreira", orgulha-se. No entanto, não ficou por muito tempo no cargo, pois teve que assumir de vez os negócios agrícolas na sua terra.
Um dos maiores desafios da carreira foi aprender a escrever para jornais nacionais. Na maioria dos trabalhos, ele assumia as redações que ficavam em Porto Alegre, chamada sucursal - escritório que dependia de uma empresa matriz. Quando foi convidado para ser repórter de O Globo, tinha que entender a linguagem e como pensavam os cariocas, mesmo sendo gaúcho e morando no Rio Grande do Sul. "O veículo tinha uma característica de se basear no que o centro do País pensava, então, aprendi esta visão para escrever as matérias, bem como fiquei mais informado nacionalmente."
Em um determinado momento da carreira, Walmaro bebia demais e este problema passou a intervir nas pautas. Conforme ele, "era um dos costumes nas redações mais antigas, mas, de fato, passou do ponto". A chave virou quando recebeu uma excelente oportunidade de emprego, vinda de um grande amigo seu. Porém, a vaga não pôde ser dada a ele por conta do histórico de alcoolismo. "Eu fiquei muito indignado com aquela situação, pois faria parte de um projeto muito legal e, por conta deste problema, não me deixou", lembra. A partir disso, passou a se tratar e o caso nunca mais foi um entrave.
Momentos marcantes
Ele considera dois acontecimentos que mais o marcaram na sua trajetória. O primeiro é intitulado de 'Massacre da Fazenda Santa Elmira'. Na ocasião, diversos ocupantes de terras agrícolas foram mortos pelos militares, com o objetivo de desmanchar os acampamentos. "Um momento muito triste, pois, ao mesmo tempo em que reportava, não podia fazer mais nada do que aquilo."
O segundo foi em agosto de 1990, na Praça da Matriz, em Porto Alegre. O Palácio Piratini, situado naquele local, amanheceu com 400 integrantes do MST, que reivindicavam uma conversa com o então governador do Estado, Pedro Simon. Na ocasião, houve um conflito dos manifestantes com a Brigada Militar. Um dos policiais recebeu um golpe no pescoço e morreu. "Uma das versões é que ele foi degolado por um golpe de foice", recorda. Neste tempo, ele era repórter da Folha de S. Paulo.
No momento do fato, Walmaro e outros repórteres viram que havia pessoas inocentes que estavam sendo presas, "tudo para dar uma satisfação para a Brigada". A partir disso, ele, junto de outros colegas de profissão, criou o jornal 'Versão dos Jornalistas', para contarem tudo aquilo que viam de bastidores e não podiam publicar. Eles não assinavam as matérias para não sofrerem retaliações dos veículos de imprensa onde trabalhavam.
Um dia de cada vez
Um dos ensinamentos da vida está atrelado ao seu casamento com Vera Suzana, casal jovem que se conheceu na universidade, onde, juntos, participaram de diversas ações sociais e sindicais, aprenderam e cresceram juntos. O fruto do relacionamento gerou seis filhos, cinco mulheres e um homem. "Com a vida e uma família maravilhosa que tenho, levo um dia de cada vez."
O jornalista é um "apreciador de boas coisas", além do gosto especial pelo churrasco, é admirador de "uma bela massa, porque qualquer coisa que tenha macarrão fica bom". Nos dias de folga, vai para a sua terra natal, onde mantém uma pequena propriedade rural que, atualmente, está sob responsabilidade de uma das filhas. "Gosto de ir e respirar o verde."
Desde muito jovem, toca piano. Hoje em dia, possui um teclado em casa e, por vezes, toca o instrumento e leva essa prática como um hobby. Além disso, gosta de ler, realizar alguns exercícios e, sobretudo, estar bem informado sobre os fatos, pois, afinal de contas, é e sempre será um repórter, mesmo em momentos que esteja um pouco afastado da profissão, por problemas pessoais. "Essa essência ninguém me tira", finaliza.
Edição: Coletiva.net