Rio Grande do Sul

EDUCAÇÃO

'O medo é o pior conselheiro em se tratando de segurança pública', alerta socióloga

Frente Parlamentar Pró-Prevenção à Violência nas Escolas pretende debater medidas para enfrentar o problema

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Foram registrados no país, entre 2002 e 2023, 22 ataques, sendo 10 deles nos últimos dois anos - Foto: Paulo Garcia/Agência ALRS

Os ataques a escolas em São Paulo e Blumenau, e a propagação de ameaças e o medo gerado em todo o país fomentaram na última semana debates sobre a violência às e nas escolas. Neste contexto, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul realizou, nesta quinta-feira (13), a instalação da Frente Parlamentar Pró-Prevenção à Violência nas Escolas. Na sequência foi uma audiência pública para debater o tema, idealizada pela Associação Mães e Pais pela Democracia dentro do Fórum Democrático da Assembleia e coordenada deputada estadual Luciana Genro (PSOL). 

Proponente da Frente Parlamentar, Luciana Genro iniciou sua fala ressaltando o momento delicado que vive o país. “Vimos explodir no Brasil inteiro violência nas escolas e aqui no RS com tentativas e episódios que nos trazem imensa preocupação. O problema da violência dentro das escolas não é um problema que tenha solução fácil, uma razão única. É um problema complexo que vai exigir um conjunto de medidas que precisam ser tomadas tanto em âmbito nacional, como estadual e municipal”, ressaltou. 

Conforme apontou, não há duvidas que se tenha que reforçar a segurança nas escolas, mas que também é preciso um olhar para dentro da escola. “Para compreender o que se passa com estudantes, crianças que podem vir a se tornar agentes de violência. Como chegamos a esse ponto e o que podemos fazer para prevenir esses episódios, prevenir que crianças e jovens se tornem alvo de discursos extremistas, violentos, discursos nazistas, como vimos na cidade de Maquiné”, apontou, destacando que a frente será um ambiente de debates para escutar a comunidade escolar, os especialistas e identificar as causas e possíveis soluções a esse problema. 

Representando o presidente da Assembleia, o deputado Adão Pretto Filho (PT), também destacou a situação preocupante de violência das escolas. “Fake news, crianças armadas, pessoas que entram armadas, isso é fruto de um momento que passamos a pouco tempo atrás, isso é reflexo de um discurso de ódio, do preconceito que formou células nazistas, que formou o que está acontecendo neste momento. É necessidade do Poder Público, e dessa Casa do Poder Legislativo se ater a esse assunto e apresentar alternativas. Que possamos fazer um grande levante da sociedade como um todo para enfrentar a violência, todas as formas de violência, mas especialmente as violências nas escolas”, afirmou.

Segundo Pretto, o governo federal já está formulando propostas a cerca da situação. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, anunciou o recurso de R$ 150 milhões para projetos de segurança de estados e municípios. Os municípios que tiverem propostas aprovadas pelo Ministério da Justiça receberão entre R$ 100 mil e R$ 1 milhão. Já estados e o Distrito Federal receberão de R$ 500 mil a R$ 3 milhões.

Reconstruir valores democráticos 

Para a vereadora de Porto Alegre Nádia Gerhard (PP), o problema da violência nas escolas é de todo o estado e retóricas não resolvem o problema. “O problema é a impunidade que estimula a criminalidade. Não é novidade que armas de fogo, faca, machadinha são encontradas nas escolas. Isso vem ao longo da história da educação. Não é um problema que apareceu hoje. Temos que tirar ideologias, partidarismo e trabalhar com a realidade, eu venho aqui resolver o problema, não vou ficar apontando a, b, c. Precisamos dos nossos estudantes em segurança”, apontou, citando como exemplo, de mecanismo para ajudar na questão o botão de pânico adotado pela prefeitura de Porto Alegre. 

Segundo levantamento da Unicamp, liderado pela pesquisadora Telma Vinha, foram registrados no país, entre 2002 e 2023, 22 ataques, sendo 10 deles nos últimos dois anos. De acordo com o relatório O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental, foram 34 ataques a escolas evitados no Brasil entre 2012 e 2022, sendo 22 deles somente no ano passado.

Em sua fala, a defensora pública e integrante da Rede Brasileira de Educação e Direitos Humanos Cristiane Johann enfatizou que os valores humanistas e humanitários precisam ser reafirmados na escola e fora dela. “Na sociedade, na mídia, pelos políticos que dão declarações em nível nacional, em especial no passado, quando apoiam praticas de tortura e seguem impunes”, destacou, pontuando que sobre a impunidade levantada pela vereadora Nádia, o Brasil é o 4º país no mundo com a maior população carcerária. 

“Ou seja, não se pune pouco, se pune muito. Hoje temos que frisar muito essa reconstrução de valores democráticos de respeito ao outro. É preciso que as políticas de educação em direitos humanos sejam retomadas.”


"O medo é o pior conselheiro em se tratando de segurança pública" / Foto: Samir Oliveira

“A escola é produtora e reprodutora das violências” 

Presidente de honra da Associação Mães e Pais pela Democracia, a socióloga e especialista em segurança pública e prevenção à violência nas escolas, Aline Kerber, destacou o sentimento de medo que a violência nas escolas trouxe para todos. “O medo é o pior conselheiro em se tratando de segurança pública. Estamos hoje em um contexto em que o medo está muito latente. Então as soluções fáceis aparecem o botão de pânico, um policial em cada escola, e essa não é uma resposta que funciona em se tratando de segurança publica. Segurança publica exige uma política pública integrada e integral de prevenção social e situacional das violências e também repressão qualificada como realizado em Maquiné”, expôs. 

Conforme pontuou Aline, há sim uma crise na segurança publica e a escola acaba virando alvo dos ataques. Ainda, segundo a socióloga, as escolas também têm sido alvo das disputas ideológicas, citando o escola sem partido, que trouxe perseguição aos professores e o o bullying. “A escola é alvo de muitas violências no cotidiano. A gente acompanha situações de violência na escola contra a escola. E a escola não é isolada, ela é produtora e reprodutora das violências que acontecem na sociedade, nos territórios”, afirmou, acrescentando que além das violências físicas, há também a falta de estrutura dos estabelecimentos e a recusa de vagas a estudantes com deficiência, também como formas de violência. 

Sobre os ataques recentes, pontuou que trazem três características: são planejados, divulgados não só no submundo da internet como na superfície; o bolsonarismo associado ao nazismo ao fascismo e os aliciadores digitais cooptando jovens através da misoginia e racismo. A associação também esteve representada na audiência por seu presidente, o advogado Júlio Sá. 

Ex-secretário nacional de Segurança Pública, Ricardo Balestreli, ponderou que é necessário intensificar nas escolas os mecanismos de mediação e resolução de conflitos, retomando a importância dos serviços de orientação e aconselhamento. “Chega de falsas soluções e de demagogia”, declarou, em relação a discursos que apontam apenas o reforço policial como solução para o problema.

Vulnerabilidade 

Cristina Villanova, advogada e mestre em Segurança Cidadã, citou pesquisa do IBGE que em que apontou que 39% dos adolescentes afirmam já ter sofrido algum tipo de agressão verbal nas escolas, 14% sofreram agressão física e 11% já deixaram de ir às escolas por se sentirem inseguros. "É imprescindível que a gente traga para a discussão a necessidade da gente abrir espaços de conversa, principalmente para esses adolescentes tão minados com as rede sociais.”

Jornalista, integrante da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), Ana Paula da Silva, que é doutoranda em Educação, lembrou da perseguição aos professores no último período, sobretudo nas questões de gênero, assim como a necessidade de se investir na rede de proteção social externa à escola. “Assim como fortalecer as esferas de participação dentro da escola, os grêmios estudantis, conselhos da escola. A escola tem que ser um local seguro, de convívio, socialização, aprendizagem com alegria. E não é colocando policiais dentro da escola ou transformando em quartéis que vai conseguir o que deseja. É com investimento de programas, infraestrutura, mais profissionais e valorização desses profissionais”, afirmou

O tema das crianças com deficiência e autistas também foi pautado. Cami Veiga, escritora e diretora do Instituto Lagarta Vira Pupa, ressaltou que essas crianças são as mais vulneráveis dentro das escolas e que, no contexto de um atentado, sempre tentam responsabilizar pessoas com algum tipo de deficiência. “Temos medo dos ataques e também do capacitismo, pois ainda dizem que são os nossos filhos que cometem essas violências. Esses dias ouvimos uma mãe reclamar das crianças com laudo (psicológico) dentro da sala de aula, como se elas fossem o problema”, denunciou.

Também participaram do debate a professora da Faculdade de Educação da UFRGS, Sônia Ogiba, a psicopedagoga Amélia Bampi, e o diretor do Fórum Democrático da Assembleia Legislativa, Ney da Camara Neto.

Como encaminhamento da audiência pública, ficou decidido que será criada uma agenda prioritária de prevenção à violência nas escolas, com monitoramento das políticas públicas, e também fiscalização – como no caso da lei federal que determina a presença de psicólogos e assistentes sociais nas escolas.

 

* Com informações da Assessoria da Deputada Luciana Genro


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Edição: Katia Marko